“Minha luta diária é para ser reconhecida como sujeito, impor minha existência numa sociedade que insiste em negá-la.”
– Djanila Ribeiro
Em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher¹, com o objetivo de combater as desigualdades e a discriminação de gênero em todo o mundo. Mas você sabe como essa data foi conquistada? Qual é, de fato, o verdadeiro sentido e o objetivo dessa data? O que está por trás dela?
Embora muito se discuta sobre a origem exata dessa data, é inegável que ela simboliza, para todas nós mulheres, um direito conquistado. A história do 8 de março é marcada por lutas, greves e inúmeras formas de resistência contra um sistema profundamente machista e sexista, marcado principalmente pela exclusão do feminino nos espaços de nossa sociedade. No entanto, para nós mulheres desistir nunca foi uma opção, as corajosas se levantaram, resistiram e, com isso, conquistaram direitos que hoje podemos celebrar e usufruir, porém a luta ainda está bem longe do fim.
De certo, vamos entender um pouco mais sobre o contexto histórico dessa data. A proposta para a criação do Dia Internacional da Mulher foi feita por Clara Zetkin, uma alemã, membro do Partido Comunista Alemão e deputada em 1920. Durante o II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, realizado em Copenhague, em 1910², ela sugeriu a criação de uma data como um marco de luta pelos direitos iguais para as mulheres, porém a mesma não definiu nenhuma data, assim erroneamente é afirmado no Brasil e em outros países que a data 8 de maio deu-se para relembrar as mortes de operárias, em Nova Iorque.
Em seu artigo, Zetkin coloca esta data como marco importante para rememorarmos as lutas e movimentos sindicais, as greves trabalhistas e, sobretudo, as perseguições policiais. Segundo a autora: “No século XIX e no início do XX, nos países que se industrializavam, o trabalho fabril era realizado por homens, mulheres e crianças, em jornadas de 12, 14 horas, em semanas de seis dias inteiros e frequentemente incluindo as manhãs de domingo. Os salários eram de fome, havia terríveis condições nos locais da produção e os proprietários tratavam as reivindicações dos trabalhadores como uma afronta, operárias e operários considerados como as “classes perigosas”.
Desse modo, para uma ampla elucidação desses processos, indico o filme intitulado: “As sufragistas”, dirigido por Sarah Gavron, o drama histórico, ambientado no reino unido, vai contar a história real do grupo militante organizado inteiramente por mulheres, na luta pelo direito ao voto, enquanto sofrem os mais variados tipos de represálias, torturas, perseguições e julgamentos da sociedade.
Assim como Alexandra Kollontai e Emma Goldman, Clara Zetkin dedicou sua vida à defesa dos direitos femininos, reivindicando salários justos, jornadas de trabalho dignas, melhores condições laborais e o direito ao voto. Embora tenha sido uma reivindicação ainda em 1910, e adotada a partir de então por alguns países, é somente em 1917 com a Revolução Russa, que o 8 de março vai se consolidar, isso após uma greve de trabalhadoras russas de tecelagem, onde cerca de 90 mil operárias manifestaram-se contra as más condições de trabalho, a fome, a participação russa na Primeira Guerra e o czar Nicolau 2º. O protesto ficou conhecido como “Pão e Paz”³ e foi considerado como um dos primeiros momentos da Revolução Bolchevique⁴.
Charge do protesto Pão e Paz.

Sendo assim, partindo da análise dos fatos supracitados, podemos perceber que as mulheres do movimento feminista marxista, dos partidos socialistas/comunistas, sejam na Rússia ou mundo afora, desempenharam papel fundamental na luta pelos direitos igualitários para as mulheres. Não à toa, após a revolução russa de 1917, as mulheres já tinham obtido direitos os quais outros países iriam ter somente muitas décadas posteriormente.
A exemplo de comprovação, utilizando a obra chamada “Mulher, Estado e Revolução” ⁴, de Wendy Goldman, depois da Revolução Bolchevique, a União Soviética avançou rapidamente em termos de direitos femininos, culminando na aplicação do Código do Casamento, Família e Tutela em 1918. Tal código é somente um, dentro vários outros direitos obtidos através da União das mulheres e Juventudes Socialistas no pós revolução. Além disso, ele representava uma mudança radical nas relações sociais e de gênero, visando garantir a equidade de direitos entre homens e mulheres
Por outro lado, os Estados Unidos, considerado um país avançado em várias áreas, precisou de muito mais tempo para introduzir mudanças significativas nos direitos das mulheres, como o direito ao divórcio. Até 1985, nos Estados Unidos, as mulheres enfrentavam severas restrições ao divórcio, com leis que frequentemente as viam como “propriedade” de seus maridos. No Brasil, as mulheres vão se organizar para lutar pelo voto mais de meio século depois das camaradas russas, porém, para fins de aprofundamento do tema, recomendo a leitura de nossa última publicação “O dia da instituição do voto secreto e feminino: uma conquista histórica para a democracia brasileira”, por Helenayra Moreira.
Percebemos, então, que o Dia Internacional da Mulher carrega um significado muito mais profundo do que a forma como é frequentemente celebrado hoje. Ele representa a luta dos movimentos feministas que, desde o final do século XIX e ao longo do século XX, batalharam por direitos trabalhistas e igualdade. Mais do que uma data comemorativa, é um momento de reflexão sobre os desafios enfrentados no passado e sobre aqueles que, infelizmente, ainda persistem.
A inferiorização da mulher continua presente em nossa sociedade, sustentada por um sistema patriarcal que insiste em nos rotular como “sexo frágil” — uma desculpa conveniente para mascarar ideais machistas e manter privilégios. No entanto, a mulher sempre teve que lutar dia após dia contra o sistema beneficiado pelas desigualdades e pobreza, e faremos sem dar um passo para trás, buscando reformular a sociedade patriarcal, machista e desigual.
Lamentavelmente, faz parte da rotina de muitas mulheres em diversos ambientes, principalmente no mercado de trabalho, ter que “provar seu valor” e reafirmar todos os dias que é capaz, além de terem que enfrentar as diversas formas de violências e desigualdades de gênero.
O dia 8 de março, deve ser um dia em que paramos para refletir e analisar, pois não estamos sozinhas, embora seja um caminho árduo, estamos todas unidas.
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REFERÊNCIAS
[1] DIA INTERNACIONAL DA MULHER. Data oficializada pela ONU. Gov.br, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/inpe/pt-br/assuntos/ultimas-noticias/dia-da-mulher#:~:text=Em%201975%20a%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%20das,de%20g%C3%AAnero%20em%20todo%20mundo. Acesso em: 6 mar. 2025.
[2] ZETKIN Clara, 8 De março: Conquistas e Controvérsias. Disponivelem:https://www.scielo.br/j/ref/a/zSfcjFQPyGjGDwpR53pQcxc/?format=html&lang=pt> Acesso em: 6 de mar.2025.
[3] SANTIAGO, Claudia. 8 de março nasceu com a luta por pão e paz. BDR, 2019. Disponivel em: https://www.brasildefato.com.br/2019/03/08/8-de-marco-nasceu-com-luta-por-pao-e-paz/. Acesso: 6 de mar.2025.
[4] GOLDMAN, Wendy. Mulher, Estado e Revolução: política familiar e vida social soviéticas, 1917-1936. – 1. Ed. – São Paulo: Boitempo : Iskra Edições, 2014.
Thaynara Farias – Bacharelanda em História pela Universidade Federal do Acre (Ufac). Bolsista do Núcleo de Apoio à Inclusão (NAI)