Por: Israel Souza
Eduardo Bolsonaro anunciou que vai se licenciar do cargo de deputado federal [ii] e que vai pedir asilo político aos EUA. Houve repercussão e as opiniões a respeito do fato foram muitas. Mas, grosso modo, podem ser divididas em dois grandes grupos.
De um lado, seus apoiadores e consortes, sustentando que ele evitou a apreensão de seu passaporte e, até, uma possível prisão. Por essa ótica, ele é um herói, que enfrentou com grandeza de caráter o sacrifício. Patriota acima de tudo!
De outro lado, aqueles que apontam que, em verdade, ele apenas fugiu por medo da prisão. Por essa ótica outra, ele é nada mais que um covarde. Acima de tudo filho de seu pai, também ele um destacado covarde.
Nas linhas que seguem, nós avançamos uma interpretação um pouco diferente.
Em que pesem as divergências de valor entre as ditas opiniões, cremos haver uma convergência entre elas que, ao fim e ao cabo, favorece mais a extrema direita do que seus opositores. O ponto fulcral dessa convergência é a definição da ida do deputado para os EUA como sendo uma fuga. Senão vejamos.
Em primeiro lugar, sustentamos não ser uma fuga porque Paulo Gonet[iii] e Alexandre de Moraes[iv] negaram o pedido do PT de apreender o passaporte de Eduardo Bolsonaro. Ambos não viram crime na atitude do deputado de ficar nos EUA tentando, a todo custo, dinamitar as instituições do próprio país e bajulando Trump e seus assessores para que, de lá, apliquem sanções ao Brasil.
Do ponto de vista político, isso é algo seríssimo. Um deputado federal usa seu tempo e verbas públicas para viajar para outro país. E, lá, trama contra sua gente, sem fazer jus ao mandato que recebera. Considerando suas ações e falas, é possível perceber que ele tem se empenhado mesmo é em prejudicar seus país e livrar seu pai das penalidades que decorrem dos crimes que cometeu.
Somos daqueles que acham que o deputado incorre em crime de lesa-pátria. Todavia, do ponto de vista jurídico, pelo menos por enquanto, isso não ensejou nenhum problema para ele. Nenhum. Mesmo sendo definido por Mauro Cid como um dos que mais encorajavam Bolsonaro a dar o golpe, sendo por isso colocado no grupo dos radicais entre os radicais, Eduardo Bolsonaro sequer consta entre os denunciados pela PGR pelo crime de tentativa de golpe de Estado. E, ainda assim, os extremistas acusam Alexandre de Moraes e Paulo Gonet de agirem politicamente contra eles.
Cremos que essas considerações são mais que suficientes para provar que o deputado federal não fugiu do país. Não há perigo real que o levasse a isso – diferentemente do que se passou com seu pai que, para não ser ligado aos atos do 08/01, fugiu para os EUA. Era seu álibi, caso o golpe desse errado, como deu.
Porém, Eduardo Bolsonaro e seu grupo afirmam que ele está fugindo de uma ditadura.
Mas que ditadura é essa que eles tanto denunciam? O Judiciário foi fechado ou algum ministro foi compulsoriamente aposentado? Não. O Parlamento foi fechado ou algum deputado perdeu, injustificadamente, seu mandato? Não. Algum partido foi posto na ilegalidade, por representar um problema para quem governa no momento? Não. O processo eleitoral foi suspenso ou pervertido? Não. A censura foi implantada? Não. Se alguém se vale de sua liberdade de expressão para cometer crimes, que arque com as consequências!
Cabe assinalar que tudo isso – e coisas muito piores – ocorria na ditadura (1964-1985) que eles defendem. O deputado não teve seu mandato cassado. Foi eleito nas últimas eleições e, antes, em várias outras. Inclusive, até poucos dias, gozava de poder e prestígio no Congresso. Quase foi escolhido para comandar a Comissão de Relações Exteriores. Saiu para onde quis, quando quis, sem prestar satisfação a ninguém. Nem mesmo a seus eleitores.
