O feminicídio, assassinato de uma mulher por razões ligadas à sua condição de gênero, destrói mais do que uma vida. Ele rompe lares e deixa um rastro de dor e abandono. No Acre, entre 2018 e 2024, 118 crianças perderam as mães por causa dessa violência. São órfãos de um crime que, apesar de evitável, ainda insiste em repetir-se dentro das casas, entre as paredes que deveriam ser abrigo.
O número revela a urgência. Para tentar conter os efeitos dessa tragédia silenciosa, o Estado criou, por meio da Lei Estadual nº 4.065-2022, um conjunto de medidas de apoio aos filhos de vítimas de feminicídio. A legislação garante o pagamento de um salário mínimo por filho, assistência jurídica gratuita, acolhimento sob guarda e acesso a cuidados de saúde, incluindo acompanhamento psicológico.
“A sociedade está num estado de torpor, como se isso fosse comum. E isso não é. Essa violência acontece dentro de casa, não é por tráfico ou roubo. É inadmissível que, em pleno século XXI, mulheres continuem sendo assassinadas por maridos ou companheiros por razões machistas”, afirma a advogada Tatiana Martins, defensora dos direitos das mulheres e da efetivação da lei.
Ela reforça a necessidade de uma ação conjunta: “O machismo traz essa consequência gravíssima. As tentativas de feminicídio têm aumentado, e a gente precisa estar de mãos dadas. Sociedade civil, órgãos públicos, instituições… para que a gente evite esse tipo de situação que é evitável.”
Mas garantir acolhimento e apoio financeiro é apenas uma parte do processo. As marcas do feminicídio vão além do concreto — atingem o psicológico e o emocional das crianças que presenciam ou são impactadas por esse tipo de crime.
A neuropsicóloga Daciula Verçosa acompanha de perto o sofrimento de órfãos de feminicídio. Segundo ela, os efeitos emocionais podem se arrastar por toda a vida. “Uma criança que presencia a morte da mãe por feminicídio tem grandes chances de desenvolver transtornos graves, como estresse pós-traumático. Mesmo quando não presencia diretamente, o trauma do rompimento abrupto e violento gera dificuldades sociais, medo de confiar nas pessoas e prejuízos na formação de vínculos afetivos”, explica.
Para Daciula, o acompanhamento profissional contínuo é essencial. “Não dá pra achar que essa criança vai simplesmente superar. É preciso cuidado, atenção constante, acompanhamento psicológico e psiquiátrico, visibilidade. Porque o agressor, em geral, vai ser punido. A mãe está morta. E a criança?”
Essas histórias dolorosas revelam que o feminicídio é um crime que transcende a vítima direta. Ele atinge os filhos, pais, irmãos, a sociedade inteira. Enfrentá-lo é uma missão coletiva, que exige políticas públicas eficazes.
Canais de Ajuda
A denúncia e o rompimento do ciclo de violência são passos desafiadores, mas necessários, que demandam suporte de familiares, amigos e instituições especializadas. O acolhimento da vítima é essencial para romper o ciclo de violência e desvincular-se do agressor.
As vítimas podem procurar a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) pelo telefone (68) 3221-4799 ou a delegacia mais próxima.
Também podem entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher, pelo Disque 180, ou com a Polícia Militar do Acre (PM-AC), pelo 190.
Outras opções incluem o Centro de Atendimento à Vítima (CAV), no telefone (68) 99993-4701, a Secretaria de Estado da Mulher (Semulher), pelo número (68) 99605-0657, e a Casa Rosa Mulher, no (68) 3221-0826.
Com informações da repórter Débora Ribeiro para TV Gazeta