Quem não lembra de sair para trabalhar, ir à escola, fazer as atividades cotidianas, quando, no decorrer da manhã do dia 02 de setembro de 2024, uma cortina de fumaça cobriu vários municípios do Acre, incluindo toda a cidade de Rio Branco? Em poucas horas, unidades de saúde lotaram, instituições de ensino foram fechadas, e o Estado decretou situação de emergência em Saúde Pública e Meio Ambiente devido às queimadas e, sobretudo, à péssima qualidade do ar.

Nesse contexto, a Rede Acreana de Monitoramento da Qualidade do Ar, criada pela Universidade Federal do Acre (Ufac), em parceria com o Ministério Público do Acre (MPAC) e outros órgãos, foi fundamental durante todo o período de crise. A iniciativa possibilitou que qualquer instituição e pessoa pudesse acompanhar, em tempo real, a qualidade do ar e a situação das queimadas no estado.
Nesse cenário, a estrutura se tornou uma ferramenta imprescindível para mensurar a gravidade da situação e auxiliar na decretação do estado de emergência. A rede colaborou ativamente com as secretarias estaduais e municipais de Meio Ambiente e Saúde, com fornecimento de dados e boletins sobre a qualidade do ar. Essas informações foram cruciais para que os órgãos competentes pudessem avaliar a situação e definir as melhores estratégias de ação.
Além disso, a acessibilidade da plataforma permitiu que a população e a imprensa utilizassem os dados de forma independente, na consulta diária da qualidade do ar. Isso possibilitou que as pessoas decidissem se deveriam sair de casa para trabalhar ou se deveriam permanecer em ambientes fechados, em segurança.
Papel do MPAC
Em junho de 2019, o Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) deu início a um projeto pioneiro voltado para o monitoramento da qualidade do ar na região. Com a instalação do primeiro aparelho medidor de poluição na sede do órgão, em Rio Branco, a iniciativa marcou o nascimento da Rede Acreana de Monitoramento da Qualidade do Ar, que posteriormente se expandiu para toda a Amazônia Legal.
O projeto nasceu por meio de uma parceria entre o Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Histórico e Cultural e Habitação e Urbanismo (CAOP/MAPHU), A Ufac e a Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão Universitária no Acre (Fundape).
A proposta foi estruturada e articulada com base em diversas ações, que incluíram a elaboração de um projeto pelo Caop, com órgãos como o Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), capacitação de profissionais e a instalação dos sensores. O objetivo era promover o cumprimento da Política Nacional sobre Mudança de Clima (Lei Federal nº 12.187/09) e assegurar a criação de um sistema integrado de monitoramento.
“O Ministério Público do Acre sempre se destacou pela criatividade e pela valorização de parcerias estratégicas. Nosso objetivo, com essa iniciativa, era combater as queimadas e o desmatamento, monitorar a poluição e fomentar o desenvolvimento sustentável”, explica o MPAC.
Com a instalação dos sensores em todos os 22 municípios do estado, a rede se tornou acessível a qualquer cidadão, com dados em tempo real disponíveis por meio da internet. Além disso, por ser de baixo custo, a tecnologia é disponibilizada gratuitamente a todas as pessoas.
Além disso, a Rede Acreana ganhou projeção internacional em 2020, quando foi ampliada para os estados da Amazônia Legal e países vizinhos, como Bolívia e Peru. Durante os encontros burocráticos, MPAC, em parceria com a organização Woodwell Climate Research Center, doou nove aparelhos medidores de poluição a locais próximos da região.
“A parceria com o Woodwell Climate Research Center, por meio do professor Foster Brown, foi essencial para a aquisição de mais 17 aparelhos. Esses equipamentos foram distribuídos para estados da Amazônia Legal e países vizinhos, como parte do esforço de criar uma Rede Amazônica de Monitoramento da Qualidade do Ar”, informa o MPAC.
O projeto foi financiado com valores de transações penais relacionadas a crimes ambientais, com isso, foi possível garantir 33 aparelhos. Posteriormente, a parceria com o Woodwell Climate Research Center possibilitou a aquisição de mais equipamentos para reposição e ampliação da rede.
Combate às consequências da fumaça
O professor, pesquisador e um dos líderes do projeto, Foster Brown, destacou a importância de dimensionar o problema da poluição do ar para encontrar soluções. Segundo ele, sem dados concretos, caso não houvesse a ferramenta, não seria possível avaliar a gravidade da situação ou verificar se as políticas públicas implementadas estariam surtindo efeito.
“Para encontrar soluções de um problema, primeiro é necessário dimensionar o tamanho do problema. Um indicador, o material particulado fino, conhecido como MP2,5, é usado mundialmente como referência para avaliar a poluição do ar”, explica o pesquisador.
Ele enfatizou que até 2018, o monitoramento da qualidade do ar no Acre era limitado e contava com poucas medições. Em 2019, com a parceria entre o MPAC e a Ufac, foi possível criar a rede de sensores que cobriu todo estado. Essa iniciativa pioneira na Amazônia ganhou reconhecimento nacional e rendeu ao MPAC e à Ufac o prêmio do Instituto Innovare em 2020.
“Foi a primeira vez que um estado na Amazônia teve uma cobertura tão extensa de sensores para poluição do ar. De modo geral, o programa ajudou a dimensionar o problema de poluição do ar no estado”, ressalta Brown.
Segundo ele, a rede de sensores não apenas forneceu informações críticas durante a crise de fumaça para os órgão públicos e imprensa, como também possibilitou maior conscientização da população e que embora medir o nível de poluição seja fundamental, isso é apenas o primeiro passo para enfrentar o problema.
“Medidas do grau de poluição são fundamentais, mas, em si só, não resolvem o problema. As informações foram disponibilizadas via publicações diárias do Centro de Informações da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, e durante um mês falei na rádio CBN diariamente às 07 da manhã, reportando ao público em geral a qualidade do ar, baseado nas medidas destes sensores”, comenta o professor.
Os dados obtidos pelos sensores, facilmente acessíveis por meio de plataformas online, foram cruciais para medir com precisão os níveis de fumaça, principalmente o material particulado fino (MP2,5), que atingiu níveis alarmantes durante a temporada de fumaça.

