O Rio Acre é um personagem importante na história de Rio Branco muito antes da fundação de nossa cidade, no qual as suas influências vão desde fatores econômicos, como nos ciclos da borracha, até às questões socioculturais de nossa cidade e Estado, sendo responsável por parte da formação de nossa identidade acreana. Além disso, é um agente que protagoniza as calamidades que, ano após ano, geram cenários de vulnerabilidade à população acreana, com a subida do nível de suas águas barrentas.
Esse fenômeno é responsável por diversas situações, como o caos urbano, com as águas invadindo estradas e impedindo o tráfego de veículos e, principalmente, os tristes casos de desalojamento de famílias das suas casas. Em sua grande maioria, essas famílias são pessoas em situação de pobreza e abandono por parte do governo, tendo suas moradias em locais de risco e ano a ano tomadas pelas águas barrentas do rio.
Atingidos por essas diversidades, tais sujeitos são retiradas de suas casas e levadas para alojamentos improvisados, localizados em regiões da cidade longe do alcance das águas do rio. Esses deslocamentos são carregados de tristeza e angústia por parte das famílias, que muitas das vezes são obrigadas a sair, deixando seus bens para trás.
Nesse contexto, quem mais sofre são as crianças que, além de serem expostas a essa triste realidade, ainda são obrigadas a deixarem de frequentar suas escolas e a ver seus locais de ensino e aprendizagem como suas casas improvisadas. Devido a isso, a formação dessas crianças como sujeitos humanos, integrados à sociedade é totalmente prejudicado.
Pensando nisso, o Coletivo Artístico Errantes teve como iniciativa organizar ações voltadas para essas crianças em situações de alojamento em escolas devido às enchentes do rio Acre. Usando da educação como pilar central das ações para acalentar o sofrimento e trazer de certa maneira alegria, tendo na arte o foco educacional do Coletivo.
Os Errantes realizaram as ações na Escola Álvaro Rocha, localizada no primeiro distrito da cidade. Nessa escola estava abrigada cerca de 20 crianças e adolescentes entre 4 e 15 anos e pensando na especificidade do grupo e os objetivos da ação, foram separadas cerca de duas caixas grandes de materiais de arte do próprio Coletivo. Tais objetivos foram usados nas ações educativas e recreativas, e posteriormente, doado para que as crianças pudessem continuar praticando suas expressões artísticas trabalhadas durante as oficinas.
Na realização da ação, foram ensinadas às crianças a fazer origamis, pintura com tinta guache, desenhos com pincéis e colorir usando uma variedade de lápis de cor doado. Foi priorizada a arte livre, onde cada criança desenhou e se expressou da forma que melhor se sentisse, o que gerou momentos divertidos e reflexivos para todos. Essas atividades foram realizadas na primeira ação na escola.
Na tarde do dia 6 de março de 2024, o Coletivo Artístico Errantes promoveu uma segunda ação social na Álvaro Rocha. Ao chegar no abrigo, apesar de já conhecerem os Errantes, a timidez das crianças era visível devido aos novos rostos do Moto Clube Loukas MC – AC, que estavam realizando as ações em parceria, mas tal timidez logo foi superada pelas brincadeiras e risadas.
Sentamos em um círculo, exceto aqueles que ficaram responsáveis por outras tarefas, e utilizamos os materiais disponíveis, como pincéis e cartolinas, para promover um espaço de entretenimento diante daquele caos que estava instalado na cidade. No primeiro momento, procuramos as dificuldades e exigências das crianças e fomos tentando aliviar a tensão e a tristeza, visto que a maioria dos pais estava em uma luta para resgatar seus pertences e afins.
Após os desenhos e conversas, reunimos as crianças para participar de brincadeiras típicas como “estátua” e “morto-vivo”. Foi um momento incrível, tendo em vista que ver o sorriso no rosto de uma criança sempre lava a alma, e em momentos de crise, a ajuda não deve ser somente física, mas também emocional, compreendendo que as crianças e suas demandas jamais devem ser negligenciadas. Vivenciando esse momento, concluímos que para fazer a diferença não basta somente trabalhar no macro da situação, mas também no micro, auxiliando as crianças com atos de incentivo ou até uma simples demonstração de que não estão sozinhas, tentando criar belos sentimentos e lembranças em um momento tão difícil quanto o fenômeno da enchente que afetou uma grande parcela de pessoas da comunidade.
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Texto escrito pelo Rafael Nogueira Gomes: Nascido em Rio Branco-Acre, e naturalizado em Xapuri-AC, tem 21 anos, discente do 7° Período do curso de Licenciatura em História na Universidade Federal do Acre. Onde Participou como bolsista no Programa de Iniciação à Docência, como também atuou no Grupo de Pesquisa em Práticas Decoloniais Freirianas. É colaborador no Coletivo artístico Errantes.
Material também produzido por Lucas Santos Nobre: Nascido em Rio Branco- AC, atualmente cursa Licenciatura História, orientando do grupo pesquisa Pibid/História/Capes, com a linha de pesquisa “Signos, Religiosidades e Modos de vida na Amazônia. Ver na História da arte diversas possibilidades de trabalhar o ensino/pesquisa. Faz parte da curadoria do Coletivo artístico Errantes.