Recentemente o calendário nacional marcou o Dia dos Povos Indígenas, data instituída pelo calendário republicano ainda na primeira metade da década de 1940, através do decreto lei n° 5.540/1943¹, estabelecido pela base governista de Getúlio Vargas.
No sentido de atribuir ao Brasil a construção de uma suposta identidade nacional pautada nos simbolismos nacionais da integração e assimilação dos povos indígenas, Vargas encontraria, por meio do referido decreto lei, uma evidente estratégia de diálogo entre sua base governista e os demais segmentos da sociedade.
Através do reconhecimento de que as matrizes culturais, sociais e identitárias que formam o sentimento de pertencimento nacional estão atravessadas por múltiplas raízes, sobretudo pelas raízes culturais indígenas, as quais em suas complexidades e pluralidades foram ambicionadas pela invenção discursiva do “Estado Novo” como meio de evidenciar uma suposta ideia de nacionalidade pautada pelas políticas universalizantes de integrar os povos, suas línguas e suas histórias à adoção forçada de simbolismos que remetessem à identidade brasileira forjada pelos valores republicanos.
Na história do tempo presente, os movimentos indígenas de todo o país, através de mobilizações, lutas políticas e protagonismos diversos, têm objetivado a ressignificação da data.
Inicialmente normatizado pelo decreto/lei como “Dia do índio” – nomenclatura a qual passou por uma grande reformulação em tempos recentes. Antes, a terminologia “dia do índio” deixava de corroborar as múltiplas raízes originárias as quais fundamentam as existências indígenas do Brasil, evidenciando a desumana matriz colonial de poder que originou o país, já que o termo “índio”, em dado momento histórico, passa a ser uma palavra genérica e que, portanto, atravessada pela construção de esteriótipos que são capazes de atribuir uma imagem negativada por meio de uma invenção discursiva colonial que perdura na atualidade.
Entretanto, através da Lei n° 14.402/2022², de autoria da advogada e ex-deputada Joênia Wapichana, aprovada pelo Congresso Nacional, o nome “Dia do índio” foi substituído por “Dia dos Povos Indígenas” como forma de evitar o uso de termos genéricos os quais reproduzem preconceitos, estereótipos e deixam de abarcar as diversidades e as riquezas étnicas do país.
Como menciona a advogada e ex-deputada federal Joênia Wapichana: “O propósito é reconhecer o direito desses povos de, mantendo e fortalecendo suas identidades, línguas e religiões, assumir tanto o controle de suas próprias instituições e formas de vida quanto de seu desenvolvimento econômico”.
De maneira especial, para celebrar e exaltar a data, os povos indígenas do estado do Acre promoveram eventos itinerantes em Rio Branco e em diversos municípios do estado. Brincadeiras tradicionais; cantos e rezos sagrados; oficinas de arte e cultura, e pajelança espiritual evocando os saberes geracionais das culturas e histórias indígenas foram parte da programação que reuniu lideranças masculinas e femininas de diversas etnias, pajés; majés; caciques e crianças.
Por fim, o Dia dos Povos Indígenas evidencia um relevante marco para a autoafirmação existencial dos povos originários do Brasil e está alicerçado, historicamente, por diversos fatores sociais que materializam o protagonismo e as múltiplas formas de reexistir das etnias originárias do Brasil.
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[1] BRASIL. Decreto-Lei nº 5.540, de 2 de junho de 1943. Considera “Dia do Índio” a data de 19 de abril. Diário Oficial da União: seção 1, Rio de Janeiro, RJ, 2 jun. 1943.. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/del5540.htm. Acesso: 19 abr. 2025.
[2] BRASIL. Lei nº 14.402, de 8 de julho de 2022. Institui o Dia dos Povos Indígenas e revoga o Decreto-Lei nº 5.540, de 2 de junho de 1943. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jul. 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14402.htm. Acesso: 19 abr. 2025.
[3] DALMOLIN, Gilberto. O papel da escola entre os povos indígenas: de instrumento de exclusão a recurso para emancipação sociocultural. Edufac, 2004.
[4] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Secretaria da Mulher. Nova lei denomina 19 de abril como Dia dos Povos Indígenas, em substituição ao Dia do Índio, 11 jul. 2022. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/secretarias/secretaria-da-mulher/noticias/nova-lei-denomina-19-de-abril-como-dia-dos-povos-indigenas-em-substituicao-ao-dia-do-indio. Acesso: 19 abr. 2025.
Ian Costa Paiva – Bacharelando em História pela Universidade Federal do Acre; pesquisador vinculado ao Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Ufac (Neabi/Ufac); bolsista da superintendência do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Acre (Iphan/Ac).