Produção revoluciona de forma sutil e delicada o mundinho das séries adolescentes
Enquanto eu crescia eu nunca entendia porque grande parte dos meus amigos se encantavam com séries adolescentes como The Pretty Little Liars, Skins, Skam entre outras que eu nem consigo lembrar o nome.
Eu sei que eram séries que traziam uma temática adolescente de descobertas, aventuras e tudo mais que envolve as primeiras vezes dos novos jovens, mas eu nunca conseguia gostar realmente delas, a não ser que houvesse algum ser mágico envolvido, mas isso se deve a minha paixão infantil por todo universo mitológico e mágico. (Obrigada Rick Riordan, Stephenie Meyer e J.K Rowling por isso).
Quando eu era adolescente eu ainda não havia desenvolvido consciência racial, ou talvez, eu não soubesse o que aquilo significava e como a falta de representatividade nessas séries citadas e em tantas outras fazia com que elas não tivessem nenhum atrativo para mim. Era como se eu visse mais do mesmo e em nada me chamava atenção porque eu não tinha o que a maioria sentia ao assistir essas séries, eu não me identificava, eu não me via representada.
Durante anos enquanto eu crescia eu vi sim pessoas negras interpretando diversos papéis em séries e filmes, mas raras eram as vezes em que eram protagonistas e mais raras ainda as vezes que não estavam lá apenas para falar sobre racismo. Como se uma pessoa preta se resumisse apenas a isso, falar sobre racismo e educar pessoas brancas.
Logo, todas essas séries adolescentes com o mínimo de representatividade não me atraíam, e eu cheguei a sentir preguiça de alguma delas. Além de também ter alguns gatilhos ativados por cenas de racismo completamente desnecessárias e sem a sensibilidade de saber que aquilo representava uma dor tremenda, não apenas para o ator ou atriz, mas também para o público.
E então aos 22 anos de idade, a dona Netflix lança a série “Ginny e Georgia” que é uma série adolescente, bobinha, com dramas adolescentes, tramas e questões que eu consigo me reconhecer assistindo.
Ginny é filha de Georgia, uma mulher branca e considerada extremamente atraente, e o pai é Zion um homem negro que mantém um relacionamento a distância com filha devido questões não resolvidas com Georgia.
Ao pensar em Ginny eu me recordei de um slam proclamado por Midria “a menina que nasceu sem cor […] eu tenho outro problema, é que eu sou a menina que nasceu sem cor, para alguns eu sou branca, para outros eu sou preta, para muitos e muitos eu sou parda, ainda que eu sempre tenha ouvido que pardo é cor de papel”. Eu me reconheço e me identifico com Ginny nesse momento porque ela tem essa consciência de não saber e ao mesmo tempo saber quem ela é, mas não como as pessoas a enxergam.
E como eu disse anteriormente é uma série adolescente, Ginny é a nova aluna em uma escola que é considerada “alternativa” e logo chama atenção não de um, mas dois pretendentes. Um deles é o cara “perfeito”, fofo, atencioso e romântico, ele até faz sapateado no corredor da escola para lhe desejar feliz aniversário! E o outro, bem, o outro é o que chamamos de “senhor encrenca”, ele é o irmão gêmeo da nova melhor amiga de Ginny que é lésbica, levando mais um ponto por representatividade para série, que mostra como ela se comporta com sua primeira e segunda paixão.
Para mim, uma das cenas mais emblemáticas da série é quando Ginny e Hunter “o cara perfeito” discutem sobre privilégios, é uma cena tensa e extremamente delicada onde eles colocam para fora no maior estilo adolescente possível todas as suas dores e feridas por serem quem são e não se encaixarem exatamente em lugar algum. Branca demais para ser preta de um lado e asiático demais para ser branco do outro.
Além de lidar com questões como o racismo velado que Ginny sofre não apenas do seu professor de literatura avançada, como também das próprias amigas, que em situações de racismo viram as costas para Ginny ela também tem que lidar com sua mãe e os segredos que Georgia carrega sobre seu passado.
Georgia é uma mulher que engravidou cedo, logo, Ginny teve “a conversa” com a mãe muito nova, e o maior medo de Georgia é que Ginny siga o mesmo caminho que ela trilhou em sua vida.
A nossa protagonista também tem que lidar com seus próprios problemas como a necessidade de ser aceita, o fato de estar se apaixonando pelo irmão gêmeo da melhor amiga e também o fato de Ginny se mutilar. Todos os personagens são explorados mostrando o seu lado “bom” para os amigos e seu lado “ruim” aqueles onde eles tentam lidar com seus próprios monstros a sua maneira. Nada é o que parece.
Ginny e Georgia é uma série para assistir com a mente aberta pronta para perceber coisas que acontecem diariamente e passam despercebidas pela maioria das pessoas. Possui uma grande sensibilidade e responsabilidade em tratar assuntos sérios. Eu esperei 22 anos para assistir uma série adolescente onde eu pudesse me identificar com a personagem principal e não apenas com alguma personagem secundária que sofreu racismo que comoveu os personagens e no próximo episódio foi esquecida. Espero que as futuras gerações não precisem esperar tanto tempo para ver essa representatividade.
Luana Dourado é estudante de jornalismo e estagiária do site Agazeta.net.