Com base na ferramenta de pesquisa “Google Trends”, é constatado que nos últimos 12 meses o Acre se consolidou como o Estado brasileiro menos interessado informações sobre vacinação. O reflexo desse dado é nítido quando analisado no contexto da Covid-19, uma vez que o Acre e a região norte como um todo, têm um dos piores índices de vacinação contra o vírus no país.

Os dados retirados do Ministério da Saúde são claros, o Acre ocupa uma posição desfavorável quanto às vacinas, sempre dentro dos 10 estados com as piores coberturas vacinais, seja da primeira, segunda, terceira ou quarta dose. A tabela abaixo esclarece em número o que foi dito anteriormente, no qual é mostrado, por categoria, a porcentagem de vacinação da Covid-10 em detrimento da quantidade de habitantes.

Nesse sentido, é possível observar uma relação direta entre falta de interesse em saber sobre a vacinação por parte dos acreanos e a baixa cobertura vacinal do Acre, comparado a outros estados do país.
Essa questão é uma via de mão dupla, uma vez que, de um lado tem a população, que em grande parte é encarecida de informações científicas sobre a eficiência da vacina, do outro, o poder administrativo de estado, que tem o dever de promover e criar políticas públicas para contornar a situação.
Sesacre
Segundo a Secretaria de Estado Saúde do Acre (Sesacre), em uma entrevista ao Agazeta.net, Governo atua através de divulgação para desconstruir tabus que as pessoas têm com relação ao tema. Além disso, existem outdoors, propagandas televisivas, matérias em sites e entrevistas locais para conscientizar as pessoas e despertar ainda mais o interesse sobre o assunto.
“A divulgação acontece frequentemente como um serviço de formiguinha para desconstruir alguns tabus criados em torno de vacinas Além de disponibilizar as doses em todos os postos de saúde do estado, essa mobilização é feita com outdoors, propagandas televisivas, matérias em sites, entrevistas locais, cards em redes sociais e também se usa o boca a boca quando em ações de saúde nos municípios”, esclarece a Sesacre.
Em detrimento a isso, temos a estudante de jornalismo e auxiliar-administrativa, Jhenyfer Souza, de 20 anos, que completou o ciclo vacinal da Covid-19 e acredita que a vacina é fundamental para a saúde pública. Ela concorda que muitas pessoas não se vacinaram por desinformação.
“Acredito na vacina, porque elas desempenham um papel fundamental na prevenção de doenças e também porque contribuem para a saúde pública. Acho que diversos fatores levam a essa questão de muitas pessoas sem vacinação. Eu acredito que os principais deles sejam: barreiras culturais e religiosas, medo de efeitos colaterais e principalmente a desinformação e mito sobre as vacinas”, explica a estudante.
Além disso, ela destaca que busca se informar a respeito do assunto em diversos sites e portais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), e também por páginas oficiais do poder público, como a Prefeitura e o Estado.
“Sim, busco me informar pela OMS e também pela página da Prefeitura quando tem campanha de vacinação”, afirma a jovem.
O discurso dessa estudante é fundamental para entendermos como a questão da vacinação está tão intimamente ligada à informação e ao conhecimento que se tem sobre o assunto. Ela sabe a importância de se vacinar, onde procurar as informações.
Visão do especialista
O médico infectologista Eduardo Farias compreende esse baixo interesse pela vacinação por parte dos acreanos. Para ele, isso se dá porque não é um assunto de interesse das pessoas, uma vez que não houveram alertas sobre a importância dela. Além disso, muitas pessoas deixam de se informar em fontes oficiais, com a falsa garantia de estarem informadas por grupos de WhatsApp.
“Não é um assunto que lhes cabe, na visão da população, não é um assunto interessante, porque ninguém alertou para a importância que é, para a preocupação que é a baixa cobertura. Então, eu penso que essa baixa busca se dá exatamente porque as pessoas não acordaram ainda para a importância de um tema desse e se satisfazem com o que estão vendo nas suas bolhas de WhatsApp”, explica o médico.
Ele conta que existem diversos sites e meios com que as pessoas podem se informar, como a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBI), o Ministério da Saúde e o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Além disso, para os que duvidam das informações do governo, existem outros veículos confiáveis que eles podem verificar e ainda se manter bem informados.
“Existem sites muito importantes e oficiais, por exemplo, da Sociedade Brasileira de Imunizações, a SBI, site do Ministério da Saúde, no Programa Nacional de Imunizações, o PNI. Mas para aqueles que acham que o governo tem parte dessa pseudo-conspiração para eliminar as pessoas através da vacina, você tem Sociedade Brasileira de Infectologia, entre outros”, diz.
