Lizete é uma mulher negra e acreana que luta pelo movimento dos transplantados do estado do Acre
Lizete de Lima, é uma mulher negra e acreana, de 67 anos, que é transplantada e luta pelo movimento dos transplantados do Acre. Em uma entrevista ela nos contou sobre as dificuldades que passou desde a descoberta da necessidade de fazer um transplante em 1999, até hoje com o acompanhamento. Sua luta é conjunta com um grupo de transplantados, sendo uma voz ativa do grupo há 23 anos.
Confira na íntegra a entrevista da terceira transplantada de fígado do Acre:
Nos conte a trajetória do seu transplante
“Depois de um diagnóstico de cirrose, para quem achava que não tinha nem figado, é uma notícia avassaladora. Começou uma maratona, que intitulei “maratona da morte”, porque eu não tinha esperança de sair. E quando veio a notícia de que só um transplante resolvia, eu resolvi não fazer o transplante. Mas ai foi se agravando, até que chegou o momento que eu pensei: se eu fizer não fizer eu morro, se eu fizer eu posso morrer ou não. Então optei por fazer, e ai veio todo o processo de idas e vindas para São Paulo, porque na época não tinha transplante aqui no acre. Aconteceu também questões trabalhistas, chegou em um momento, em que o meu empregador suspendeu meu salário, foi até insinuado que eu usei de má-fé, já que eu entrei no meu trabalho e um mês depois eu fui diagnosticada com cirrose, só que eu fiz todos os exames pré-admissionais e me admitiram, então esse fato contribuiu para que eu não perdesse o emprego. A trajetória de está em um grande centro como são paulo, aguardando o transplante, sem ter salário para sobreviver e ser convidada a deixar o hotel, porque não podia pagar, foi difícil. Mas a vida se carrega de mostrar caminhos, e uma família de são paulo me adotou e eu fiquei na casa dessa família até transplantar. O pós transplante também não foi muito fácil, porque como aqui não tinha acompanhamento, a cada três meses eu tinha que ir para são paulo, e o estado do Acre era o único da região norte que não pagava diárias para quem viajava para fazer tratamento e até as passagens eram muito difíceis, teve uma vez que eu viajei com minha companhante e tive que ir de avião e a acompanhante de ônibus, houve um desencontro e foi muito complicado. Então a trajetória de um transplantado quase sempre é essa, essa luta na busca do tratamento e as dificuldades financeiras que a gente enfrenta, porque quem não é da classe média alta tem muita dificuldade para bancar um tratamento de transplante, tanto pré, quanto pós transplante.”
Quando você se viu no movimento dos transplantados?
“Eu sempre digo que a dor nos unifica, então quando a gente enfrenta um problema, a gente vai encontrando outras pessoas que tem o mesmo problema, e a gente vai se conhecendo e vai compartilhando as mesmas dificuldades, e a gente vai se unindo para lutar pela mesma causa, e o maior problema que nós enfrentamos foi a medicação. Logo que eu transplantei, eu sou a terceira pessoa transplantada aqui no Acre, o estado não oferecia medicação, o imunossupressor para não haver rejeição do fígado, a gente tinha que ter alguém nos centros maiores onde fizemos o transplante para pegar medicação e enviar. Foi uma luta muito grande para gente conquistar o direito de pegar medicação aqui no Acre, e isso foi um dos motivos principais que começamos a formar um grupo de transplantados para lutar.”
Quais as lutas que você já enfrentou com o movimento?
“Uma causa que lutamos muito foi o centro especializado, existe um centro especializado aqui no acre que atende transplantados e lá é feito todo atendimento, o Serviço de assistência especializada (SAE), que fica dentro da Fundação Hospital Estadual do Acre, lá e feita a coleta de material para exame, consultas, agendamentos e tudo que precisamos para o acompanhamento. E o governo acabou sinalizando a possibilidade de retirar o centro de atendimento, felizmente ganhamos essa causa. A medicação também foi uma causa vencida, hoje já temos transplante de figado no Acre e a medicação, que às vezes falta, mas o estado já oferece. Outra luta que vem se travando desde que começou o atendimento aos transplantados, e ainda não conseguimos vencer, é a retirara do atendimento de tuberculose do SAE, que também atende a tuberculose multi resistente, e a nossa luta é para alterar esse atendimento, que mesmo no SAE haja um espaço, que acolha as pessoas que estão em tratamento de tuberculose, sem que haja o trânsito no mesmo espaço, por ser uma mistura de risco muito grande, inclusive alguns transplantados já contraíram tuberculose.”
Qual a importância do movimento pro Acre e os futuros transplantados?
“Contribui muito para o desenvolvimento da saúde no nosso estado, considerando os números de portadores de doenças infectocontagiosa e que boa parte deles são candidatos a transplantes. Então ajuda, porque nós partimos de um momento que não tinha transplante no acre e muito menos medicação, e hoje já temos, cada família que tem um paciente com doença infectocontagiosa que chega num estágio de indicação de transplante, são beneficiadas com essas conquistas e os benefícios de uma pequena coletividade se reflete no todo, porque cada família que faz uma conquista vai refletir na comunidade, sem contar que tem pacientes em todos os municípios do Acre e todos eles usufruem dessa conquista.”