A tese de “perseguição política” não se sustenta em pé. Gladson estaria sendo perseguido politicamente por quem?
O acriano começa a perceber que nem só de danças e simpatias vive um governo. Executada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, com apoio da Receita Federal e Controladoria Geral da União, a terceira fase da Operação Ptolomeu não expõe as vísceras oficiais, já desidratadas em praça pública pelas duas edições anteriores. A Ptolomeu 3 é rica em sugestões e aponta para uma (talvez breve) quarta edição.
A determinação para que o governador do Acre, Gladson Cameli, entregue o passaporte em 24 horas faz turbinar as mentes mais criativas em especulação policial. O fato de que nenhuma prisão tenha sido efetivada na terceira edição da Ptolomeu também sugere a brevidade de que outra movimentação possa ocorrer, inclusive com alvos mais específicos, longe da lista contendo 69 nomes, entre empresários, gestores públicos, assessores de governo.
Aliás, sobre a lista com 69 envolvidos, impressiona a quantidade de pessoas da família do governador: pai, irmão, primo, tio, ex-esposa. Desde a Operação G7, fazia tempo que o Acre não integrava o noticiário político-policial nacional com tanta intensidade.
Há um detalhe que muitos estão “confundindo”. Na tentativa de minimizar o estrago feito pelo conjunto das operações, alguns estão usando a calculadora errada: afirmam que a investigação é imprecisa porque as cifras da terceira edição são outras. Não são.
As cifras das supostas danações apontadas na Ptolomeu I e II estão lá, mantidas. Os R$ 120 milhões informados agora são relativos ao sequestro de bens de alguns dos envolvidos, inclusive discriminados: aeronaves, casas, apartamentos. Diante do grau de articulação da suposta organização criminosa, a Justiça tenta se precaver.
Não foi brincadeira. A terceira edição da Operação Ptolomeu teve 89 mandados de busca e apreensão no Distrito Federal e mais seis estados, incluindo o Acre. Entre diretores de órgãos públicos, auditores, policiais militares, secretários e ex-secretários de Estado foram 34 pessoas afastadas das funções.
E a tese de “perseguição política” não se sustenta em pé. Gladson estaria sendo perseguido politicamente por quem? É bom lembrar que a primeira edição da Ptolomeu aconteceu em dezembro de 2021. O presidente era Jair Bolsonaro. Na bancada federal acriana de então, só Perpétua Almeida (PCdoB) e Léo de Brito (PT) faziam oposição a Gladson.
Antes de alimentar a teoria da conspiração com a tese de perseguição política, melhor seria tentar compreender a Operação Ptolomeu como resultado da falta de traquejo de Gladson Cameli com a gestão pública. Para além das danças e simpatias, claro. Estas não são da seara da gestão, mas da manipulação política. É parte do encantamento.
Se Cameli dá show nas danças, o conjunto da Operação Ptolomeu aponta que ele, enquanto gestor, pisa no pé do povo que, até o momento, aceitou o sorriso fácil e cativante como desculpa. Até o momento.
Gladson consegue o feito de se descolar do próprio governo para seguir embalando o povo no maltratado salão acriano. É como se a ingerência não fosse responsabilidade dele; é como se a falta de controle não fosse da responsabilidade dele; é como se a ausência de comando não fosse dele, Cameli. A cena é a seguinte: uma orquestra executa um xote e o bailarino, simpático e envolvente, valsa machucando o pé dos quase 57% que teimam em lhe acompanhar na dança.