Com relação a falta de informação com o número baixo de vacinação, o infectologista afirma que, como as pessoas não entendem de fontes confiáveis, elas se alimentam de uma onda negacionista que existe em todo Brasil, por causa do cenário político atual, no qual a extrema direita deturpou a concepção das pessoas sobre ciência e vacina, algo que afeta, principalmente, a população de baixa escolaridade.
“Como não entende de fontes confiáveis a importância da vacina, e ele se alimenta muito dessa onda negacionista no Brasil, que é muito grande, por conta mesmo desse espectro político que vem crescendo no Brasil, da extrema direita, com as negações da ciência, da vacina, e isso contaminou muito a grande maioria da população, que infelizmente tem ainda uma baixa escolaridade,, que se alimenta muito de grupos de WhatsApp”, esclarece Farias.
Conta também que essa falta de interesse é preocupante e se dá, porque as pessoas não entendem a importância da vacina para a família e para a sociedade. Farias relembra casos, nos quais essas doenças desestabilizaram todo o mundo ao longo dos anos, no qual a vacina salvou o mundo, a sociedade não tem conhecimento disso, com isso, a busca pela informação é essencial.
“Então eu acho que essa baixa busca é muito por conta de não compreender a importância para sua família, como para a sociedade. E de fato preocupa muito a baixa cobertura vacinal. Nós vimos isso na Covid. Sistemas americanos indo ao colapso, o sistema francês de saúde colapsando. Então não tem país rico que suporte uma epidemia que pegue todo mundo no mesmo instante. Então a busca da boa informação é fundamental”, conclui o infectologista.
Programa Nacional de Imunizações no Acre
Na visão da coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) no Acre, Renata Quiles, um dos grandes entraves desse tema é a geografia do estado, com diversas comunidades isoladas e pouco acesso à informação. Quando as campanhas vacinais chegam nessas pessoas, elas resistem e não aceitam, seja por cultura, religião ou desinformação.
“Nós temos aqui uma geografia em nosso estado bem complexa, né? Conseguir chegar a todos os lugares com a vacina e vacinar a nossa população, é uma logística bem complicada. E você chegar em locais que têm grande dificuldade de acesso à informação por cultura, ou por ideologia religiosa, ou pela desinformação, encontrar uma resistência à vacinação, nos entristece”, explica a coordenadora.
Ela e a equipe fazem uma abordagem com embasamento científico, mas para muitas pessoas, isso é desinformação, tratada até mesmo como informação criminosa. Além disso , outro empecilho é o transporte das vacinas, que devem ser mantidas em temperatura controlada, e ainda sim, com todos esses cuidados a população não aceita, o que gera prejuízo financeiro.
“A gente orienta com embasamento científico a nossa população. E as informações que chegam e que são tratadas por eles como importantes serem desinformações, informações equivocadas ou até criminosas e maldosas que são entregues a eles. E isso gera resistência à vacina, E algumas vezes a gente consegue sim mudar e formar opiniões com o embasamento científico. Mas isso tem causado um desgaste financeiro e físico da força de trabalho da nossa equipe muito grande”, explica ela.
Para ela, desconstruir esse discurso anti-vacina é um trabalho cauteloso, pois as redes sociais facilitam a desinformação, a política também influenciou muito na opinião pública desse tema. Além disso, deixa claro que tem uma filha e vai vacinar-la quantas vezes forem necessárias, para mostrar para as pessoas que se a vacina não fosse eficiente, não ofereceria para a própria família.
“Desconstruir um discurso anti-vacina, exige um esforço muito grande, porque para jogar uma mentira, basta redes sociais, a gente viu que houve um grande divisor de águas em relação às vacinas, que foi a política. Eu vacinei a minha filha, quantas doses foram necessárias e se forem necessárias mais doses, eu vou vacinar. Então, é mostrar que eu não vou oferecer para a população um produto que eu não confiaria a mim e a minha família”, esclarece Quiles.
Quiles salienta que quando o médico prescreve, a aceitação da vacina é maior, pois as pessoas vêem o médico como alguém de relevância social, da mesma forma quando ele contra-indica a adesão baixa. Por isso, eles têm um papel fundamental nesse cenário. Portanto, quanto mais pessoas formadas na saúde indicarem, mais pessoas vão entender.
“Se o médico prescreve, se o médico orienta, a adesão é maior. Quando o médico contraindica, a adesão é baixíssima. Então, a gente sabe que eles são profissionais de saúde, formadores de opiniões e deveriam ter mais acesso. O embasamento científico foi a base da formação deles e sabemos o quanto eles são não só formadores de opiniões, mas o quanto a população confia no que eles dizem e segue o que o médico determina”, conclui a coordenadora.