Por Geovanna Moraes
Os processos de colonização que o mundo sofreu em séculos passados deixaram como consequência, aos dias de hoje, a disseminação de referências humanas, científicas e culturais predominantemente europeias, de sorte que qualquer valor que divergisse do padrão tido como certo e belo fosse desprezado. Com essas noções ainda tão presentes em nosso imaginário, constituindo nossos padrões de pensar e enxergar o mundo, muitas artes, conhecimentos ancestrais e tipos de linguagem foram negligenciadas e apagadas de nosso processo de educação escolar, fazendo com que não conheçamos produções não-ocidentais.
Um exemplo de linguagens (sistema pelo qual as pessoas expressam ao mundo suas ideias, culturas e existências), modos de saber e viver apagados pela cultura ocidental-eroupeia são os “Adinkras”. Conseguimos facilmente identificar números romanos, comumente usados para marcação de eras: Século XIX (19), Século XX (20), Século XXI (21), dentre outros usos. Mas, e os Adinkras, você já viu em algum lugar? Já ouviu falar sobre eles em algum momento? É capaz de reconhecer quando ver um? Eis o ponto!
A Simbologia Adinkra é uma forma de escrita gráfica nascida no coração do continente africano, onde hoje conhecemos como país de Gana. Essa linguagem carrega importantes aspectos filosóficos, éticos, cosmológicos e da história do povo Akan. Ela teve origem “numa guerra que o rei dos asantes – o Asantehene – Osei Bonsu moveu contra o Rei Kofi Adinkra de Gyaman, hoje uma região da Costa do Marfim.”¹ Seu nome significa “adeus”, e está bastante presente nas estamparias de tecidos, em cerâmicas, adereços, monumentos e utensílios do lar dos povos de Gana.
É importante dizer que os Adinkras são “fonte de identidade, de história e de aprendizados”¹ africanos. Existem centenas deles, cada qual com seu provérbio de significância para vida espiritual, pessoal e coletiva. Alguns exemplos incluem o “Aya”, representação gráfica de uma samambaia, que traz o significado de resistência, força e perseverança mediante desafios enfrentados no decorrer da vida; o “Sankofa”, com formato de uma ave com a cabeça voltada para trás, ou derivações com formatos de corações com caracóis dentro e fora, cujo ensinamento diz respeito a aprender com o passado para que o presente seja construído; o “Sesa Wo Suban”, símbolo que combina uma estrela dentro de um círculo em movimento, ensinando-nos o poder de recomeçar e transformar nossas vidas e o “Akoma”, que tem o formato de coração, do jeitinho que desenhamos (♡), representando o amor e a paciência em nossos relacionamentos e atribuições cotidianas. Estes são apenas alguns dos mais de cem símbolos dessa rica simbologia/escrita africana.

É importante observar que em Rio Branco, capital do estado do Acre, existem muitas das grades, portões, janelas, grafites e azulejos que possuem em sua arquitetura os símbolos adinkras. Existem portões no centro e em bairros rio-branquenses como Izaura Parente (no Lar Vicentino, por exemplo), Conjunto Bela Vista, Sobral, Calafate, Aviário, Cohab do Bosque e outros com o adinkra Sankofa. Na Escola Estadual de Ensino Médio José Ribamar Batista (Ejorb), no momento da escrita desse texto, datado no ano de 2024, existe um grafite belíssimo no qual um dos elementos é o adinkra Aya. Na Universidade Federal do Acre, em virtude da atuação e existência do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi/Ufac), podemos observar a presença do adinkra Nea Onnim no prédio da Biblioteca Central, onde se localiza a sala sede desse grupo. Esse último adinkra representa o aprendizado, ensinando-nos que “quem não sabe, pode aprender”, sendo extremamente representativo e por isso usado como logo do Neabi/Ufac. Os locais aqui citados são um pequeníssimo número dos muitos que podemos observar com nossos olhos atentos.

Toda essa presença na estética urbana, não só de Rio Branco/Acre, como também de outras cidades brasileiras, se deve ao fato da presença das culturas africana em nosso país, trazidas durante o período criminoso do tráfico transatlântico, a partir de 1500, momento em que milhares de seres humanos foram sequestrados da África e foram distribuídos como mercadorias em vários continentes para escravização, fenômeno conhecido pelos estudiosos da academia como “Diáspora Africana”.
Esses símbolos não são amplamente reconhecidos em detrimento do apagamento e silenciamento dessa história, mas ainda sim depõem sobre a riqueza e força da cultura africana que desafia verdades e narrativas autoritárias etnocêntricas e testemunha a presença negra como fundante de nossas manifestações culturais.
Os Adinkras, nos dias de hoje, revelam as marcas das resistências individuais e coletivas da população afro-brasileira contra os padrões impostos pelo colonizador branco europeu, pois ao construírem essa nação de maneira forçada, deixaram um pouco de si também nos detalhes, de modo a mostrar a perspicácia desses sujeitos históricos, em suas oralidades, ao esculpir em seus trabalhos um pouco de suas culturas, não deixando morrer sua ancestralidade em meio atrocidade do colonizador.
________
[1] NASCIMENTO, Elisa Larkin; GÁ, Luiz Carlos (Orgs.) Adinkras: sabedoria em símbolos africanos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Cobogó: Ipeafro, 2022.
________
Geovanna Moraes de Almeida: Licenciada em História, graduanda de Bacharelado em História, mestranda pelo Programa de Pós Graduação em Letras: linguagem e identidade da Universidade Federal do Acre (PPGLI/Ufac), membra do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Acre (Neabi/Ufac) e componente do corpo editorial da Revista discente de História Das Amazônias.