Por Luciney Araújo Leitão
Não há como qualificar o Candomblé como uma religião, sem conhecer as Nações que unidas, o transformam em uma só crença. Aceitando a diversidade e individualidade em cada culto, sem sobrepor a uma delas a referência como progenitora do Candomblé. É justamente a diversidade que faz do Candomblé essa religião rica e única.
(Ritos da África)
O Candomblé de nação como cultura religiosa africana, chegou no Brasil através do conhecimento de sacerdotes escravizados do além África e para cá trouxeram seus Órixas, Voduns e Inkisses, entre 1532 e 1888, expandido e sincretizando com outras crenças indígenas, utilizando-se das formas de fé popular e de sincretismo como forma de alianças e resistências. A Socióloga Ivete Miranda Pravatelli1, descreve que o candomblé se organizou em torno de nações que se originaram principalmente dos grupos sudaneses que chegaram ao Brasil através da diáspora africana.
Edson Carneiro2, aponta que as primeiras nações de Candomblé surgiram no Brasil e especificamente na Bahia, datam do século XIX, e fora fundada por sacerdotes oriundos do continente africano – bantos, jejes e nagôs – , na qual ensinaram ritos, tradições formas de doutrinação do corpo e da cabeça, principal morada de uma divindade, formando novas comunidades que viviam em torno de uma nova religião, descrevendo certos traços da cultura, particularidade de dança, música, de canto, de organização de festa que os identificavam com a região de origem.
Os escritos de Luiz Nicolau Parés 3, abordam a existência de calunduns na Bahia em meados do século XVIII, que em um primeiro momento foram identificados como meios de designar atividades religiosas de várias índoles e de origem africana, forma religiosa essa que agregava negros daomeanos e negros oriundos do continente africano; e que mais tarde serviram como liturgia para a diferenciação das formas de culto.
O Candomblé ganha visibilidade somente a partir do século XIX na Bahia. Em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, porém, até meados do século XX, os cultos afro-brasileiros permaneceram às escondidas. No início do século XX, enquanto os cultos africanos tradicionais eram preservados em seus nascedouros brasileiros, uma nova religião se formava no Rio de Janeiro, a Umbanda, síntese dos antigos Candomblés Bantos e de caboclo transplantados da Bahia para o Rio de Janeiro, na passagem do século XIX para o XX, com o espiritismo kardecista, chegado da França no final do século XIX. Rapidamente disseminada por todo o Brasil, a Umbanda prometia ser a única grande religião afro-brasileira destinada a se impor como universal e presente em todo o País4.
Eram religiões de preservação do patrimônio étnico dos descendentes dos antigos escravos. Assim foram conhecidas e analisadas por Roger Bastide5 que, entretanto, já observava a presença de brancos no Candomblé no final da década de 1940, antecipando a transformação do Candomblé e suas diversas ramificações em religiões de caráter universal.
A literatura sobre o Candomblé vai ganhar visibilidade no início do século XX, quando em 1906, Nina Rodrigues escreveu e publicou no ano de 1913 o livro Os Africanos no Brasil. Anos mais tarde, Arthur Ramos6 e Edson Carneiro também vieram a estudar a cultura afro-brasileira na cidade de Salvador.
Na década de 1950, Roger Bastide, escreve sobre candomblés da Bahia dando um enfoque maior aos candomblés de Ketu, com isso, não dá um enfoque mais aprofundado sobre o Candomblé de nação Angola, deixando uma imensa lacuna sobre a estruturação desses candomblés. Essa lacuna que vem refletindo nos dias atuais, pois os pioneiros em estudos de religiões de matriz-africana não deram uma atenção para a religião dos povos Bantos, que a maioria dos trabalhos que surgiram pós a primeira metade do século XX continuaram na mesma linha dando ênfase aos candomblés de Ketu deixando esquecida por muitas vezes os candomblés de nação como Angola e Jejê
Com isso, podemos perceber que os principais estudos etnográficos sobre Candomblé, em sua maioria foi direcionada para o Candomblé de Ketu, esse objeto de estudo foi totalmente direcionado as três casas de culto da Bahia e direcionadas para preencherem os dados necessários de pureza africana e que em se diferenciavam com denominações religiosas de outras nações. Esses estudos contribuíram para um certo apagamento literário e até mesmo contribuíram na invisibilidade das outras manifestações religiosas de outras nações como Angola, Jejê, Terecô, Efon, culto aos Caboclos, Boiadeiros, Encantados, Tambor de Mina, entre outros.
A Antropóloga Stafenia Capone7, descreve a existência de um hiato ao se falar dos diferentes candomblés, é tida através de um conceito que classifica como puro, os ritos herdados de uma linhagem tradicional Nagô e como degenerados, as formas de cultos demais nações espalhadas pelo Brasil, reforçando que a leitura do Candomblé no Brasil se dava a partir de pesquisas etnográficas que realizadas em três terreiros na Bahia (Ilé Àṣẹ Ìyá Nasò Ọka,- tradicionalmente conhecido como Casa Grande do Engenho Velho, o Ilê Axé Opô Afonjá e o Ilê Iyá Omi Axé Yamassê – A Sociedade São Jorge do Gantois, e se via neles a encarnação da tradição africana no Brasil, e cita a ramificação da religião para outros centros do país mais com diferentes nomes como é o caso do Xangô de Pernambuco, o Batuque praticado no Rio Grande do Sul, o Tambor de Mina e o Terecô do estado do Maranhão, os Culto a Jurema Sagrada na Amazônia, a Mina do Pará e a Macumba carioca, reforçando a ideia da existência de um continuo religioso das diversas modalidades de culto de matriz africana existentes no Brasil, suas diferentes formas de sincretismo e combinações dos elementos desse continuum.
Nesse sentido, para compreender as especificidades das diferentes formas de culto preservados nas diversas nações cultuados em nosso país, é necessário compreender as diversas formas litúrgicas, de divindades, de danças, ritos, cerimônias e mistérios que preservam um imaginário místico e o elemento central da manutenção da religião e seus segredos das diferentes formas de candomblés no Brasil e suas mais diversas formas de resistência.
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[1] PREVITALLI, Ivete Miranda. Candomblé: Agora é Angola. Dissertação de Mestrado defendida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, 163 f. 2006.
[2] CARNEIRO, Édson: Religiões Negras, Negros Bantos. Editora: Civilização Brasileira, 3° Edição. Rio de Janeiro, 1971.
[3] PARÉS Luis Nicolau. A formação do Candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia / Luis Nicolau Parés. – – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006.
[4] CAMARGO, Candido Procópio Ferreira de. Kardecismo e Umbanda: Uma Interpretação Sociológica. São Paulo; Editora e Livraria Pioneira, 1961.
[5] BASTIDE, Roger. O candomblé da Bahia: rito nagô. Tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Companhia das Letras, 1960.
[6] RAMOS, Arthur. Introdução à Antropologia Brasileira. Obras Complementas 1° Volume 3° Ed, Editora da Casa do Estudante do Brasil. Rio de Janeiro, 1961.
[7] CAPONE, Stefania. A Busca da África no Candomblé: Tradição e Poder no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Pallas e Contra-Capa, 2004.
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Luciney Araújo Leitão – Ney. É Professor de Sociologia EBTT no – CAp/UFAC, Membro Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena (Neabi/Ufac), pesquisador membro do Observatório da Associação Brasileira de Ciências Sociais (On-Abecs) e Pesquisador vinculado ao Laboratório de Estudos em Populações Negligenciadas da Amazônia – LEPONA da Centro Universitário São Lucas Educacional em Porto Velho/RO,