Sempre respeitei as diferenças. Os pensamentos que não se coadunam com o meu. Sempre. Sou crente. Sou jocumeira. Sou batista. Sou protestante. Tenho amigos de todas as religiões. E não é porque não frequentam a mesma igreja que eu que os vejo como infiéis prontos para arder no mármore do inferno ou filhos de Satanás. Pelo contrário. Deus está agindo no mundo e ama a todos sem diferenças.
Aliás, Ele tende a amar mais o ateu que a mim. Porque este ainda não conhece o seu amor. E Ele O ama e respeita, mesmo que não tenha o seu amor. Esse é o Deus que acredito, que professo e prego. Um Deus que está na floresta, nos campos, nas aldeias, no deserto, nas cidades. No bêbado, no equilibrista, na prostituta…. O Deus que habita em mim sempre saudará e amará o Deus que habita em você.
Sou filha da diáspora. Sou neta de um exilado da guerra e da fome. Meu avô paterno era muçulmano e você não imagina o orgulho que eu tenho do meu avô Mohamed Assem, um homem que chegou lá nas brenhas de Sena Madureira na década de 1910 sem falar uma grama de português. E sempre respeitou as pessoas. E as diferenças.
Graças à força e o amor da minha avó, uma índia braba das margens do Purus, formou família filhos, netos, bisnetos, apenas com o suor do seu trabalho. E tratando a todos com igualdade.
Minha tia avó materna, o mais perto que tive de uma avó, uma vez que minha vó Galega Gadelha morreu quando eu tinha um mês de idade, é conhecida na família como bruxa da floresta. Mas não, não, ela não é bruxa como as pessoas convencionam chamar. É apenas uma mulher que dedicou a vida a ajudar a curar pessoas, com o poder das ervas medicinais. Uma senhora dos lagos, uma Morgana da Floresta.
Nasci entre muitos rios. Purus. Iaco. Caeté e Macauã. Metade de mim é seringueira, castanheira e samaúma. Outra metade é cedro e carvalho de justiça das montanhas do Líbano. Metade de mim não xinga Chico Mendes. Outra metade nunca aceitou o assassinato cruel de Hafif Hariri. Sou resultado dessa louca mistura tão comum aqui no Acre.
Não me pinto para a guerra e não uso cocar. Também não coloco cinto de dinamite na cintura. Acredito, sinceramente no respeito às diferenças. Na coexistência. Mesmo não concordando com o que você diz e acredita, defendo de maneira intransigente teu direito de defender suas ideias. Só peço que respeite o meu. Mas esse patrulhamento ridículo de rede social faz com que as pessoas simplesmente saiam a xingar os outros como se só a sua verdade fosse real. Deixa eu te dizer, amorzinho: a verdade não existe. Existem verdades. A sua, a minha e a dos outros.
Ando sem paciência, sinceramente. Mas isso não abala minha fé, minhas crenças, minhas convicções e, muito menos, o que penso da vida, dos homens, da política, da diversidade e do ambiente. Tenho como firme pensamento, um princípio que aprendi com minha Tia Têka, irmã mais velha de minha mãe, que Deus levou bem cedo para junto de si.
Tia Têka nasceu, cresceu e viveu na floresta. A floresta era o seu lar. Nunca gostou da cidade. Ela tinha um princípio: cerca de porco é bala.
Por quê?
Porque ela morava numa colônia e o vizinho resolveu criar porcos, mas não gostava de alimentá-los e como se recusava também a fazer sua parte da cerca, os porcos vinham e comiam o roçado da minha tia. Ela foi lá duas, três vezes pedir pra ele cuidar dos porcos. Ele olhava pros seus imensos 1,45m e dizia: não são meus.
Um dia Tia Têka tomou uma decisão. Pegou a espingarda e foi fazer a espera bem da janela do jirau da casa. Lá vinham os porcos pra sua recém-formada plantação.
Mirou e meteu bala. Não errou um tiro. Ela era boa de mira.
Duas horas depois o dono dos porcos chegou esbaforido: a senhora é doida? Matou todos os meus porcos!!!
Ah, eram seus? Não sabia!! Aqui funcionava assim meu filho, se não tem dono, cerca de porco é bala!!!
No outro dia a cerca começou a ser feita e ele nunca mais deu problemas.
Por aqui funciona assim também.
Boa tarde!