“Sabe o que é parir? A senhora teve filhos. Mas sabe o que é parir? Alimentar e tirar uma vida de dentro de você? Uma vida que continuará mesmo quando você já não estiver mais nesta terra de Deus?”
“Nas profundezas do sertão baiano, as irmãs Bibiana e Belonísia encontram uma velha e misteriosa faca na mala guardada sob a cama da avó. Ocorre então um acidente. E para sempre suas vidas estarão ligadas ― a ponto de uma precisar ser a voz da outra. Numa trama conduzida com maestria e com uma prosa melodiosa, o romance conta uma história de vida e morte, de combate e redenção”.
Torto Arado é um romance brasileiro de 2019 escrito pelo autor baiano Itamar Vieira Junior. Conta a história de duas irmãs, marcadas por um acidente de infância, e que vivem em condições de trabalho escravo contemporâneo em uma fazenda no sertão da Chapada Diamantina.
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Itamar Vieira Junior nasceu em Salvador, em 1979. É geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela UFBA. Recebeu, em 2020, o Prêmio Jabuti de melhor Romance Literário e o Prêmio Oceanos de Literatura com Torto Arado.

“No meu peito mora Água Negra, não no documento da fazenda da senhora e de seu marido. Vocês podem até me arrancar dela como uma erva ruim, mas nunca irão arrancar a terra de mim”.
O livro conta a história de um grupo de pessoas no sertão baiano que se deparam com a fome, a pobreza e o machismo de uma sociedade escravocrata, onde os mais ricos tiram vantagem do trabalho de homens e mulheres roceiros, que nada têm na vida, a não ser a força e a esperança de dias melhores para seus filhos.
Considero que o diferencial do livro é que ele conta sob o olhar de um escritor afrodescendente, professor universitário e geógrafo, o lado da história que em geral não temos a oportunidade de conhecer, a dos negros, escravos recém-libertos e seus descendentes, abandonados à própria sorte nos interiores do Brasil.
A narrativa apresenta a história de descendentes de escravos, vivendo às margens de um rio, sofrendo nas estiagens e nas alagações, e também com a falta de recursos, labutando de sol a sol, dia após dia, sem salário ou algum tipo de direito. Recebendo em troca apenas uma casa de barro, que eles próprios precisavam construir e reconstruir de tempos em tempos, em terra alheia, uma alimentação precária, além da estarem sempre sujeitos a violência de gênero, exploração e marginalização.

Uma característica que me chamou atenção foi a quantidade de personagens que o autor traz, e a riqueza de detalhes que cada um possui. E não só personagens humanos, mas os “encantados” – entidades de religiões de matriz africana – também.
O livro é dividido em três partes: a primeira – FIO DE CORTE – é narrada por Bibiana. A segunda – TORTO ARADO – é narrada por Belonísia. E a terceira – RIO DE SANGUE – é narrada por um “encantado”, Santa Rita Pescadeira.
Por fim, uma curiosidade, o título do livro – Torto Arado – foi retirado do poema Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga.
”Os donos já não podiam ter mais escravos, por causa da lei, mas precisavam deles. Então foi assim que passaram a chamar os escravos de trabalhadores e moradores. Não poderiam arriscar, fingindo que nada mudou, porque os homens da lei poderiam criar caso. Passaram a lembrar para seus trabalhadores como eram bons, porque davam abrigo aos pretos sem casa, que andavam de terra em terra procurando onde morar. Como eram bons porque não havia mais chicote para castigar o povo”.
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Pâmela Freitas é jornalista formada pela Ufac, pós-graduada em Jornalismo Digital pela Unyleya e repórter no site Agazeta.net