Sou daquelas pessoas que gostam de Zygmunt Bauman. Gosto de Amor Líquido como todos os devoradores de seus escritos (os que leram e os que não leram sua obra), entre outras centenas de coisas, por que ele diz no fim do prefácio: “Este livro é dedicado aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separado, em nosso líquido mundo moderno.”
Gosto de observar o desenrolar do debate sobre vida moderna, conexões, conectividade, distâncias, relacionamentos fugazes. Nem sempre as pessoas entendem que ali estão a fazer uma defesa voraz da teoria de Bauman e suas (minhas) relações de amizades. As antigas, as novas, as frugais. As que se dispersam na rapidez de um delete e as que permanecem ainda que eu pise mil vezes no disco rígido da memória. E é disso que quero falar.
Não vou aqui te explicar em detalhes, fazer uma resenha do pensamento de Bauman. Não tenho elementos para isso. Sugiro-te, caro leitor, que o conheça melhor. Detenha-se em seus pensamentos, deleite-se nessa bela fonte inspirada em Baudelaire, Walter Benjamin e Bronislaw Malinowski (os antropólogos pira).
É claro que essa é mais uma daquelas minhas colunas-malucas-com-viagem-na-maionese, uma vez que essa é a minha especialidade. Bauman é só uma desculpa chique para começar o texto. O que quero mesmo é falar sobre amizade, amor, vidas conectadas, almas irmãs que se encontram e partilham o pão. Almas que percebem a importância e o valor do companheiro de todas as horas.
Na vida moderna a gente constrói ou destrói amizades na velocidade de um clique na rede social. Basta desfazer a amizade, um unfollow ou um Block e “adeus” àquela pessoa impertinente que nos magoou, nos traiu ou simplesmente deixou de ser importante por uma série de pequenos motivos. Já era a melhor amizade da última semana. É a pressa, o stress do dia a dia que nos leva a excluir amizades como se exclui spam na caixa de e-mail (quem ainda usa caixa de e-mail?).
É tudo muito rápido, muito intenso. Os amigos mais próximos já não se definem mais nos seguidores do Twitter como no longínquo 2008 ou nos amigos adicionados no Facebook de uns seis anos passado. Moderno, que é moderno, tem sua lista de amigos prioritários 24 horas conectados e plugados no WhatsApp e, claro, no Instagram (para os mais velhos) ou TikTok para os mais xóvens.
Nas redes sociais separamos e fazemos a definição da amizade nas conversas privadas e em grupo. Quanto maior o grupo, mais difusa a amizade. Quanto menor, mas íntima, mais preciosa. Ou pelo menos a gente (eu, né?) acha que assim deve ser.
Já fiz parte de um grupo no WhatsApp que tinha o singelo nome de “Cordão de Três Dobras”. Nome inspirado no texto de Eclesiastes que diz: “Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho… E, se alguém prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; e o cordão de três dobras não se quebra tão depressa. (Eclesiastes 4:9 e 12). E porque éramos três no grupo. Três amigos. Três irmãos que dialogavam sobre os mais complexos temas, se divertiam e, em caso de dúvida, resolviam o impasse no voto.
É meu amigo, negócio não é fraco não! Em caso de dúvida a gente vota!
Um dos amigos decidiu que a amizade era líquida demais para permanecer. E daí ficamos sendo dois. E como o cordão de três dobras é sobre dois e não sobre três, sobrevivemos. E seguindo com nossas conversas intermitentes no Whats (embora muita gente que deteste essa proximidade).
Mas há uma questão a ser ressaltada. Nossa amizade não é virtual. Não acaba em um clique. Ela é desdobrável (como bem diz Adélia Prado) e é cada vez mais sólida, sabe por quê? Porque não se resume a um bate papo no smartphone de madrugada ou às 7h da manhã do domingo se houver necessidade.
A gente se olha olho no olho, diz o que pensa e procura manter o outro no prumo, no rumo, sem invadir a privacidade alheia, sem fazer concessões absurdas, cedendo sempre que necessário e somente cuidando uns dos outros, para que nenhum dos três caia. Quando a amizade é verdadeira, o cuidado é genuíno, real, palpável, palatável, a rede não se desfaz quando a internet cai ou a energia vai embora e a bateria começa a dar sinais de que está acabando (acabou a bateria acabou o amor, sabe como é, né?).
Não é essa conexão corriqueira, maleável que Baumann tanto questiona. É a conexão mais profunda, a união de almas irmãs. Irmão Sol. Irmã Lua (São Francisco está cada dia mais na moda). Pessoas que decidiram acreditar em seus sonhos, em favorecer a amizade apesar da distância e da correria do dia a dia, mas que não renunciam à convivência.
Amizade e amor sólido que não se dissolve com o calor do verão, que não se dissipa como uma nuvem passageira e nem com as discordâncias corriqueiras. Porque é casa firmada na rocha. Nesse mundo contemporâneo e high-tech, onde a vaidade e o egoísmo imperam, saber que posso contar com amigos fiéis e sinceros torna a caminhada leve e o jugo suave. Como diz Bauman, sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. E é a esse território que o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.”
P.S: minha canção para vocês é uma do Didi (da minha infância e se não assistiu os Trapalhões vai dizer que é do RC) “eu voltei, agora paaaara ficar, porque aqui (caqui) é meu lugar…
Bons dias!