Secretaria Estadual de Meio Ambiente
A Rede Acreana de Monitoramento da Qualidade do Ar desempenhou um papel essencial para a produção de boletins, que foram elaboradas pela equipe técnica do Centro Integrado de Geoprocessamento e Monitoramento Ambiental (Cigma), vinculado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema). De acordo com o órgão, essa estrutura forneceu dados importantes para a gestão ambiental e a tomada de decisões estratégicas no estado durante o período de fumaça.
“A rede é uma ferramenta de suma importância para elaboração de notas técnicas, que são emitidas pela equipe técnica do Cigma”, diz a secretaria.

O órgão explica que em 2024, a qualidade do ar no Acre foi severamente impactada pelas queimadas que ocorreram em locais próximos, como a Bolívia e o sul do Amazonas. Essas queimadas influenciaram diretamente na dispersão e o acúmulo de fumaça na região, o que tornou o ano especialmente crítico em termos de poluição atmosférica.
“No ano passado, a insalubridade do ar foi comprometida devido ao grande aumento das queimadas em regiões vizinhas. Elas contribuíram de forma significativa em toda a crise que o Acre passou”, comenta o órgão.
O trabalho da Sema, por meio do Cigma, incluiu a elaboração de relatórios técnicos diários, que subsidiam os gestores públicos durante períodos críticos, como o da fumaça no Acre. Esses documentos fornecem informações necessárias para decisões estratégicas, como a emissão de decretos de emergência e a orientação da população em momentos de maior vulnerabilidade.

