Texto por: Liliane Puyanawa
Dia 19 de abril é lembrado como o “dia do índio” que hoje chamamos de “dia dos povos indígenas”. Por que essa mudança? Por que dia do índio? Para entender o significado desta data é necessário voltar ao passado.
O chamado “dia do índio” tem por influência do Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México em abril de 1940 e teve como principais pautas o problema indígena como interesse público, a questão racial, no qual os povos originários reivindicavam ser tratados como iguais e a igualdade de direitos e oportunidades, bem como a criação do Instituto Interamericano.
Mesmo sendo um evento em que os assuntos eram pautas indígenas, os indígenas não se fizeram presentes dos primeiros dias do congresso. A princípio, ficaram receosos de participarem do Congresso, remetendo ao passado de um contato colonizador onde deixou muitas marcas, e então estavam receosos de comparecerem. Porém, após uma série de debates e diálogos, decidiram e viram a importância do evento como um espaço de discussão. Assim, os indígenas marcaram presença no Congresso e a data do
dia 19 de abril ficou conhecida por esse marco histórico.
No Brasil, a data só foi reconhecida três anos após o congresso, através do decreto-lei Nº 5.540, de 02 de julho de 1943, assinado pelo presidente Getúlio Vargas. Vale salientar que o decreto foi aceito e assinado por influência do sertanista Marechal Rondon, que pressionou o presidente para assinar, o que demonstra que, na época, a questão indígena não era uma das pautas principais. É necessário registrar que Marechal Rondon defendia a integração do indígena à sociedade – ideias de políticas desenvolvimentistas que em dados momentos da história não representaram progresso, mas sim regresso –, o fazia de uma forma pacífica e voluntária. O seu contato com os indígenas, devido a construção das estradas e telégrafos, o fez mudar de visão quanto a questão indígena e ter mais sensibilidade com os mesmos, tendo sido
nomeado o primeiro coordenador do Serviço de Proteção do Índio – SPI.
Através da atuação da primeira deputada estadual indígena do Brasil, Joenia Wapichana, atual presidenta indígena da Fundação Nacional dos Povos Indígenas – FUNAI, o PL 5.466/2019, se transformou na Lei nº 14.402, que institui o 19 de abril como o Dia dos Povos Indígenas. Mas por que dia dos povos indígenas?
Assim, a comunidade indígena vem demostrando que o uso do termo “índio” é pejorativo, estereotipado e carrega preconceitos do colonizador que se via (e continua a se ver) como o único civilizado, não respeitando a cultura do outro. É uma consequência do passado de um termo utilizado pelo colonizador, que, ao achar que teria chegado na Índia, fez que com que, por anos, fossem chamados de índio de forma muitas vezes preconceituosa. Como uma forma de ressignificar e trazer esse olhar, se usa o termo indígena.
Vale ressaltar que os povos originários se identificavam e se identificam com o nome da sua etnia, como “Eu sou Puyanawa”, “Eu sou Manchineri”, “Eu sou Huni Kuin” “Eu sou Yawanawa”.
Assim, hoje, de forma respeitosa, se utiliza o termo povos indígenas ou o nome da etnia, especificando as diferenças culturais e abrangendo e não generalizada. Este resultado apresenta uma luta continua que os povos indígenas vêm enfrentando e resistindo por anos, luta por territórios, por garantia de direitos, respeito…
Os indígenas sempre tiveram voz e organização própria, um padrão de organização que foi secularmente silenciado. Apesar da colonialidade, a partir do momento em que os indígenas retomaram sua voz, começaram a ser ouvidos e entraram para o debate público e trouxeram novas percepções quanto à temática indígena. Assim como os pensamentos mudam, a linguagem também muda.
A princípio, a temática indígena sempre foi discutida por instituições indigenistas, marcadas pela forte presença do Movimento Indígena. Uma representação desse movimento é o Acampamento Terra Livre (ATL), que, desde 2004, reúne um grande quantitativo de povos indígenas de várias etnias do Brasil em Brasília . O Acampamento Terra Livre, foi um marco histórico para o movimento indígena no Brasil.
