O dia 21 de agosto marca o Dia Nacional da Habitação, instituído ainda nos períodos do ardente golpe civil, militar e empresarial do Brasil em 1964. Entretanto, este dia data a efetivação dos interesses e estratégias estabelecidos pelo (des)governo de Castello Branco, momentos após a deposição do então presidente constitucional João Goulart.
Ao falarmos em moradia, é habitual pensarmos sobre os meios de acesso que estão “garantidos” pela Constituição Federal de 1988, já que em seu Artigo sexto¹, dentre os direitos sociais, permanece o direito ao transporte; à previdência e assistência social; ao lazer; à moradia, e dentre outros direitos. Porém, a referida data corrobora uma política segregacionista e ditatorial estabelecida pela inconstitucionalidade golpista. Partimos de uma questão muito estimulante: há manifestações de poder e domínio nos interesses que levariam ao alargamento da construção civil no país após os atos de 1964? Quais relações existentes entre os atos golpistas e a manipulação coletiva para a viabilidade do direito à moradia?
Após a deposição do ex-presidente João Goulart, Humberto de Alencar Castello Branco (1964-1967) investe seus discursos e seus atos em direção à construção de obras imobiliárias privadas, como residências, condomínios e prédios, motivo pelo qual cria instituições que dariam o braço a torcer nesta sua nova empreitada golpista. Ainda no primeiro governo da ditadura, Castello Branco cria o Banco Nacional de Habitação (BNH) em conjunto com o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), através da Lei nº 4.380, de 21 de agosto², em que o economista Roberto Campos – um grande aliado do governo ditatorial – esteve à frente do Ministério do Planejamento e da Coordenação Econômica, objetivando a larga produção de casas em apoio conjunto com segmentos burgueses das empresas nacionais e internacionais de construção civil que passariam a atuar no país.
Além disso, há um evidente interesse golpista e empresarial esparramado por este fenômeno da falta de acesso ao “conforto da habitação”, pois, por meio desta estratégia de uma delirante “sensibilidade”, Castello Branco havia encontrado o apoio para a sua base política sendo advinda das classes médias e burguesas da sociedade brasileira com a finalidade de permanecer na cadeira presidencial, já que ainda em 1964, prometera eleições diretas nos dois anos subsequentes ao golpe.
Por meio desta estratégia política que reuniu o capital internacional com as construções de moradias urbanas, nasce, no imaginário da classe média da sociedade brasileira, uma suposta constatação que lhe atribuía um “pé de igualdade” aos burgueses ultranacionalistas que sustentaram o golpe: o direito à propriedade – o que garantiria, através do malabarismo liberal, o apoio incondicional para a continuidade da ditadura.
Para atender os diversos interesses econômicos e políticos, diversas empresas de construções civis e instituições financeiras passam a alocar seu capital no Brasil, como o Banco Bozano-Simonsen, em que Mário Henrique Simonsen era sócio proprietário.
Ademais, com a contratação de trabalhadores (as) arregimentados (as) compulsoriamente à construção civil em prol desta suposta modernidade traçada pelo militar Castello Branco, estes (as) passam a vivenciar a negação do direito à vida digna, sendo subordinados a uma jornada de trabalho correspondente a 14 horas diárias, ou ainda tendo suas residências postas em meio aos esgotos a céu aberto localizados entre os cortiços e vielas das cidades, sem direito ao saneamento básico, ou quando não se abrigavam entre os tijolos e cerâmicas das construções residenciais dos setores urbanos das cidades.
Este instrumento de coerção social, apropriado diante do violento contexto da ditadura, refletiu diretamente sobre a vida dos e das sujeitas historicamente subalternizadas, pois à medida em houve um crescimento dos esferas ligadas à construção civil, estes (as) eram alicerçados pela contratação de uma mão de obra barata desenvolvida e fomentada pelo capital financeiro, empresarial, nacional e internacional para representar os valores burgueses e liberais incorporados pela ditadura civil, empresarial e militar.
Portanto, as classes menos abastadas do Brasil estiveram diante de uma política segregacionista, pois a “modernização” abraçada por Castello Branco, bem como o direito à moradia atrelados à manutenção do poder militar e empresarial, iriam garantir o apoio massivo do governo por meio de ações as quais refletissem os interesses da classe burguesa da sociedade brasileira.
[1] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. CAPÍTULO II DOS DIREITOS SOCIAIS .Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao.htm. Acesso em: 23/08/2024.
[2] BRASIL. lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos imobiliários de interêsse social, o sistema financeiro para aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. Disponível em: http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%204.380-1964?OpenDocument . Acesso: 23 de ago. de 2024
DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São
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ENGELS, Friedrich. “Contribuição ao problema da habitação”. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas v. II. São Paulo: Alfa-Omega, s/d, pp. 105-182.
IANNI, Octavio. A ditadura do grande capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.

Bacharelando em História pela Universidade Federal do Acre, pesquisador vinculado ao Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Ufac (Neabi/Ufac), coordenador de Assuntos Estudantis do Centro Acadêmico Pedro Martinello (CABH), membro da equipe editorial na Das Amazônias – revista discente de História da Ufac.