Por: Lucas Nascimento Assef de Carvalho
Arte: Karolaine da Silva Oliveira
Os mangás são como histórias em quadrinhos, só que lidas de trás para frente, e nos últimos anos vem ganhando espaço e cenário entre o público infantil e jovem de Rio Branco, Acre. Este fato pode ser comprovado com o aumento de eventos relacionados ao tema, um deles foi o evento AnimeAC que reunia um público específico de apreciadores desse conteúdo, acabou também se tornando um propagador da cultura japonesa.
Entretanto vale ressaltar que obras japonesas, como as animações/desenhos de seus quadrinhos, conhecidos popularmente por animes, já circulavam por aqui desde a época dos nossos pais. Akira, Cowboy Bebop, Ghost in the Shell, Cavaleiros do Zodíaco, Pokémon e Dragon Ball, são exemplos de animes que eram transmitidos nas TVs brasileiras, a antiga Rede Manchete era um canal difusor desse conteúdo.
Hoje graças ao maior acesso à internet e o crescimento das redes sociais, tanto os animes quanto os mangás estão sendo acessados de maneira mais fácil, muitos sites que compartilham estes conteúdos são criados por fãs. Os mais velhos devem lembrar que para ler um quadrinho, seja japonês ou não, era preciso ir até a Biblioteca Pública, quanto às animações assistíamos pela televisão como Cavaleiros do Zodíaco, Fullmetal Alchemist, One Piece e Dragon Ball, alguns destes podem virar ferramentas de ensino para o combate ao racismo.
Nesse momento talvez estejam perguntando: como isso é possível? E bom, a resposta para esta pergunta começa com o fato de que quando estudamos sociologia, filosofia, história e outros componentes curriculares, estamos tendo acesso aos conhecimentos, os quais podem ou não serem usados futuramente. Além disso, as experiências de vida pessoais nos permitem ver a animação e/ou mangá com outros olhos. Quem assistiu ou leu Naruto e não se identificou com o protagonista e as dificuldades que ele precisou passar para alcançar seu sonho? Ou também não se identificou com a dor do personagem quando ele perdeu seu mestre ao perder alguém importante?
Scott McCloud, um escritor dos Estado Unidos, explica no seu livro1 que quando um autor de mangá escreve e ilustra uma obra ele está a toda hora colocando suas experiências de vida e seu conhecimento naquele conteúdo, o que causa em nós leitores essa sensação de conforto, dor, proximidade, semelhança. Dessa maneira, estes conteúdos trazidos nos mangás podem propiciar uma reflexão sobre racismo, de maneira mais lúdica, a partir destes olhares dentro de sala de aula.
Relembrando que racismo é a manifestação de preconceitos na prática discriminatória por parte de um indivíduo, comunidade ou até mesmo instituição contra pessoa(s) pelo simples fato de elas, visivelmente, fazerem parte de um grupo racial ou étnico específico. O preconceito é um tipo de julgamento feito a partir da ausência de lógica ou fundamento crítico carregado de atitudes discriminatórias a partir de comportamentos, crenças e sentimentos. (GOMES, 2005).
Partindo desse entendimento, começo por One Piece2 onde é apresentado por Eiichiro Oda a raça dos tritões que é perseguida, escravizada e morta pelos humanos por terem características de peixes e serem considerados aberrações, mesmo tendo traços de fisionomia humana. Durante a obra é apresentado diferentes caminhos que os homens-peixe escolhem para lidar com essa discriminação, indo desde a violência como resposta, caso do tritão Arlong, até à alianças políticas que partem do entendimento do indivíduo em responder às ofensas, discursos de ódio e perseguições de maneira pacífica visando um futuro melhor, não para eles, mas para as próximas gerações que podem nascer sem preconceitos. A Rainha Otohime era a responsável por este diálogo até o dia do seu assassinato.
Em Dragon Ball3 de Akira Toriyama, temos o Oob, a reencarnação do vilão Majin Boo, que é um garoto negro de moicano, habitante de uma vila visualmente parecida com as da África no século VII. Supostamente foi treinado por Rei Chapa, outro personagem negro presente dentro da obra, que já foi vencedor do Torneio de Artes Marciais. Oob é gentil, ajuda sua mãe a cuidar de seus irmãos, é sincero, forte e não depende dos poderes que ganhou na outra vida para lutar, a não ser para defender sua família e amigos. A existência dele dentro de um universo onde alguns vilões já enfrentados pelos protagonistas são homens brancos, afirma que cor e etnia não definem caráter, muito menos índole, desmentindo dessa forma as teorias propostas pela eugenia do século XIX que defendia a ideia de que os traços fenótipos determinariam se um ser humano seria decente ou não.
Já no clássico Cavaleiros do Zodíaco (CDZ)4 criado por Masami Kurumada, o personagem Aldebaran, cavaleiro de ouro que representa o signo do zodíaco de Touro, além de ser brasileiro, é um homem pardo. Carismático, gentil, forte sem usar a armadura de ouro, o guerreiro representando o nosso Brasil, de maneira simples e direta, descontrói a imagem de que pessoas pardas tem desvios de caráter devido a descendência africana, uma vez que dentro do universo de CDZ, o personagem além de ser confiável é o responsável por julgar o caráter dos cavaleiros que tentam passar pela casa de touro, posição essa dada a ele pela própria deusa Atena e seu antigo mestre que viram bondade em seu coração.
Bom, esses são alguns dos exemplos de animes e mangás japoneses que podem ser usados para propor reflexões sobre o racismo de maneira mais lúdica. Existem outros que também se encaixam para trabalhar essa temática como por exemplo Afro Samurai, A Lenda de Korra, Naruto, Bleach, Soul Eater, HunterxHunter, o leque é vasto. O ensino de História, Sociologia, Filosofia, Psicologia são algumas das disciplinas/cursos que podem utilizar este material para uma maior diversidade de conteúdo, na educação básica, principalmente no ensino médio é uma ótima forma de chamar a atenção dos alunos.
A discussão sobre racismo é necessária e buscar formas de melhor explicar o assunto, como as metáforas utilizadas nos mangás, bem como o reflexo deste mal na sociedade são pequenos passos para dias melhores.
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[1] MCLCOUD, Scott. Desenhando Quadrinhos: Os segredos das narrativas de quadrinhos, mangás e graphic novels. São Paulo: Making Comics, 2008.
GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Educação Anti-racista: caminhos abertos pela Lei federal nº 10.639/03. Brasília, MEC, Secretaria de educação continuada e alfabetização e diversidade, 2005. p. 39 – 62.
[2] ODA, Eichiro. One Piece. Weekly Shonen Jump. Tóquio: Shueisha, 1997.
[3] TORIYAMA, Akira. Dragon Ball. Weekly Shonen Jump. Tóquio: Shueisha, 1984.
[4] KURUMADA, Masami. Saint Seiya: Cavaleiros do Zodíaco. Weekly Shonen Jump. Tóquio: Shueisha, 1986.
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Lucas Nascimento Assef de Carvalho é Bacharelando em História pela Universidade Federal do Acre. Editor Técnico e de Indexação na Revista Discente de História da Ufac – Das Amazônias. Técnico em Segurança do Trabalho pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre.