O caminhão da coleta seletiva encosta no galpão da Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis e Reutilizáveis do Acre (Catar) com um ruído grave, como se anunciasse que mais um dia de trabalho vai começar. Do baú metálico, descem montanhas de papelão, plástico, latas e papel que, antes de chegar ali, foram descartados nas ruas da cidade. Para muitas pessoas, lixo. Para as mulheres da Catar, vida.
Na correria entre uma prensa e outra, vozes femininas se entrelaçam com os sons das máquinas e das sacolas sendo remexidas. São mães. São catadoras. São mulheres que tiram da reciclagem o sustento de suas famílias, e fazem disso um ato de amor, resistência e transformação.

Amor que sustenta e transforma
Com 59 anos, Sebastiana Mendes chega cedo à cooperativa. Mãe de dez filhos e avó de seis netos, ela não esconde o orgulho da trajetória que trilhou. Desde 2014, quando entrou para a Catar, ela deixou para trás as faxinas mal pagas e passou a garantir sua renda com um trabalho que, além de essencial, é ambientalmente correto.
“Eu fazia faxina por 20 reais para comprar comida para os meus filhos. Já vi filho chorar de fome sem ter o que dar. Mas desde que comecei aqui, nunca mais precisei ir pra casa de família. Daqui é que eu tiro meu sustento”, afirma, com firmeza.
Apesar da dureza da rotina, Sebastiana diz que ser mãe é seu maior tesouro. “Cada filho tem um lugar no meu coração. Não tem como escolher o mais marcante. Todos são.”

“Ser mãe é inexplicável”
Para Nilda Alves, que atua na cooperativa desde sua fundação, em 2008, ser mãe foi também um exercício constante de renúncia. Ela teve quatro filhos, mas conta que, em certos momentos da vida, passou dificuldades e teve que priorizar a alimentação da filha com ajuda de pessoas.
“Teve dia que não tinha janta. A vizinha chamava pra comer, eu mandava minha filha e ficava com fome. Priorizei ela, porque mãe é isso”, lembra, emocionada.
Hoje, apenas uma de suas filhas mora em Rio Branco. Os outros vivem em cidades como Porto Velho, Ceará e Porto Alegre. Apesar da distância, o amor materno não diminuiu. “Ser mãe é algo inexplicável.”

Cuidar dos filhos, cuidar do mundo
Maria Antônia também conheceu a dor e a superação. Viúva, mãe de três filhos e avó de cinco netos, ela encontrou na Catar não só um trabalho, mas um apoio emocional. Quando o marido faleceu e ela quase entrou em depressão, foi a cooperativa que lhe estendeu a mão.
“Eu fiquei sem nada. Gastei tudo com a doença dele. Mas aqui, me acolheram. Estou há quase quatro anos e sou feliz. Gosto mesmo do que faço. Meus filhos me apoiam, porque agora é só nós três.”
Maria acredita que a sociedade precisa entender melhor o valor do trabalho das catadoras. “A gente zela da natureza. Esses materiais que a gente coleta são importantes. A população precisava conhecer isso de perto.”

“Está difícil ser mãe hoje em dia”
Na liderança da cooperativa, Francione Mendes enfrenta o desafio de ser mãe e diretora ao mesmo tempo. Seu filho trabalha com ela no galpão, e não esconde o cuidado excessivo. “Ele fica o tempo todo dizendo ‘mãe, não carrega isso’, ‘mãe, cuida da sua coluna’. Às vezes, até atrapalha, de tanto zelo.”
Ela conta que conheceu a cooperativa por meio de uma amiga já falecida. Começou como catadora, foi eleita diretora e hoje está no segundo mandato. “Ser mãe hoje em dia tá difícil. Não é só dar comida. É educar. E a educação tem que vir de casa.”
Se pudesse deixar um recado às mães que, como ela, equilibram o peso da casa, do trabalho e do mundo, ela diria: “Valorizem suas mães. Porque quando a gente perde, a falta pesa demais.”

O maior desafio é a ausência
A maioria dessas mulheres compartilha uma mesma dor: a ausência. Não só da mãe que se foi, mas também do tempo que precisaram abrir mão de passar com os próprios filhos.
“Eu me arrependo de não ter tido mais tempo com meus filhos. Saía cedo, voltava à noite, só dava tempo de dormir”, desabafa Sebastiana. E deixa um recado que ecoa como um aviso delicado e firme: “Eu diria para os filhos que ainda têm mãe: cuide da sua mãe, pois a cada dia que passa você está mais próximo de ficar sem ela”.
O mesmo é sentido por Nilda, Maria e tantas outras. Mesmo assim, nenhuma delas deixa de sorrir ao falar dos filhos. Elas transformaram dificuldades em força e hoje são símbolo de esperança para suas famílias — e para o planeta.

A força feminina na reciclagem
Na Catar, são 15 famílias envolvidas e nove mães que tocam o coração da operação. O caminhão da coleta seletiva passa diariamente. O papelão é prensado e armazenado. O restante — plástico, papel, latas — é separado na triagem, com cuidado e técnica, pelas mãos dessas mulheres.
Por trás dos sacos e resíduos, estão histórias reais de quem já passou fome, já enfrentou o preconceito e a solidão. Mas que, todos os dias, escolhe levantar da cama e fazer do trabalho um ato de amor.

Para essas mulheres, o trabalho vai além da renda: é pertencimento, é resistência. É a prova de que, mesmo em uma sociedade que frequentemente invisibiliza o trabalho feminino, elas seguem firmes — com coragem.
Neste Dia das Mães, a homenagem é para elas. Que entre papéis, latas e plásticos, suas histórias deixem de ser esquecidas. Porque mãe nenhuma deveria ser invisível.