Rio Branco, 5 de março de 2023
Minha querida e estimada Ufac,
A senhora é uma professora como poucas. No Acre, estado que, inclusive, lhe tatua o nome, a educação básica sempre foi um privilégio. Esse cenário de exclusão começou a mudar há pouco mais de 20 anos. É pouco tempo, a senhora há de convir, professora. Sendo honesta, a senhora também terá que admitir que a Educação Superior ainda possui desafios enormes a superar: ter diploma de um curso de nível superior ainda está na rotina de poucos por aqui, não é, professora? E o que me espanta é que a senhora, experiente, poderosa, sabedora de todas as nossas mazelas regionais, não tenha atentado para a promoção que faz da exclusão.
Sim, excludente. A senhora é uma professora que exclui. Dói escrever isso, professora. Mas é o que se pode dizer de uma universidade cujo edital referente ao processo seletivo para ingresso nos cursos de graduação exige que alunos com a deficiência do Transtorno do Espectro Autista apresentem um laudo datado de menos de 90 dias.
Como é que a senhora pode fazer uma exigência dessas? Em que mundo a senhora está, professora? Aqui é o Acre, professora. Repare no seu nome para ver se a senhora encontra alguma identidade! Aqui, com muita luta e alguns tostões economizados com bastante esforço, eu e a mãe do João Batista Machado de Arruda Dias conseguimos um laudo, em setembro de 2022. Todo ele elaborado na iniciativa privada.
Um ano de gastos e aperreios de toda ordem porque se fôssemos depender exclusivamente da rede pública de saúde, talvez até hoje ainda estivéssemos sem o documento. E a senhora exige um laudo com menos de 90 dias!?
A senhora há de me desculpar, professora, mas essa exigência beira o sarcasmo. Fico imaginando uma família pobre tendo que acessar o tal laudo por meio do nosso querido e necessário SUS. A senhora percebe, professora, como as instâncias públicas estão dialogando pouco e acabam promovendo exclusão, sobretudo com os que mais precisam?
Repare nessa fala do João Batista, professora. Ela foi dita em um recente encontro com educadores em uma escola do bairro Cidade do Povo. Os pedagogos e gestores queriam entender como tinha sido o processo de formação de um aluno que passou em seleção pública tão restritiva, como é o Enem, superando as peculiaridades do TEA.
“Eu estudei só uma vez em escola particular. No começo, foi bom. Mas aí, depois, com o passar do tempo… porque não era uma escola muito preparada pra mim. Principalmente para os autistas”. Reparou, professora? O João Batista tem lugar de fala nesse assunto. Ele sentiu, com dores, que a escola particular por aqui não tem preparo para lidar com o TEA. A escola pública tem. O que soa estranho é o seguinte: como é que o ensino público que incluiu o João Batista é o mesmo que agora lhe impõe a exclusão por meio de uma exigência falsamente republicana de um edital? Isso não é razoável, professora. Aliás, é contraditório. É paradoxal.
Professora, eu mesmo conheço colegas seus que estão aí, fazendo parte da sua rotina de trabalho, profissionais médicos da nossa Faculdade de Medicina da Ufac, que sabem que o Transtorno do Espectro Autista não é uma doença. Não tenho como comprar um remédio para curar autismo. Não há essa prescrição, professora. Não tenho como chegar em uma farmácia e dizer: “Moço, por favor, cinco pílulas para combater o autismo do meu filho, por gentileza. Hoje, o autismo dele está de lascar!”
O autismo é um transtorno. Quem o possui vai conviver com ele. O documento que referenda essa situação (laudo) pode ter sido confeccionado há 90 dias, 91 dias, meia hora ou cinco anos. A verdade e o TEA estarão ali tatuados na alma, no olhar, nos choros, nos silêncios, nas depressões, na bipolaridade… são tantas as formas, professora! Os médicos da Ufac têm essa dimensão. Pergunte a eles, professora, que a senhora encontrará raciocínio até mais convincente.
Nesse processo todo, eu preciso destacar a postura do MPF e da DPU. São instituições que parecem sentir o aperreio dos pais nos detalhes. A impressão que tenho é que eles procuram olhar o problema por outra dimensão. Parecem ser incapazes de orientar os pais apenas com o frio, antipático e, neste caso, excludente “Tem que observar o que diz o edital!”.
Nós precisamos ter uma gestão pública tão ágil e sensível, professora, que seja capaz de inverter algumas lógicas. Para promover a inclusão. Observando todos os princípios republicanos da administração pública (vou repetir para que não pensem que estou aqui defendendo privilégios. Estou aqui para defender e exigir respeito a direitos: Observando todos os princípios republicanos da administração pública), precisamos fazer com que o edital passe a observar o caso concreto. Eis um bom desafio para todos nós. Não é mesmo, professora?
Do seu eterno aluno,
Itaan Arruda Dias