Em recente entrevista, o deputado federal Nicolas Ferreira (PL) teceu críticas a Ainda estou aqui, filme brasileiro indicado ao Oscar em três diferentes categorias. Reconhecendo que não assistiu ao filme, o deputado afirmou que tem reservas, porque, alegou, sabe como a esquerda “romantiza” o período do “regime militar”.
As palavras, postas entre aspas, nos dão a oportunidade de discutir nas linhas seguintes o curioso e perigoso léxico da extrema direita.
É, de fato, a esquerda que “romantiza” esse período? É a esquerda que, dando de ombros em face de volumosas literatura e documentação, afirma que naquela quadra histórica não havia corrupção? É a esquerda que afirma que só prenderam “terroristas”? É a esquerda que afirma que havia mais segurança naqueles dias? É a esquerda que suspira de saudade por aqueles idílicos anos?
Não. Essa é a resposta para todas essas perguntas. De modo que, se há um grupo político que “romantiza” – na definição precisa de tal palavra – aquele período, esse grupo é a extrema direita que grassa em nosso meio e da qual o deputado faz parte.
Com efeito, quando Nicolas Ferreira define aqueles anos como “regime militar” ele já promove tal romantização. Ao assim definir, ele foca, por assim escrever, em quem governava (os militares). Não inocentemente, porém, silencia sobre a forma como governava (de maneira ditatorial, violenta, assassina).
Que os militares, através de um duro golpe, estavam à frente de um regime é coisa que não se coloca em discussão. Era um regime. A questão mais central é, por isso, que tipo de regime era esse. O regime era ditatorial. Fecharam o Congresso. Perseguiram adversários – reais e fictícios. Aposentaram compulsoriamente professores, ministros. Exilaram uns tantos. De artistas a intelectuais. A censura era oficial e ostensiva.
Estamos, portanto, diante de um léxico curioso. E também perigoso. Devemos reconhecer que, entre seus pares extremistas e golpistas, Nicolas é dos mais hábeis com as palavras. Mesmo quando é vazio de conteúdo, é comum que, ainda assim, dobre seus ouvintes e interlocutores com sua retórica. Somos forçados a concluir que, quando se vale de termos assim, imprecisos à luz da ciência, o faz de modo proposital. O revisionismo de que é artífice é uma estratégia ideodiscursiva de luta política.
Nós, que lutamos nas trincheiras da democracia, devemos estar atentos a isso e mover nosso combate, repondo a verdade, mostrando a fragilidade de seus argumentos e as contradições e os perigos de suas práticas.
Esse grupo que alardeia que estamos vivendo numa ditadura – e berra e esperneia – é o mesmo que defende a ditadura instaurada em 1964, tratando-a como um “regime militar”. É essa mesma turma que veste a camisa do Brilhante Ustra, torturador desalmado, exaltando-o como herói.
Eles, que bradam contra o que chamam “ditadura da toga”, são os mesmos que articulam projeto de anistia para um grupo de criminosos que planejou e colocou em andamento uma tentativa de golpe (frustrada, felizmente) que, entre outras coisas, incluía o assassinato de Alexandre de Moraes, Lula e Alkimin. Caso o golpe que arquitetaram tivesse vingado, tudo isso ocorreria de modo sumário. Sem processo. Sem julgamento e, portanto, sem direito à defesa que eles têm.
Vivemos numa ditadura, dizem. Mas quem viu ou soube de alguém que, nesse processo movido contra os criminosos golpistas, foi torturado? Alguma criança foi levada para ver seus pais serem torturados? Alguém foi “suicidado”? Alguém, depois de ter sido preso pelas forças estatais, está desaparecido?
Fartamente, tudo isso ocorria na ditadura que eles defendem. E, ainda assim, eles defendem. Nada disso ocorre agora, na “ditadura da toga” que eles tanto criticam. E, ainda assim, eles criticam.
Esse grupo político, que aqui se diz democrático, está em concertação com a extrema direita mundial, parte significativa dela com traços nazistas (como na Alemanha, França, Itália e EUA, por exemplo). Temos que lembrar que Elon Musk, durante a posse de Trump, fez gesto nazista, à vista de todos? E que o mesmo foi feito, também, por Esteve Bannon? Temos que lembrar que o governo dos EUA determinou que a prisão de Guatanamo se transformasse num campo de concentração para os imigrantes, que serão perseguidos, presos e torturados sem julgamento nenhum?
A extrema direita procura perverter as coisas. A ditadura que defendem chamam democracia. É ditacracia. A democracia que defendemos chamam ditadura. É democratura. Assim, tratam crime como direito, ditadura como democracia, ódio como amor, morte como vida.
O fato de Nicolas Ferreira, mesmo sendo novo na política, tomar parte justamente nesse grupo, com suas práticas e léxico, mostra que, dentro desse extremismo, não há espaço para meios-termos. Embora novo, o deputado mostra ter alma decrépita. Não representa nem o presente nem o futuro. Só o passado, o pior do passado.
Pelo bem de nossa democracia – ainda frágil e prenhe de limites e contradições, sabemos -, pelo bem de nossas vidas, os criminosos golpistas devem pagar por seus crimes e essa gente pequena, de moral torta e carcomida, deve ser endereçada à lata do lixo da história o quanto antes. SEM ANISTIA!!!!