Brasil, o teu nome é Dandara
E a tua cara é de cariri
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati
Salve os caboclos de julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês
História para ninar gente grande – Mangueira, 2018.
O samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira, intitulado “História para ninar gente grande”, convoca-nos a escutar a memória dos sujeitos historicamente marginalizados. O enredo transforma o ato de ouvir essas vozes em um gesto político de reparação histórica. Dar voz aos silenciados é reconhecer, após séculos, as raízes profundas da luta social e da justiça no Brasil. A música estabelece um elo entre passado e presente, ao evocar os nomes de Dandara, Marias, Mahins até Marielle Franco, revelando que a resistência permanece viva, ainda que com novos rostos, mas com as mesmas cores, essência e força.
A história oficial sempre buscou apagar a resistência negra, exaltando os chamados heróis, oriundos principalmente da elite. Se a história dos marginalizados nunca representou o Brasil, imagine a história das mulheres negras, que se tornaram símbolos de resistência contra a escravidão. Portanto, a inclusão de Dandara dos Palmares e Luiza Mahin na Lista dos Heróis e Heroínas Nacionais é um marco na valorização das batalhas históricas do povo negro no Brasil. Este gesto, originado do Projeto de Lei 3088/15¹, aprovado pela Câmara dos Deputados em 2017 e promulgado pela Lei 13.816², representa não só a apreciação de suas trajetórias de resistência, mas também a expansão da memória nacional para além dos personagens tradicionais, sublinhando a relevância da diversidade na formação da identidade do Brasil.
Torna-se necessário dar mais visibilidade à trajetória das mulheres negras, cuja força e protagonismo foram decisivos na luta contra a escravidão, o racismo e a desigualdade. Assim, terei como base o artigo Dandara, Aqualtune e Luiza Mahin: Mulheres negras na luta contra a escravidão no Brasil³, publicado no jornal Esquerda Diário. Nele, destacam-se Dandara dos Palmares e Luiza Mahin, mulheres negras, guerreiras, rebeldes e corajosas, que se tornaram símbolos eternos de resistência e libertação.
Os nomes dessas mulheres guerreiras permanecem vivos na memória coletiva pela representação do povo negro e pela resistência que demonstraram durante o período da escravidão. Suas histórias chegaram até nós, sobretudo, pela tradição oral, já que os registros “oficiais”, em grande parte produzidos pelas elites, negligenciaram e silenciaram sua existência. No entanto, diante da ausência de documentos sobre Dandara e Mahin, a memória coletiva do povo negro se encarrega de restituir e reconstruir as lacunas deixadas e preservar sua história e trajetória. A oralidade, elemento essencial, principalmente na cultura africana e afro-brasileira, torna-se também um instrumento crucial de resistência e identidade.
Este texto tem como objetivo evidenciar os motivos pelos quais essas mulheres são consideradas heroínas, não somente pelos seus atos de bravura, mas pela inspiração que continuam a oferecer às lutas contemporâneas. Por isso, seus nomes ecoam hoje nos Livros de Heróis e Heroínas da Pátria, como símbolo de luta contra o apagamento/silenciamento histórico.
Dandara: um nome gravado na memória da recusa do Chicote
Muito se fala sobre Zumbi dos Palmares, mas e Dandara, você conhece a história dessa grande mulher? Durante o período colonial, os povos africanos escravizados nunca aceitaram passivamente a exploração imposta pelos senhores. Pelo contrário: onde houve opressão e exploração, houve resistência. Assim, surgiram diversas formas de resistência, como envenenamento dos senhores de engenho, fugas, revoltas e a recusa ao trabalho e, sobretudo, a criação de quilombos, espaços de liberdade, refúgio e resistência coletiva. Os quilombos abrigavam homens e mulheres africanos, indígenas fugitivos e muitos outros que eram considerados inimigos da monarquia. O quilombo mais famoso foi o de Palmares, localizado na Serra da Barriga, na então Capitania de Pernambuco, formado entre 1597 e 1695, liderado pelo famoso Zumbi dos Palmares, chegando a ter uma estimativa de 20 mil habitantes, tornando-se símbolo de resistência contra o sistema escravocrata.
Dandara é um símbolo de resistência para as mulheres. Ela foi uma guerreira que lutou ao lado de Zumbi durante as invasões das expedições bandeirantes. A origem de seu nascimento é uma incógnita, pois não há registros que confirmem se ela nasceu no Brasil ou foi trazida da África. No entanto, segundo as autoras do artigo já citado, alguns relatos indicam que ela teria nascido no Brasil e se estabelecido no Quilombo dos Palmares desde criança. Além disso, assim como Luiza Mahin, Dandara pertencia à nação Nagô-Jejê, da comunidade de Mahi, e professava a religião muçulmana. Ela é frequentemente referida como esposa de Zumbi, com quem teria tido três filhos: Motumbo, Harmódio e Aristogíton.
