Ambientada no Rio de Janeiro a série que retrata nosso folclore poderia ser mais fiel se a produção tivesse “subido” um pouco o país em direção ao norte ou nordeste
A Netflix produziu uma série chamada “Cidade Invisível” que trata do nosso folclore. Finalmente uma obra nacional em uma plataforma de streaming que enalteça as figuras mitológicas do nosso país! No entanto, há um grande erro na trama.
A série que foi ao ar no dia 5 de fevereiro possui sete episódios completamente envolventes desde sua abertura, que mistura figuras folclóricas com elementos psicodélicos, até o fim de cada episódio deixando um enorme gostinho de quero mais.
Com excelentes caracterizações e um show de efeitos especiais, Cidade Invisível é classificada para maiores de 16 anos, e é dirigida por Carlos Saldanha, que já foi indicado ao Oscar.
Com nomes como Alessandra Negrini e Marco Pigossi sabemos que o show de atuação está garantido. A série nos traz Cuca, Iara, Saci, Curupira, Corpo Seco, Boto Cor-de-Rosa, entre outros personagens que crescemos ouvindo as suas histórias.
Enquanto assistimos é impossível não se lembrar do momento em que ouvimos as lendas enquanto crianças, aqui no Acre, há o Parque Chico Mendes e também um museu dedicado exclusivamente para essas figuras mitológicas, onde podemos não apenas ouvir as lendas como também ver esculturas em homenagens a essas figuras, que foram criadas com o propósito de proteger a natureza da maldade do homem.
A série é nostálgica e atual, conseguimos facilmente identificar os personagens por sua caracterização “a la século XXI”. O Saci, interpretado por Wesley Guimarães, foi o personagem que mais me remeteu a infância e trouxe certa leveza à trama. Até aqui tudo bem, tudo show de bola.
No entanto, a série é ambientalizada no Rio de Janeiro e não há a presença de indígenas
Agora irei falar como nortista, e talvez soltar um pequeno spoiler que eu não consigo engolir. A grande parte do folclore brasileiro surge no norte e nordeste com criaturas com o objetivo de proteger a floresta, personagens místicos que surgem dos rios, que vagam na mata com os pés ao contrário para enganar caçadores, pessoas que são transformadas em Vitória-Régia, como uma linda homenagem de amor.
Histórias contadas por indígenas, criaturas místicas criadas para defender a floresta da maldade dos homens, até chegar aos dias atuais até se tornarem uma série em uma grande plataforma de streaming que irá levar ao mundo o nosso folclore. E essa série peca e erra feio. Não há um único indígena interpretando um papel sequer, é uma representatividade do nosso folclore, mas é uma representatividade vazia.
O Boto Cor-de-Rosa em determinado momento da série é encontrado em uma praia a beira mar, sim, isso mesmo, um animal de água doce e é dito que é necessário leva-lo à água (salgada!!). Aqui no Acre, há os filhos do boto, aquelas crianças cujo pai ninguém conhece. O Boto Cor-de-Rosa surge sempre vestido de branco com um chapéu para que ninguém perceba o buraco em sua cabeça e encanta a mais bela das moças durante as festas e depois nunca mais é visto.
Com o incrível show de efeitos especiais e excelentes atores, a série peca na ambientalização meia boca em uma pequena comunidade que tenta proteger sua floresta de uma construtora.
Cidade Invisível poderia ser mais fiel se tivesse “subido” um pouco o país em direção ao norte ou nordeste, poderia, ouso dizer, apropriar-se de problemas reais como a construção de uma rodovia entre o Acre e o Peru que pode causar o maior impacto ambiental já registrado no estado em 10 anos. Nossas figuras mitológicas se reais estariam agindo nesse exato momento contra isso e seria excelente ter os olhos do mundo todo nessa questão.
Apesar dos apesares, eu espero uma segunda temporada, espero a presença de mais figuras mitológicas, espero ver a grandeza de Mapinguari, o terror de Mula sem cabeça e a enorme e poderosa Boitatá, assim como também a gloriosa Cobra Grande que sempre se esconde embaixo de uma igreja.
Luana Dourado é estudante de jornalismo e estagiária no site Agazeta.net.