Outro fator importante para a questão indígena voltada para a educação escolar foi a Lei 11.645/08 que torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira na Educação Básica e que é uma conquista de reconhecimento social para estes grupos. A lei reconhece a importância das populações negras e indígenas na formação da sociedade brasileira. Além da tratar sobre a escravidão e o preconceito que vem desde a colonização, ela reconhece estes grupos como pilares fundamentais para a formação do povo brasileiro. E para o cumprimento e efetivação da lei é essencial profissionais capacitados para transmitir estes conhecimentos e diminuir o preconceito que infelizmente as vezes começa da base escolar e são levados adiante. Por isso uma educação voltada e a mitigação do racismo são fundamentais.
CELEBRAÇÃO
Quando se trata da celebração da data do dia 19 de abril, sempre se comemorou o “dia do índio”, data muito celebrada nas escolas, quase sempre, infelizmente, de forma genérica, com os alunos pintando o rosto, desenhando cocares, com algumas representações de penas artificiais, em alguns casos até batem a mão na boca em uma ideia generalizada sobre os povos indígenas. Dessa forma, acabam apenas reproduzindo estereótipos que vem sendo repetidos por muito tempo.
É importante salientar que a temática indígena não seja apenas responsabilidade dos professores na sala de aula. A data tem que ser lembrada e refletida por todos. Muitas marcas estão vivas até hoje, e a data serve para esta reflexão em pensar na igualdade e equidade de direitos e respeito para os povos indígenas.
Apesar de Brasília ser estruturalmente construída com o intuito não aglomerar grandes públicos, os povos indígenas se reúnem e protestam com o apoio de várias organizações indígenas, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Comissão das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), específica da região Norte.
O antropólogo Spensy Pimentel descreve que o os “maiores obstáculos que os brasileiros enfrentam para entender os indígenas não estão naquilo que eles não sabem, e sim naquilo que pensam que sabem sobre eles”. (PIMENTEL, 2012, p. 11).
Nesse sentido, nesta data importante não somente para os povos indígenas, mas também para a comunidade em geral, é importante descontruir ideias preconceituosas que foram marcadas ao longo da história, pensamentos equivocados e pré-conceitos formados.
A atual e primeira ministra dos povos indígenas, Sonia Guajajara, na sua participação no programa Roda Vida fez uma fala muito importante de grande pertinência na qual falou sobre a necessidade de “reflorestar mentes”, nosentido de educar a sociedade sobre os povos indígenas, pois muito o que vem sendo repetido sobre os povos indígenas não é de acordo com o que os indígenas pensam sobre eles mesmos. Nesse diálogo de interpretações sobre o outro, do “como eu vejo” é necessário dialogar, ouvir, e utilizo um termo
“experenciar” para vivenciar, conhecer.
Portanto, é importante desde a Educação Básica ter um bom trabalho no âmbito escolar sobre a temática indígena. A escola é o lugar de formação, e nesse sentido, tem um papel muito importante para a construção do saber e do respeito pelo outro e assim criar uma melhor comunicação a respeito da temática indígena. Nesse diálogo, é importante frisar que os povos indígenas estão em todos os lugares, ocupando espaços, e quando estão ocupando outros espaços fora das comunidades, não significa que deixaram ou que perderam sua identidade. Assim como um brasileiro que vai para outros país, ou um acreano viaja para outra região, ele não deixa de ser brasileiro ou acreano, ele não perde sua identidade.
E para finalizar, uma frase marcante dita no show do Dj Alok em live com povos indígenas Yawanawa, Huni Kuin e Guarani: “ANTES DO BRASIL DA COROA, EXISTE O BRASIL DO COCAR”
Alok on Global Citizen Live Amazon (Amazônia) 2021 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3GlGj6j3SFU&list=RDGMEM916WJxafRUG gOvd6dVJkeQVM3GlGj6j3SFU&start_radio=1
Acesso em: 20/03/2023.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2022/lei-14402-8-julho-2022-792970-norma-pl.html acessado em 20/03/2023
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2022/lei-14402-8-julho-2022-792970-norma-pl.html acessado em 20/03/2023
PIMENTEL, Spency. O índio que mora na nossa cabeça: sobre as dificuldades para entender os povos indígenas. São Paulo; Prumo, 2012. https://apiboficial.org/historicoatl/
Texto por Liliane Puyanawa Graduanda em Bacharelado em História, pela Universidade Federal do Acre, Bolsista no Grupo Pet Conexões e Saberes Comunidades Indígenas (PET). Voluntária no Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígenas da Ufac – NEABI. Presidente do Coletivo dos Estudantes Indígenas da Ufac (CEIUFAC)