“Eles dizem que o bônus impõe desigualdade em relação aos candidatos que moram em outras regiões, mas o Acre só tem uma universidade pública e são poucos os acreanos que têm acesso a ela”.
É dessa forma que a estudante do curso de Ciências Sociais, da Universidade Federal do Acre (Ufac), Ana Laura Tomaz Fadul, expõe a indignidade, após a Justiça Federal derrubar o bônus regional de 15% para os candidatos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que tenham cursado o Ensino Médio em escolas do Estado do Acre.
A jovem, que ingressou na universidade através da bonificação, afirma que existe diferença quando se compara a qualidade da educação no Acre com a de outros Estado do país, e que o bônus de 15% é de grande ajuda aos acreanos que querem entrar no ensino superior.
“A gente tem uma defasagem muito grande na educação, que inicia desde a educação básica e vai até o ensino superior. E o bônus regional, assim como as cotas, é uma ferramenta que ajuda muitos de nós a garantir um acesso mínimo ao ensino superior, de uma maneira que retorne esse desenvolvimento para o Estado. Precisamos de mais acreanos no ensino superior, dando suas contribuições, que são específicas de sua região.”, salienta Fadul.
Além de estudante, Ana Fadul compõe o Centro Acadêmico de Ciências Sociais e atua no Movimento por Uma Universidade Popular (MUP). Por conta disso, é ativa em pautas sociais e destaca a importância das instituições públicas de ensino superior.
“Hoje, a realidade que temos aqui no Acre é gente que não tem condição de pagar, se endividando com Fies e com diversidade privada. A boa parte da nossa população no Acre, que está no ensino superior hoje, está nas universidades privadas, e a maioria não tem como pagar, e isso é um problema”, afirma a jovem.
Diz, ainda, que os estudantes devem se manifestar contra a decisão imposta pela Justiça Federal e que a população também deve possuir participação ativa nas reivindicações, além de tentar compreender a importância.
“É total legítimo. Os estudantes devem entrar na Justiça contra essa decisão. A gente vê como a Justiça é vendida para quem tem dinheiro. Eu acredito que a gente precisa também mobilizar a população, mobilizar os estudantes e levar de conhecimento o que é o bônus regional, qual a importância e o absurdo que está acontecendo. A gente precisa constranger o que a Justiça tem feito”.
É inconstitucional?
De acordo com o advogado e professor do ensino superior Pierre Elie Kassab, não existe consenso a respeito da constitucionalidade, ou inconstitucionalidade, do bônus regional oferecido por algumas universidades do país, através do Sistema de Seleção Unificada (SiSU).
“Quando alguém fala que alguma lei ou conduta é inconstitucional, está a afirmar que a constituição não está sendo respeitada. É importante mencionar que não existe consenso acerca da constitucionalidade, ou não, do bônus regional. Existem decisões judiciais permitindo a adoção desse tipo de política pública pelas Universidades Federais e outras não. Dentro da autonomia universitária e no combate às desigualdades sociais e regionais, a Ufac fez o que lhe cabia para implementação do bônus”, explica Kassab.
Ele ressalta que outras instituições pelo país também adotaram a política, mas, assim como a Ufac atualmente, precisam responder ações de candidatos que questionaram a legalidade do bônus regional. Segundo Pierre Kassab, em alguns julgamentos a bonificação foi considerada ilegal.
“Outros Institutos Federais, principalmente do Nordeste, também instituíram esse tipo de política pública e precisaram responder ações em que candidatos discutiam a legalidade e a constitucionalidade do bônus regional. Em vários julgamentos, o bônus regional foi considerado inconstitucional ou ilegal e, por isso, afastado. Logo, não só é possível que vários outros processos similares sejam ajuizados, como, também, não é uma novidade no direito brasileiro”
Desenvolvimento do país
O Brasil é um país com alto índice de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Além disso, alguns Estados brasileiros possuem melhores índices de desenvolvimento humano, como explica o advogado, o que acarreta em uma educação de melhor qualidade, quando comparada às regiões mais pobres.
“Há de se perceber que o Acre possui uma ocupação bem mais recente que os Estados do Sul e Sudeste, por exemplo, além de uma renda per capita inferior, uma posição geográfica mais isolada e, por tudo isso, níveis sociais mais baixos. É natural que candidatos de regiões mais desenvolvidas, onde se tem acesso a melhores condições de ensino, possuam uma vantagem competitiva muito grande em relação aos acreanos”.
É perceptível que, nos dias de hoje, a população mais jovem, em grande maioria, deixa o Acre em busca de melhores condições de vida. Segundo o advogado, não existe um estudo acerca dos estudantes de ensino superior que permanecem no Estado após a formação, mas, fica evidente, que quem tem laços aqui existe uma maior probabilidade de continuar, quando comparado aos que vêm de outras regiões.
“Ainda não se tem um estudo acerca da quantidade de alunos de ensino superior formados no Acre que permanecem exercendo a profissão no Estado, mas é evidente que aqueles que já possuíam laços com o Estado têm uma taxa de evasão muito menor do que os candidatos de outros estados que buscam as regiões menos desenvolvidas para obter a formação em nível superior e retornar ao seu local de origem”, reitera.
“Assim, o bônus regional se insere como uma política pública tanto que visa reduzir as desigualdades entre os candidatos para que, independentemente de sua origem, tenham um tratamento que lhes garanta oportunidades, quanto para reduzir as desigualdades regionais, formando profissionais que, prioritariamente, vão atender à população local e, assim, prover novos serviços ou reduzir a carência daqueles que são insuficientes.”
Isonomia
O princípio da isonomia, dentro do direito, nada mais é do que a equalização das normas e dos procedimentos jurídicos entre os indivíduos, garantindo que a lei seja aplicada de forma igualitária entre as pessoas, levando em consideração as desigualdades para a aplicação dessas normas.
De maneira geral, Kasseb deixa claro que as diferenças sociais de cada região, juntas à autonomia das Universidades Federais, se apresenta como justificativa válida para que se mantenha o bônus regional.
“De toda forma, com o devido respeito aos entendimentos mencionados, é importante salientar que a obrigação de reduzir as disparidades regionais e a autonomia das Universidades Federais se apresentam como justificativas válidas para que se mantenha o bônus regional. Não por acaso existem decisões judiciais nesse sentido também”, informa.
“Levando em consideração as grandes desvantagens que determinadas regiões do país possuem, o próprio princípio da isonomia justifica um tratamento diferenciado à sua população. Afinal, a isonomia não permite uma compreensão rasa de que todos terão tratamento idêntico, mas passa pela ideia de que as pessoas podem ser tratadas de maneira diferente, na medida de suas desigualdades, para que se atinja a justiça.”
Ufac recorre
Universidade Federal do Acre (Ufac), nesta quinta-feira (4), divulgou um comunicado onde afirma que, junto à Advocacia-Geral da União (AGU), tenta reverter a decisão Justiça Federal de afastar da aplicação do bônus regional ao processo seletivo do SiSU 2024, e manter o calendário acadêmico da Instituição conforme o cronograma estabelecido.
A reitora Margarida Aquino, através das redes sociais, divulgou um vídeo, nesta sexta-feira (5), para informar sobre o andamento do processo junto à AGU. Ela afirma que todas as providências cabíveis estão sendo tomadas e que a bonificação não vai ser retirada da instituição.
“Todas as providências estão sendo tomadas. Essa política afirmativa da nossa Ufac não vai ser retirada. Estamos juntos e vamos continuar na luta para retomar esse bônus, para incluir cada vez mais os nossos alunos, nos nossos cursos da Ufac. Vamos vencer”, disse a reitora.
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