Essa coluna é inspirada no livro Fábulas da Modernidade no Acre: a utopia de Hugo Carneiro (1927 a 1930), escrito pelo Prof. Dr. Sérgio Roberto, do curso de História da Universidade Federal do Acre. O principal intuito é sintetizar os sentimentos e construções expostas no livro, uma leitura essencial para compreender o cenário passado que o território acreano vivenciou e como ações anteriores influenciam o futuro, mediadas por pensamentos colonizadores e deturpados de modernidade.
O personagem principal do livro é o ex-governador territorial do Acre Hugo Ribeiro Carneiro, nascido em 28 de julho de 1889 no estado do Pará, mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro, onde se formou em Ciências Jurídicas e Sociais. Atuou como juiz municipal no município de Tarauacá e, após um período, deslocou-se para o Ceará, onde atuou como deputado federal. Segundo Sérgio, em junho de 1927, o “modernizador acreano” chegou à cidade de Rio Branco, nomeado governador pelo então presidente Washington Luís. Na época, o Acre ainda era classificado como Território Federal, portanto não havia eleições para governadores; eles eram indicados pela União e permaneciam temporariamente no cargo.
O autor destaca na obra que o discurso de modernização de Carneiro demonstra que, para alcançar a modernidade, o então governador, carregando um olhar de simbolismos e preconceitos, sente-se responsável por trazer “ordem” ao caos e “modernidade” ao que ele julgava como “Atraso”. Podemos perceber a sua frustração através dos relatórios que escrevia sobre o território: “Fiquei desagradavelmente impressionado com o quasi absoluto abandono em que encontrei os serviço de hygiene, a principiar por esse injusto esquecimento do departamento nacional de saúde publica, seguido da condemnavel indifferença dos poderes locaes”¹.
A percepção de Hugo Carneiro sobre o território do Acre e de seus habitantes, advindos de um modo de vida diferente e com mínima distribuição de educação, não se enquadram nos novos valores criados pela elite da época. sendo assim, até os tempos atuais, podemos observar algumas das construções da época de Hugo carneiro, segue abaixo:

O Mercado Municipal, posteriormente conhecido como Mercado Velho, foi a primeira grande obra pública de alvenaria em Rio Branco. Antes do mercado, na capital acreana todas as obras e demais construções eram feitas de madeira, como nos seringais e, posteriormente na cidade.

O Quartel da Guarda Territorial do Acre, posteriormente tornando-se Polícia Militar do Acre (PMAC), iniciou sua construção no ano de 1928, também fazia parte do processo de “modernização” do Hugo Carneiro. Um detalhe interessante, é o fato do quartel ter sido construído por seus próprios membros como soldados, cabos, sargentos, etc.

O Palácio Rio Branco teve início das suas construções em 1920, porém devido a diversos problemas ocorridos, principalmente devido a muitos materiais virem de fora do Estado e até do país, levou 10 anos para que o projeto fosse finalizado e ainda sem todo o glamour que o governador almejava. Seu projeto foi elaborado pelo arquiteto alemão Alberto Massler, e inspirado na arquitetura grega, especialmente nas colunas de ordem dórica e jônica. Este edifício foi inaugurado em 1930, mas suas obras só foram concluídas em 1948 durante o governo de José Guiomard dos Santos. Tiveram outras construções realizadas neste mesmo período, porém meu objetivo maior é expressar como esse processo de “europeização” do Acre foram também prejudiciais.
Sem dúvida alguma, o palácio Rio Branco é a representatividade máxima do pensamento modernizador e a ideia de uma “Belle époque” acreana de Hugo Carneiro. Essa época é comumente conhecida como “Belle Époque”, uma expressão francesa que significa ou “bela época”. Refere-se ao período histórico da França, que vai do final do século XIX até o início da Primeira Guerra Mundial em 1914. A Belle Époque foi marcada por avanços tecnológicos, políticos, sociais, econômicos e culturais significativos. No Brasil, especialmente em cidades como Rio de Janeiro, Manaus e Belém, a alta burguesia e os intelectuais estavam atentos e influenciados pelas tendências europeias, principalmente as francesas, que caracterizavam esse período.
Ao tentar criar um padrão estético na cidade, o governo passou a fazer intervenções diretas nas construções da população, atacando os modos de vida dos habitantes devido às construções de madeira e vetando a construção das “barracas” e as questões de “higiene” e “assepsia”, as obras passaram a serem totalmente fiscalizadas e deveriam cumprir as exigências impostas pelo governo, como medidas certas para portas, janelas e pilares, mesmo sem dar as devidas condições à população para tal. Além disso, havia um grande senso de “moralismo”, “ética” e de “condutas de vida”, sendo totalmente repressivos com aqueles os quais fugiam destas exigências do governo, com inclusive multas de má conduta.
Por fim, os textos exalam uma complexidade e uma escrita que ouso dizer que somente Sérgio,Roberto sabe dialogar e problematizar. Ele verbaliza o símbolo de poder que Hugo Carneiro exala em suas fortes opiniões e em suas construções do, na época, território federal do Acre.
Referências
[1] SOUZA Sérgio. RESISTÊNCIAS AO PROJETO MODERNIZADOR DE HUGO CARNEIRO NO ACRE TERRITORIAL (1927 A 1930). Rio Branco, 2024
[2] VIANA, Jorge. Nossa História: Novo Mercado Velho, Jorge Viana, 2022. Disponível em:https://jorgeviana.com.br/novo-mercado-velho/. Acesso em: 06 de Junho de 2024.
[3] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Acervo dos Municípios brasileiros. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?id=437760&view=detalhes. Acesso em:06 de Junho de 2024.
[4] SOUZA, Roberto, FIGUEIREDO, Eurilinda, IBERÊ, Daniel. Notícias da Hora, 2023. Disponivel em: https://www.noticiasdahora.com.br/artigos/nem-neutel-maia-e-nem-gabino-besouro-a-constituicao-da-cidade-de-rio-branco-ac-tem-por-marca-a-pluralidade.html. Acesso em: 06 de Junho de 2024.
Sara Thalita Monteiro Cordeiro, bacharelanda do curso de Bacharelado em História, pela Universidade Federal do Acre e Letra línguas portuguesa pela Universidade Estácio de Sá.