Portanto, Dandara lutou ao lado do povo quilombola, comandando o exército palmarino, pois dominava técnicas de capoeira e era uma excelente estrategista militar. Ela também tinha uma participação ativa nas tarefas diárias do quilombo, como a caça e a agricultura. Sua liderança desempenhou um papel fundamental na rejeição do acordo de paz sugerido por Ganga Zumba, o líder anterior, que previa a devolução de fugitivos em troca de propriedades. Dandara e Zumbi recusaram o acordo, buscando a liberdade total para todos os negros.
Contudo, em 1694, a missão de Domingos Jorge Velho tinha como objetivo aniquilar Palmares. Essa luta durou muitos dias no meio da Serra da Barriga. Apesar da resistência, os quilombolas foram cercados pelas forças paulistas.
Luiza Mahin: revolução e negação da submissão
Luísa Mahin nasceu na Costa Mina, na África, no começo do século XIX. Diferente de Dandara, foi trazida para o Brasil na condição de escrava. Luísa, membro da tribo Mahi dos Malês (original do iorubá Imale, que significa muçulmano ou islã) da nação africana Nagô, desempenhou um papel crucial na organização de rebeliões escravas que abalaram a então Província da Bahia, principalmente a dos Malês, nas primeiras décadas do século XIX.
Mahin carrega um legado de força e resistência contra a submissão; seus ideais mobilizaram, principalmente, mulheres negras do passado e do presente, na luta contra as elites dominantes e pela liberdade dos corpos negros. Segundo as autoras do jornal Esquerda Diário, não há muitas informações sobre o nascimento e a chegada de Luiza Mahin ao Brasil. A menção que comprova sua existência está nas cartas de um de seus filhos, o advogado abolicionista e grande figura do movimento negro, Luís Gama.
Assim, Gama cita a participação de Luiza Mahin na Revolta da Sabinada, levante que contou com a participação de muitos negros e negras. Na história, Gama cita que, depois da revolta, Mahin não teria sido mais vista. Odete e Tristan citam três hipóteses: a primeira, sua morte pelo Estado como punição pela participação nas revoltas dos Malês; a segunda, sua deportação de volta ao seu país de origem; e, por fim, que teria fugido para o Rio de Janeiro, onde permaneceu escondida.
Em 9 de março de 1985, a praça pública localizada no bairro da Cruz das Almas, em São Paulo, uma região com grande população negra, foi batizada em homenagem a Luiza Mahin, graças à ação do Coletivo de Mulheres Negras/SP.
Para concluir, deixo a descrição de Luiza Mahin, em carta feita por seu filho, Luís Gama: “Sou filho natural de uma negra africana, livre da nação nagô, de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa, magra, bonita, da cor de um preto retinto, sem lustro; os dentes eram alvíssimos, como a neve. Altiva, generosa, sofrida e vingativa. Era quitandeira e laboriosa”⁴.
Portanto, o Projeto de Lei 3088/15, que incluiu Dandara dos Palmares e Luiza Mahin no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, demonstra um avanço na luta pela visibilidade das mulheres negras na história. Além de incluir essas personagens na história oficial brasileira, o projeto não só corrige um esquecimento histórico, mas também possibilita uma nova compreensão do passado. No enredo da Estação Primeira de Mangueira, que evoca as vozes de Dandara, Mahin e Marielle Franco, ele reforça o grito de resistência que permanece até hoje. A história das mulheres negras, por muito tempo excluída da história oficial, agora tem como símbolos essas mulheres que resistiram e lutaram pela liberdade. Sendo assim, a lei marca a construção de uma memória coletiva e justa que reflete os heróis e heroínas negras que foram apagados na história.
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[1] BRASIL. Projeto de Lei nº 3.088, de 2015. Inscreve o nome de Dandara dos Palmares e de Luiza Mahin no Livro dos Heróis da Pátria. Apresentado pela Deputada Tia Eron (PRB-BA). Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 2015. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1243863. Acesso em: 21 abr. 2025.
[2] BRASIL. Lei nº 13.816, de 24 de abril de 2019. Inscreve os nomes de Dandara dos Palmares e de Luiza Mahin no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. , Brasília, DF, 24 abr. 2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13816.htm. Acesso em 21 abr. 2025.
[3] ASSIS, Odete; TRISTAN, Jenifer. Dandara, Aqualtune e Luiza Mahin: mulheres negras na luta contra a escravidão no Brasil. Esquerda Diário, [S.l.], [s.d.]. Disponível em: https://www.esquerdadiario.com.br/spip.php?page=gacetilla-articulo&id_article=24087. Acesso em: 21 abr. 2025.
[4] GELEDÉS – Instituto da Mulher Negra. Luíza Mahin. Geledés, 25 jul. 2009. Disponível em: https://www.geledes.org.br/luiza-mahin/. Acesso em: 21 abr. 2025.
Dandara Cesar Dantas – Acadêmica do 8º período de Bacharelado em História da Universidade Federal do Acre (Ufac). Membro/ redatora da Coluna Escavando História e bolsista do Programa de Iniciação Científica (Pibic), com o projeto intitulado: Entre Ensino e Pesquisa: diários de memória da História na Ufac.