No período oitocentista no Brasil, inúmeros cientistas, viajantes e “desbravadores” se aventuraram dentro do território amazônico a fim de catalogar, classificar e descrever aquilo que conseguiam observar nas regiões, principalmente acerca das florestas e populações nativas residentes. Com isso, surgem as propagações de discursos sobre uma Amazônia deserta, hostil, única e exoticamente singular, a qual hoje sabemos que, na maioria das vezes, pode ser um assunto tratado forjadamente. Sendo assim, re-imaginar a Amazônia faz-se necessário, precisamos desconstruir essa visão errônea e colonizadora, para reconstruir a historiografia amazônica a partir das perspectivas de seus habitantes originários.
Este trabalho, ainda em andamento, é fruto da apresentação no IV Seminário de Fronteiras das Amazônias: Histórias, Culturas e os desafios da oralidade. II evento internacional de Fronteiras, Religião e Religiosidade na Pan Amazônia, através da Universidade Federal do Acre (Brasil) em conjunto com a Universidad Amazónica de Pando (Bolívia), onde apresentei juntamente com Ruimar Cavalcante do Carmo Junior¹. Tal trabalho tem como objetivo realizar a desconstrução dos discursos colonizadores, representações e implicações acerca da Amazônia brasileira, os processos da criação do imaginário preconceituoso referente às populações nativas da região amazônica e a descolonização dos escritos e saberes, reimaginando-a enquanto espaço cultural e diversificado.
Sendo assim, vale ressaltar que o intuito deste trabalho não é criar uma história revanche, do contrário, estaríamos reproduzindo os discursos, mitos e distorções acerca de outros povos e nações. E com isso, também anulando os escritos, catalogações e estudos acerca das “descobertas” científicas da flora e fauna amazônica. Todavia, precisamos rememorar essa visão colonizadora já citada para podermos prosseguir com essa reflexão de re-imaginar a Amazônia, e assim, não continuarmos perpetuando a dita “história única”, pois a mesma tem o poder de atravessar gerações, resumindo e generalizando aqueles e aquelas de uma determinada nação, grupo e etnia. E pensando ainda na fala de Chimamanda Adichie², continuar com essa história única é continuar “esquecendo” das muitas outras histórias. Logo, a ideia é podermos analisar além das fronteiras estabelecidas e consolidadas e, observar através das múltiplas visões e concepções culturais.
Portanto, levando em consideração a passagem dos viajantes naturalistas pela região da Amazônia, tinha como caráter realizar novas descobertas e assim classificar, ordenar e organizar o que descobriram, contudo,vemos na obra Cultura, Trabalho e Luta Social na Amazônia: Discurso dos viajantes-Século 19 de Hideraldo Costa³, que os viajantes estavam preocupados em cumprir as exigências e propósitos profissionais, e ao agirem dessa maneira, não se atentaram a observar e descrever os hábitos, costumes, relações de trabalho, cultura, etc. daquela população, mesmo assim fizeram e de certa forma ainda generalizaram as diferentes etnias que ali residiam, e disseminaram pensamentos machistas, preconceituosos e racistas, inferiorizando as pessoas da Amazônia falando que eles eram o motivo para o não progresso da região, e como Albert Memmi⁴ (1997) cita, “O retrato que o colonizador faz ao colonizado sempre envolve a preguiça, a inação em contraste com as virtudes do colonizador, trabalhador, diligente, ativo, industrioso”.
Com isso, surge a necessidade de desconstruir essa herança naturalista presente na escrita e no imaginário popular, impostas através de uma relação de poder e subjugação entre o colonizador e o colonizado, com objetivo de inferiorizar determinada população, como consequência, a disseminaçãos dos estereótipos, preconceitos e demais violências aos povos colonizados, em sua maioria os povos originários, negros e mulheres vem sofrendo ao longo da historiografia brasileira. Dito isso, o autor trabalha com a perspectiva de descolonização intelectual, isto é, dos saberes, com isso busca rever a história dos colonizados e recuperar as suas historiografias desvirtuadas pelo colonizador, trazendo uma história agora vista de baixo, ou seja, a história dos negligenciados e oprimidos. Portanto, faz-se necessário descolonizar, desconstruir, desdizer e redizer os escritos e saberes, romper com os pensamentos forjados e impostos, dando voz aos silenciados e os não ditos.
A Amazônia não é e nunca foi um espaço deserto, muito pelo o contrário, como traz Almir Diniz em sua obra Índios Cristãos na Amazônia colonial, onde o mesmo exemplifica essa questão de que essa imensa floresta é vista como um espaço desabitado, todavia, a arqueologia hoje em dia nos mostra o inverso, Almir Diniz⁵ cita: “A Amazônia foi, na realidade, habitada por milhares e milhares de pessoas de várias etnias, com crenças variadas, culturas ricas e múltiplas havia mais de dez mil anos, quando, na Europa, os homens ainda viviam em cavernas.” Ou seja, foi e é um lugar densamente povoado, bastante diverso de pessoas e culturas que merecem ser reconhecidos e não resumidos a escritos generalizados que foram realizados por esses europeus. Para isso, precisamos refletir essa problemática e devemos re-imaginar a Amazônia enquanto espaço, cultura e diversidade
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[1] Bacharelando em História pela Universidade Federal do Acre.
[2] ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. TED Talk, em 2009.
[3] COSTA, Hideraldo. Cultura, trabalho e luta social na Amazônia: discursos dos viajantes – século XIX. Manaus: Editora Valer, 2013.
[4] MEMMI, A. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
Bacharelanda em História pela Universidade Federal do Acre (Ufac). Membro do Centro Acadêmico de Bacharelado em História Pedro Martinello CABH). Bolsista do Núcleo de Apoio à Inclusão (NAI).