A Sema explica que além de informar gestores e a população, os dados sobre qualidade do ar, também foram fundamentais para direcionar ações de fiscalização, especialmente durante os períodos de estiagem e maior frequência de queimadas.
“Esses dados técnicos [previsão do tempo, focos de queimadas, qualidade do ar e recomendações da saúde] contribuem ainda para os esforços do grupo de trabalho de comando e controle das ações de fiscalização”, diz a Sema.
A atuação da equipe técnica da Sema foi contínua e envolveu o monitoramento diário, cujos dados foram fundamentais para decisões governamentais de grande impacto. Medidas como suspensão ou retomada de aulas e decretação de emergência foram tomadas com base nos relatórios emitido pela Rede Acreana de Monitoramento da Qualidade do Ar do MPAC.
“Essas informações sempre subsidiaram as muitas decisões dentro do gabinete de crise no âmbito governamental. Sempre nos coube levar informações analisadas, a inteligência dos dados, para a tomada de decisão, a exemplo de decisões muito importantes, como fechar a suspensão das aulas, a reabertura das aulas, o decreto de situação de emergência, somados aos dados da saúde, fez com que acontecesse a decretação. Então, os dados subsidiam o governo para o direcionamento, seja ele decretos ou orientações a populações”, explica o órgão.
Ferramenta acessível à população
Além de órgãos governamentais e estatais, quem também se beneficiou da Rede Acreana de Monitoramento da Qualidade do Ar foram as pessoas no geral, que puderam utilizar a ferramenta em tempo real e a qualquer momento do dia, tendo em vista que o serviço com as informações é oferecido gratuitamente via internet e pode ser acessado até mesmo pelo celular.

A chefe de serviços gerais, Clícia da Siva, mãe de uma criança com paralisia cerebral e também do grupo de risco de pessoas com doenças pulmonares, comentou sobre como o serviço online de informações dos sensores a permitiu manter os cuidados com o filho. De acordo com ela, acordar todos os dias e e saber em tempo real as informações possibilitou, com que ela soubesse exatamente se era ou não seguro sair de casa com a criança naquele período.
“Foi um momento muito difícil, porque meu filho, o Gustavo tem problemas respiratórios, e saber que essa ferramenta existe foi muito bom para preservar a saúde do meu filho e assim não expor ele a nenhum risco”, conclui.
Impactos e respostas
Na capital Rio Branco, a concentração de partículas finas no ar chegou a 399,7 µg/m³, de acordo com o sistema de monitoramento Purple Air da Rede Acreana de Monitoramento de Qualidade do Ar. Esse valor superou em quase 30 vezes o limite de 15 µg/m³ estabelecido como seguro pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para se ter uma ideia da gravidade, concentrações acima de 250 µg/m³ são consideradas emergências de saúde pública. Além disso, a umidade relativa do ar despencou para 39%, bem abaixo dos níveis ideais de 50 a 60%, exacerbando os efeitos da poluição.
Com a degradação extrema da qualidade do ar, houve um aumento expressivo nos casos de problemas respiratórios e outros distúrbios de saúde, especialmente entre grupos mais vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com doenças preexistentes. Para reduzir os danos, as autoridades reforçaram as seguintes orientações:
- Manter-se hidratado: beber água regularmente ajuda a proteger as vias aéreas contra irritações.
- Ambientes internos protegidos: permanecer em casa com portas e janelas fechadas e, se possível, usar purificadores ou umidificadores de ar.
- Evitar exposição ao ar livre: atividades externas foram desaconselhadas, especialmente durante os horários de maior concentração de poluentes.
- Uso de máscaras específicas: máscaras do tipo N95, PFF2 ou P100 foram recomendadas para bloquear partículas finas.
- Higiene respiratória: limpeza das vias aéreas com soro fisiológico para minimizar os impactos da fumaça.
- Grupos de risco foram orientados a redobrar os cuidados e procurar assistência médica ao menor sinal de agravamento.
A Secretaria de Meio Ambiente (Sema) também divulgou boletins regulares com informações atualizadas e recomendações práticas para a população, além de alertar sobre os riscos de saúde relacionados à exposição prolongada à poluição


Estagiário sob supervisão de Gisele Almeida
Direção Gisele Almeida