Por: Bruna Carolini Barbosa
A Heinz retirou do ar uma campanha publicitária pela segunda vez após acusações de racismo. A peça, lançada em diversos países, foi criticada por remeter ao blackface, principalmente por uma imagem de um homem negro com ketchup ao redor da boca, o que trouxe à tona associações com estereótipos racistas. A empresa pediu desculpas, reconheceu a insensibilidade da campanha e se comprometeu a evitar futuros erros. Uma semana antes, outra campanha da Heinz enfrentou críticas semelhantes por perpetuar estereótipos raciais. Veiculada no Reino Unido, a peça publicitária foi criticada por aparentemente excluir a figura do pai da noiva em um casamento com uma noiva negra.
O caso das campanhas publicitárias da Heinz retiradas do ar por acusações de racismo nos convida a uma reflexão mais profunda sobre a forma como a publicidade influencia os imaginários sociais, especialmente em relação aos estereótipos raciais. Em dois exemplos recentes, a Heinz foi criticada por veicular peças publicitárias que mobilizaram representações insensíveis sobre a população negra, em um contexto que trouxe à tona associações com práticas historicamente violentas, como o blackface. Esses casos evidenciam como diferentes semioses – imagens, textos, gestos e cores – podem ser mobilizadas para construir sentidos que reforçam estereótipos racistas.
Esses estereótipos, como discutido anteriormente na Coluna Antirracismo em Pauta, não são novos no cenário midiático. No texto “Dos estereótipos à autodefinição: cinema e raça para além da tela”, tratamos sobre como o cinema, de forma semelhante à publicidade, age como um poderoso meio de propagação de ideias sobre raça e identidade, muitas vezes limitando a representação das pessoas negras a papéis estereotipados. Já em “Blackface e o legado da discriminação”, exploramos como o blackface é uma prática violenta que reforça a inferiorização dos corpos negros, transformando características raciais em caricaturas desumanizantes. Essas práticas, ao serem reiteradas em diferentes formatos midiáticos, mantêm vivos os mecanismos de opressão racial por meio de imagens de controle, conforme discutido por Patricia Hill Collins (2019).
As imagens de controle, conceito chave em Pensamento Feminista Negro, referem-se a representações midiáticas que operam como dispositivos para definir, controlar e limitar a subjetividade dos grupos oprimidos, especialmente da população negra. No caso das campanhas da Heinz, esses mecanismos foram mobilizados de forma evidente: uma delas apresentava um homem negro com ketchup ao redor da boca, criando uma associação visual que evocou, para muitos, o blackface, uma prática historicamente racista. A violência simbólica presente nessa imagem não apenas reforça estereótipos de desumanização, mas também silencia a agência dos corpos negros em se autodefinirem, oferecendo ao público uma visão limitada e estereotipada das identidades negras.
Outro exemplo de insensibilidade racial nas campanhas da Heinz foi visto em uma peça publicitária lançada no Reino Unido, onde uma mulher negra é retratada em seu casamento, mas a figura paterna negra foi excluída da cena. Essa ausência reforçou um estereótipo comum na mídia, onde homens negros são sistematicamente excluídos de representações familiares ou paternas positivas. O uso dessas semioses – a composição visual e as escolhas narrativas – estabelece um quadro de significados que perpetua a marginalização racial e perpetua imagens de controle sobre o que é “aceitável” ou visível para o público.
Esses exemplos demonstram como a publicidade, uma ferramenta de grande alcance e influência, pode atuar na construção e manutenção de imaginários sociais que ainda hoje perpetuam formas sutis e explícitas de racismo. A falta de diversidade real e de sensibilidade cultural em processos criativos permite que práticas racistas se infiltrem nas narrativas midiáticas, fazendo com que campanhas publicitárias acabem reforçando a ideia de que corpos negros são “outros” em relação à norma branca, operando sempre à margem ou de forma inferiorizada.
Para superar esses problemas, é urgente que marcas e agências de publicidade adotem abordagens críticas e inclusivas, garantindo que os processos de criação sejam compostos por uma pluralidade de vozes e perspectivas. A publicidade tem o potencial de ser um espaço de mudança, onde novos imaginários sociais podem ser construídos para valorizar as identidades negras em toda a sua diversidade e complexidade. Contudo, isso só será possível quando as empresas e os criativos compreenderem o poder que detêm na construção dos sentidos e, consequentemente, nas maneiras pelas quais contribuímos ou desafiamos as imagens de controle que ainda operam na sociedade.
Portanto, ao refletir sobre os recentes episódios envolvendo as campanhas da Heinz, fica claro que a publicidade deve ser pensada de maneira mais responsável e crítica. Os estereótipos raciais que essas campanhas evocaram são parte de uma longa tradição de desumanização dos corpos negros na mídia, tradição esta que precisa ser rompida com urgência. Como Collins aponta, a luta contra as imagens de controle é também uma luta pela autonomia e pela redefinição das identidades oprimidas, o que só será possível com o engajamento ativo de todos os setores envolvidos na criação e disseminação dessas narrativas visuais.
Referências:
COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.