O dom de despertar o passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador… 1
No dia 17 de dezembro, em 2009, através do decreto da Lei n. 12.130², foi oficializado a data 19/08 como o Dia dos Historiadores, para homenagear os homens e mulheres que trabalham em todas as instâncias de ensino e pesquisa de história no Brasil. A data também consagra Joaquim Nabuco, político, advogado, diplomata e historiador, foi um dos grandes personagens na luta pela abolição da escravidão.
Porém, apenas no ano de 2020 que a profissão de historiador foi devidamente regulamentada através de um projeto elaborado pelo senador Paulo Paim (PT), no Rio Grande do Sul, após a derrubada da tentativa de veto do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro pelo congresso nacional, o projeto foi aprovado. Uma grande conquista e reconhecimento dos verdadeiros magos do tempo,criando a lei nº 14.038³ que regulamenta e estabelece os requisitos da atividade profissional.
Dentro deste ofício algumas perguntas sempre perseguem o historiador, sendo algumas delas:
Qual é de fato o ofício do historiador? Ele está sujeito apenas a olhar os acontecimentos e narrar os fatos? O que é o passado?
Na realidade, o seu papel historiográfico para a sociedade é bem mais profundo e complexo. A quem julga que o trabalho do historiador é apenas estudar e descrever o passado a partir dos documentos e escritos considerados “oficiais”, ou conforme os fatos aconteceram, porém, seria diminuir a história ao extremo, reduzir o trabalho dos cientistas do tempo.
De pronto, a concepção da história apenas como ciência do passado é desconstruída quando Marc Bloch, importante historiador francês, em sua obra Apologia da História: ou ofício do historiador, quando diz que: “ ‘ciências dos homens’, dissemos. É ainda vago demais, é preciso acrescentar: ‘dos homens no tempo’ ” ⁴. Dito isso, o papel do historiador deixa de ser um simples analista de documento, ou narrador dos acontecimentos, mas das ações dos homens e mulheres que, de fato, constroem o passado através das suas ações. Ora, qual seria o intuito de viajarmos para o século XVIII (18), se não fossem as decisões tomadas pela humanidade a qual desencadearam um grande evento, como por exemplo a revolução industrial.
Como Paul Veyne bem descreve, “não trata do império romano, mas daquilo que ainda podemos saber sobre esse império”⁵, para o pesquisador não importa o já dito, mas o não dito. Isso é o que diferencia o seu ofício de um simples contador/narrador de fatos históricos, ele monta os fragmentos do passado como um quebra-cabeça, o interpreta e reinterpreta, compreende as histórias de cima quanto as de baixo e, por fim, as confronta. Eis aqui o grande papel do historiador, ser um incômodo!
De certo, como Walter Benjamin1 bem descreve na citação de abertura do texto, o historiador tem como dom único, transitar entre os mundos do passado e do presente, indo em cada evento e observar as lacunas que foram deixadas ao longo das historiografias do mundo, buscando os vestígios, fragmentos e testemunhos que o ajudam a preencher a história lacunar, para assim emitir uma faísca de esperança sobre o futuro.
Com isso, diante do que já foi exposto, digo que o pesquisador da história é, ou deve ser, o grande inimigo das histórias “oficiais”, das “grandes verdades” e dos personagens tidos como “heróis”, ele é um eterno crítico do seu trabalho, isto é, crítico da própria história. Portanto, devemos ser o grande elefante na sala, um verdadeiro incômodo! Pois ele se torna o “chato “ o qual vai “desdizer” a verdade, o “des-saber” do conhecimento e o “desconstruir” as narrativas criadas por interesses.
Ele tem como seu objetivo maior colidir com os interesses, novamente trago Marc Bloch³ para a discussão, quando o mesmo diz que “o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça, a mesma voracidade que o mesmo devora suas fontes, ele deve ter para o confrontar os conceitos, datas e heróis. Finalizo acrescentando, Aquele ou aquela à qual rende-se às histórias oficiais, as verdade que são impostas e não procura entrar em confronto pela reconstrução do passado e da sociedade, não é um historiador ou historiadora, está mais para um “historiota”.
Referências
[1] BENJAMIN, Walter. Teses sobre o conceito da história, 1940. Disponível em: http://www.proibidao.org/wp-content/uploads/2011/10/Sobre-o-conceito-de-historia_Walter-Benjamin.pdf. Acesso: 16 de ago. 2023.
[2] BRASIL. LEI Nº 12.130, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2009. Institui o dia nacional do Historiador, anualmente dia 19 de agosto. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12130.htm. Acesso: 18 de ago. de 2023
[3] BRASIL. Lei n. 14.038, de 17 de agosto de 2020. Dispõe sobre a regulamentação da profissão de Historiador e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14038.htm. Acesso: 18 de ago. 2023.
[4] BLOCH, Marc. Apologia da história ou ofício do historiador,Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
[5] VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a história. Brasília, ed. UNB, 1995.
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Por Ruimar Cavalcante do Carmo Junior – Bacharelando em História pela Universidade Federal do Acre (Ufac) e presidente do Centro Acadêmico Pedro Martinello.