Sua situação é tão cômoda que ele está se licenciando do cargo (se é que de fato vai fazê-lo – essa gente mente e não é pouco!). Ninguém o obrigou a sair do país. Ele saiu por vontade própria. Foi escolha. Não imposição. Enquanto tramava contra seu país e sua gente, recebia um excelente salário e era albergado pelas prerrogativas que assistem a um parlamentar federal.
Que ditadura é essa então?
É amplamente sabido que esse deputado afirmou que, para fechar o STF, não precisava nem de Jipe. Um cabo e um soldado bastavam[v], segundo suas desafortunadas palavras. Foi também ele quem disse, durante o governo de seu pai, que a questão “não era se”, e sim “quando haverá uma ruptura” (leia-se, golpe).
Que ditadura é essa que deixa um adversário desse calibre solto e falando isso por aí? Por muito, muito menos, pessoas foram torturadas e mortas durante a ditadura que ele defende.
A propósito, nas eleições de 2022, que eles afirmam terem sido fraudadas, o PL – partido a que ele e seu pai pertencem – se tornou a sigla partidária mais votada do país[vi], consolidando a maior bancada tanto na Câmara dos deputados quanto no Senado.
Que eleição fraudada é essa? Que ditadura é essa em que o grupo que se diz perseguido conquista, através do voto popular, a maioria dos votos e, ainda, consegue fazer a maior bancada do Congresso?
Esse grupo que se diz perseguido tem a plena liberdade de fazer manifestações onde e quando bem entende. Ataca as instituições e as autoridades que bem quer, como bem quer, sem que ninguém lhes vá às mãos. Por exemplo, na última manifestação (16/03/25) que ocorreu no Rio de Janeiro, conseguiram reunir quase 19 mil participantes, além de alguns parlamentares e governadores.
A polícia esteve lá, para assegurar a ordem e a segurança. O governador do Rio, que esteve no palanque com Bolsonaro, entendeu que seria uma vergonha noticiar que o evento que prometiam reunir 1 milhão de pessoas reuniu apenas pouco mais de 18 mil. Então, valendo-se de sua autoridade, o governador obrigou a polícia – através de seus comandantes – a divulgar que haviam 400 mil pessoas. Ou seja, a polícia garantiu a ordem, a segurança e, de quebra, ainda ajudou a inflar o número de participantes do evento. Mão amiga!
Que ditadura é essa em que a polícia ajuda assim os perseguidos?
Por essas e outras, o paralelo que se faz entre o que ora vivemos e o que foi a ditadura civil-militar não encontra amparo nos fatos. E qualquer tentativa de fazer tal comparação não passa de desavergonhado abuso, coisa forjada para ludibriar os desavisados.
Talvez mesmo por isso, nos últimos dias, alguns bolsonaristas de proa passaram a usar termos como “alexandrismo” e “tirania”. Segundo entendemos, ao fazer isso, eles procuram se desvencilhar dos embaraços que é, sendo defensores da ditadura e de torturadores, protestar contra uma suposta ditadura. Procuram diversificar e calibrar seu léxico, lançando mão de termos que mais facilmente se prestam a seus intentos.
Ora, falar de alexandrismo e tirania tem a vantagem de apontar a artilharia diretamente para o ministro Alexandre de Moraes, centrando na figura dele todo veneno e todo ódio de que a extrema direita é portadora. Em consonância com isso, diferentemente do termo ditadura, o termo tirania é mais liquefeito, por assim dizer. Presta-se melhor quando se quer falar de uma pessoa, acusando-a de opressão e abuso de poder. Por seu turno, ditadura remete mais a um regime de governo, e não à atuação de um indivíduo ou mesmo de alguns poucos.
É provável que, dessa forma, mirando em Moraes e poupando Lula, Musk e Trump que já têm problemas diretos com o ministro fiquem mais à vontade e mais tentados a entrar em campo. Se Lula não está nessa luta – pelo menos, não no primeiro plano; pelo menos, não nesse momento -, as disputas podem seguir sem que se transformem de imediato em disputas entre governos.
