Theteu, um artista visual independente, traz nas letras de seu texto um pouco do seu trabalho chamado “Encantado: O Boto Cor-de-Rosa em Rio Branco”, um curta metragem que estreia no dia 15 de agosto.
- O que te inspirou a criar um curta-metragem com o Boto Cor-de-Rosa como personagem LGBTQIAP+? Conte um pouco sobre você e sobre o projeto do curta que está em desenvolvimento
Me chamo Matheus Henrique, mas a galera me conhece como Theteu, tenho 25 anos e estou desenvolvendo um curta animado chamado “Encantado: O Boto Cor-de-Rosa em Rio Branco”, que estreia dia 15 de agosto. Esse curta vai contar a história de um boto cor-de-rosa encontrado fraco às margens do rio no centro de Rio Branco, devido a poluição do mesmo, por um jovem bissexual de coração partido. Esse encontro acaba se desenvolvendo em uma relação singela entre os dois. Sobre o boto ser LGBTQIAP+…por que não? Faço esse questionamento pelo simples fato de que nós, LGBT’s, sempre estivemos aqui desde o começo dos tempos, e nossas relações homoafetivas não estão nesses contos, assim como dificilmente são retratadas nas mídias da mesma forma que histórias heteronormativas.
Também utilizo da minha liberdade artística para construir um mundo onde seres encantados estão além das relações cisgêneras. Como se a espiritualidade desses seres tivesse superado a caixinha do “só pode homem com mulher”. Gosto de pensar que uma espiritualidade bem desenvolvida é uma alma pansexual e transgênera, me divirto com isso; chega de nos sentirmos culpados. Essa escolha surge como afronta à nossa mente infectada pelo sistema binário, que sempre nos faz esperar performances heteronormativas de literalmente tudo. E ao sistema capitalista que nos afasta de nossa cultura fazendo com que a vejamos como inimiga do sucesso, já que, nesse mundo, sucesso é ter dinheiro, então a gente que é pobre se volta para o trabalho braçal, e passamos a não valorizar o que é nosso, e quando digo nosso me refiro a nossa identidade, cultura e tradições, que é justamente o que fortalece o senso de pertencimento de uma comunidade. E quando não olhamos para o mundo ao nosso redor e seguimos acreditando nessa ideia de trabalho desgastante, continuamos sendo vítimas de nossa própria ignorância.
Estou produzindo e encaro esse curta como uma forma de fazer mediação cultural. A arte, mesmo uma pintura em sua inércia ao ser contemplada, nos faz questionar e nos leva a vários lugares reflexivos. Digo isso pois o curta tem as paisagens cotidianas de nosso município ilustradas como cenário, assim como aspectos da nossa culinária e costumes. Tudo para que quem veja possa se identificar e olhar para nossa riqueza cultural. E veja, não estou sendo ingênuo, entendo que essa produção possa não impactar como gostaria, mas eu sou fruto de uma mediação cultural; se eu puder ser responsável por mais um fruto, vou estar feliz.
Por fim, meu intuito em nenhum momento é desrespeitar nosso folclore e sim nos aproximar mais do que é nosso, para que possamos pensar: “Sou LGBT, estou aqui e faço parte dessa cultura, logo vou me apropriar dela para criar arte e assim dar luz às questões que vivo na pele e são constantemente negligenciadas”.
- De que forma o curta-metragem explora os desafios e alegrias da vida LGBTQIAP+ em Rio Branco?
O curta em si não vai problematizar os desafios de ser LGBTQIAP+, ao menos, não muito, mas vai falar mais sobre as alegrias. Acredito que a problematização possa surgir no espectador ao assistir, visto que existe um desenvolvimento singelo e romântico entre os personagens, e nosso município ainda carece de uma desconstrução.
- Houve alguma pesquisa específica sobre o folclore do Boto Cor-de-Rosa e a cultura LGBTQIAP+ na Amazônia?
Sim, desde que comecei a pensar nesse curta, acredito que em 2022, venho pesquisando sobre. O primeiro choque foi quando caiu a ficha de que essas mulheres amazônidas têm seus corpos violentados e essa violência é escondida atrás do conto do boto. Quis desistir ao ver que ele representa o patriarcado que abusa das mulheres e as abandona. No entanto, percebi que o curta pode ser ligado à causa LGBTQIAP+ e ter como objetivo explorar outras performances de sexualidade.
Ao revisitar o mito do boto cor-de-rosa, podemos transformar sua narrativa. Em vez de ser um símbolo de opressão, o boto pode ser reimaginado como um ser que celebra a diversidade sexual e de gênero. Na cultura LGBTQIAP+, a fluidez e a transformação são temas poderosos. O boto, que se transforma entre animal e humano, pode simbolizar essa fluidez de gênero e a liberdade de expressão sexual.
A comunidade LGBTQIAP+ tem uma longa história de ressignificar aspectos de opressão para transformar dor em empoderamento. Palavras como “viado”, “bixa” e “queer”, que antes eram usadas como insultos, foram ressignificadas e hoje são símbolos de orgulho e resistência. Podemos fazer o mesmo com o mito do boto. Em vez de vê-lo apenas como um perpetrador de violência, podemos transformá-lo em um símbolo de empoderamento e aceitação.
Assim, o curta não só ressignifica o mito do boto, mas também oferece uma narrativa de esperança e empoderamento para a comunidade LGBTQIAP+ e para todos que buscam aceitação e compreensão. É uma oportunidade de transformar um símbolo tradicional em uma fonte de inspiração e mudança positiva.
Quero aproveitar o espaço para agradecer ao meu amigo cantor e compositor Maya Dourado, pois sua composição vem banhando e alegrando os dias de produção com sua música Cor de Rosa, que fala justamente de nosso protagonista. Também gostaria de agradecer o Coletivo Errantes, que animosamente toparam participar desse projeto, pois sonhar sozinho é bom, mas quando se sonha em conjunto é melhor ainda.
Matheus Henrique – Licenciado em Teatro na Universidade Federal do Acre (Ufac).
Artista Visual Independente.