* Por Heitor Andrade Macêdo[1]
Hoje contarei a estória da pata e da galinha. Sabe-se que a pata ao botar o seu ovo sai do ninho quietinha para que ninguém saiba que ela desovou, enquanto a galinha quando põe o seu ovo, sai pelo quintal fazendo um alvoroço, de forma que todo mundo fica sabendo que ela desovou.
Pois bem, a estória que vou contar tem semelhança com o comportamento daquelas duas aves.
Em 1988 fui aprovado num concurso para a magistratura acreana. Minha primeira Comarca foi a de Brasiléia. Quando estava em atividade judicante naquela Comarca, o Senhor Vice-Prefeito da cidade consultou-me se eu concordaria em percorrer a zona rural até Assis Brasil registrando crianças e adultos que não tinham certidão de nascimento. Achei a ideia boa e imediatamente concordei. A prefeitura forneceria o combustível. O veículo seria o meu, pois a prefeitura não dispunha de veículo e o Poder Judiciário na cidade não tinha veículo algum.
Reuni os servidores do Registro Civil e eles concordaram com a empreitada. Programamos e realizamos diversas viagens. Ora na Rodovia que demandava para Assis Brasil, ora na Estrada Velha, sentido Rio Branco/Brasiléia e vice versa. A população ruralista era avisada antecipadamente e nos finais de semana, ou seja, sábado e domingo viajávamos para os locais previamente escolhidos.
De parte do judiciário iríamos proceder os registros de nascimento de crianças e adultos, enquanto que servidores da prefeitura ligados ao Ministério do Trabalho cuidariam de fornecer carteiras de trabalho e previdência aos adultos. Face esse procedimento diversas crianças e adultos foram registrados no decorrer das viagens, ou seja, tornaram-se realmente brasileiros, eis que antes eram tidos como animais, pois não figuravam nas pesquisas do IBGE, como seres humanos, dado que não eram registrados. Pode-se dizer que a ideia e a execução foi um sucesso. Sem atentar para o fato de que a iniciativa era inédita, não comuniquei oficialmente ao Tribunal de Justiça. Tornei-me a pata da estória.
Em janeiro de 1989 fui transferido para Rio Branco e assumi a primeira Vara Cível que cuidava também dos Registros Públicos. Tão logo assumi a Vara contei para a Promotora de Justiça que atuava naquela Vara, o que tinha feito na Comarca de Brasiléia. Disse-lhe que tinha vontade de realizar o mesmo trabalho aqui em Rio Branco. A Dra. Glória ofereceu-se para participar da empreitada.
Fechada a aventura, reunimo-nos com os servidores dos Cartórios de Registros Públicos da Capital, na época apenas dois cartórios e os mesmos concordaram com a “missão” social.
Para o nosso deslocamento utilizamos dois carros; o meu e o da Dra. Glória. Conversamos com a cúpula da LBA na cidade e eles assumiram as despesas dos combustíveis de nossos veículos e mais, forneceram formulários para preenchimento do pedido de registro de nascimento tardio, pois na época o registro era pago, mas se foi solicitado pela LBA, seria gratuito.
Combinado, os nossos deslocamentos passaram a ser, também, nos sábados e domingos. Iniciamos os trabalhos pelo vale do Amapá, depois fomos para o Projeto Pedro Peixoto, em seguida para o Projeto Humaitá, depois para Porto Acre, Colônia Custódio Freire e por último para o Bujarí que ainda era uma Vila de Rio Branco. Nas viagens para o Amapá, duas semanas, a Dra. Glória bancou as refeições. No Projeto Pedro Peixoto quem custeou a refeição foi o Dr. Luiz Saraiva, que tinha uma fazenda nas proximidades e achou brilhante o trabalho que estávamos realizando. No Projeto Humaitá quem arcou com as refeições foi também a Dra. Glória. Em Porto Acre foi o administrador da vila e no Bujari e adjacências foi o sub prefeito daquela localidade.
Mas como nem tudo que é bom tem vida longa, em março de 1991 fui lotado na Comarca de Cruzeiro do Sul e o magistrado que me substituiu na primeira Vara Cível não quis continuar com o empreendimento e a “missão” morreu. Também em Rio Branco não comuniquei oficialmente à direção do Tribunal de Justiça o trabalho social que estava desenvolvendo na zona rural, juntamente com a Promotora de Justiça, Dra. Glória. Assumi novamente a atitude da pata quando acaba de desovar.
Em 1995 fiquei sabendo que alguém fez renascer o meu trabalho com o título de “Projeto Cidadão” e essa pessoa recebeu e tem recebido todas as glórias pela iniciativa. Na época houve muita publicidade e continua havendo. Nessa ocasião apareceu a galinha da estória. Como dizia o Chacrinha: “Quem não se comunica se estrumbica”. Essa é uma das estórias que estou trazendo a público referente ao meu tempo de magistrado. Outras virão, se esta receber boa aceitação.
[1] Graduado em Direito pela UFAC , Ex-promotor de justiça e juiz de direito aposentado.