O cenário que descrevemos deixa infirmada a ideia de que Eduardo Bolsonaro fugiu do país. Ele é covarde? Sim. Ele é palerma? Sem dúvida. Entretanto, não há perigo real que o levasse a isso.
Se as forças democráticas, mesmo a título de pilhéria e sob o pretexto de destacar sua covardia, insistirem em tratar o caso como fuga, acabarão fazendo o jogo dos golpistas e dando a eles a munição que não têm. Nesse momento de desespero, em que seu líder está às vésperas de se tornar réu pela tentativa de golpe, é tudo o que querem.
Por conseguinte, a explicação para a atitude deve ser outra. A nosso juízo, ele está a fazer uma encenação, coisa para gringo ver. Como dissemos alhures, nesse momento, eles buscam lá fora a força que não têm aqui dentro. E a última manifestação de rua que promoveram deu provas disso. Eles estão enfraquecidos internamente. Só uma força de fora pode lhes ajudar na magnitude que necessitam. Daí sua insistência em permanecer nos EUA, bajulando Trump, Musk e Bannon.
Com tantas provas contra eles, só conseguirão se livrar da cadeia destroçando a nossa Constituição e nosso sistema democrático. Nesse sentido, um Brasil soberano, que zele por seu sistema constitucional, é um grande problema para eles. Se para se salvar das garras da justiça eles tiverem que rifar a soberania do país, bem como sua Constituição, eles não pensarão duas para fazê-lo. Seu patriotismo é o “avesso do avesso do avesso”.
Explica-se assim o choro que Eduardo Bolsonaro e seu pai encenam em frente às câmeras. É o desespero que os leva à farsa. Não esqueçamos que, em 2009, Bolsonaro colocou um cartaz na porta de seu gabinete. O cartaz dizia que “Quem procura osso é cachorro”. A frase tinha como alvo os parentes de desaparecidos durante a ditadura[vii]. O mesmo Bolsonaro cuspiu no busto de Rubens Paiva[viii], preso político assassinado pela ditadura civil-militar.
Quem diz e faz coisa assim, evidentemente, tem o direito de chorar. Cremos, no entanto, que não tem é sentimento genuíno para tanto. Não sendo seu pranto nada além de farsa, espetáculo barato – que pode custar caro para nós, caso acreditemos nele.
Embrulha o estômago ver gente que dizia que “Direitos humanos é o esterco da vagabundagem” e que usa camisa de torturador agora clamar por direitos humanos. Sabemos. Mas para os que defendem a democracia não resta outra coisa que não resistir e fazer o que for possível para que a justiça seja feita.
Sem anistia para golpista!
[i] Professor e pesquisador de Instituto Federal do Acre/Campus Cruzeiro do Sul. Autor dos livros Democracia no Acre: notícias de uma ausência (PUBLIT, 2014), Desenvolvimentismo na Amazônia: a farsa fascinante, a tragédias facínora (EDIFAC, 2018), A política da antipolítica no Brasil, Vol. I e II (EaC Editor, 2021) e Ciência, educação e política, Vol. I e II (EDIFAC, 2024).
[ii] Até a conclusão desse artigo, o deputado ainda não havia, oficialmente, dado entrada com o pedido de licenciamento na Câmara. Por ora, é só coisa verbal.
[iii] Gonet é contra apreender passaporte de Eduardo Bolsonaro
[iv] Moraes rejeita investigação e apreensão de passaporte de Eduardo Bolsonaro | Blogs | CNN Brasil
[v] Eduardo Bolsonaro diz que basta “um soldado e um cabo” para fechar STF | Agência Brasil
[vi] Como o PL se tornou o partido com maior número de… | VEJA
[vii] Onze vezes em que Bolsonaro ofendeu vítimas da ditadura
[viii] Bolsonaro cuspiu na estátua de Rubens Paiva: “teve o que mereceu” | Revista Fórum