Imagem: Felipe Perreira/UOL
Estudante invade escola. De posse de uma arma branca, feriu alguns colegas. Matou uma professora. Em seguida, outras tentativas de ataque – frustradas – são noticiadas, deixando a sociedade brasileira entre perplexa e assustada. O receio suscitado faz todo sentido. Afinal, esses ataques – frustrados ou não – se somam a outros, pretéritos, como o caso de Suzano.
Acrescente-se agora, porém, o agravante de que, parece, estarmos assistindo a uma espécie de onda, em que os ataques são quase simultâneos. É como se formassem uma rede e/ou tivessem sido acionados pelo(s) mesmo(s) gatilho(s). Em face desse quadro, quem quiser falar de “caso isolado” deverá acrescentar o “caso isolado da semana” ou, a depender do desenrolar dos fatos, o “caso isolado do dia”.
Como já se pode intuir, o fenômeno é complexo. Como tal, responde a mais de uma causa. Não resta dúvida. O que faço a seguir é expor apenas algumas dessas causas que reputo como relevantes para o entendimento do problema.
Ao cidadão minimamente informado, certamente não passou batido o fato de que, nos últimos anos, o sistema educacional brasileiro está sob contínuo e intenso ataque. Da base ao topo, as instituições que encarnam o sistema educacional brasileiro vêm sendo tratadas como “espaços de doutrinação comunista” e “depravação sexual de nossas crianças e jovens”.
No Acre, uma candidata acusou – sem prova nenhuma, cabe dizer – as escolas de ensinarem e estimularem as práticas de pedofilia, incesto e zoofilia entre as crianças. Como respeitar que é pintado assim, tão diabolicamente?
No mesmo sentido de agressão política e moral, um ministro da educação do governo anterior acusou as Universidades Federais de plantarem maconha e produzirem droga sintética. Provas? Nenhuma, algo típico de seu grupo político.
Qual o sentido de se comover com a morte de uma professora, se, por outro lado, se promovem ataques políticos e morais à instituição de que ela faz parte? Como esperar que os profissionais da educação sejam respeitados, se a instituição de que fazem parte é covardemente achincalhada, atacada sem dó nem piedade?
Sintomaticamente, a hostilidade a nossas instituições educacionais se deve, largamente, ao fato de aí serem tratados temas de fundamental importância para uma formação humana e cidadã. Contudo, ao contrário do que pensam uns tantos, tratar de temas políticos em sala de aula não significa “doutrinar” os estudantes e filiá-los ideologicamente a dado partido político. Longe disso. Em verdade, tratar de temas políticos daria enorme contribuição a uma formação cidadã, educando os jovens no espírito democrático, tornando-os capazes de entender que a diversidade e a divergência existem – como fato social que independe de suas vontades – e devem ser tratados com respeito, e não com preconceito e violência.
Como esperar dos estudantes espírito democrático, respeito e tolerância para com o diverso e para com a divergência, se se hostilizam as instituições que oferecem isso a eles?
Em linha de continuidade com o que foi discutido até aqui, durante o período da pandemia da Covid-19, vimos a ciência e os cientistas serem duramente atacados. É mister ser claro aqui. Como construção humana, a ciência – e os cientistas, por consequência – é passível de erros e, portanto, de críticas. Entretanto, não foi isso o que se viu durante o período mais difícil da pandemia. Não era crítica. Era ataque. E os ataques de que foi alvo tinham por fundamento valores e interesses que nada tinham de científicos, como os valores e interesses políticos, econômicos e religiosos.
Ora, se não se respeita a ciência, como garantir respeito às instituição educacionais que têm por finalidade produzir, reproduzir e difundir ciência?
Por fim, cumpre aludir a influência que os grupos de extrema direita exercem sobre os autores dos ataques às escolas. Por tudo o que se sabe sobre esses ataques, é possível mesmo dizer que são esses grupos extremistas que fornecem unidade político-ideológica aos operadores dos ataques.
Por certo, são grupos distintos entre si. Não obstante, guardam pontos de intersecção entre si. Postando-se à direita no espectro político, são grupos que se identificam como conservadores ou reacionários e expressam, sem meias palavras, visceral hostilidade ao diverso, à educação e à cultura.
Entre eles, destacam-se aqueles de forte ativismo. Pelo que dizem e fazem, mostram que interpretam a política em chave bélica. Mais claramente: confundem a política com a guerra. Por isso, não surpreende que sejam defensores do armamentismo. Para eles, na política, não há adversário a vencer ou convencer. Há tão somente inimigos a submeter e, no fim, a eliminar.
A filiação ideológica de alguns dos perpetradores de ataques às escolas a esse grupo extremista fica patente nos símbolos que usavam. Entre esses símbolos, constava suástica e máscara de caveira, coisas características de grupos neofascistas.
Embora seja o objeto desses ataques, a educação continua sendo, sem sombra de dúvida, um elemento imprescindível para o enfrentamento exitoso desse mal. Mas só em parte. Isso porque, como deve ter ficado claro pela exposição acima, esse é um problema que nasce fora dos muros da escola e, depois, nela deságua.
Em razão disso, mais que ingênuo ou injusto, seria contraproducente esperar que a educação resolva, sozinha, um problema que não depende só dela. É preciso envolver o maior número possível de atores nessa luta. Entre outras coisas, é preciso restituir a dignidade e a respeitabilidade à educação e seus agentes. Outrossim, é necessário garantir autonomia para que possa cumprir suas funções de formação de profissionais e, não menos importante, de cidadãos entusiastas da democracia.
Armar os professores não seria uma saída, como alguns postulam?
Como professor, agente da educação, devo dizer que não gostaria de usar uma arma contra absolutamente ninguém. Muito menos contra um aluno. Suponho falar por minha categoria nesse momento: nosso trabalho não é tirar a vida do estudante, e sim ajudá-lo a ganhar a vida, a vencer na vida. Que meus alunos me possam reconhecer por sempre andar com livros nas mãos, e nunca por andar com um revólver na cintura. A eles, quero sempre fazer o bem; nunca o mal. Deles, quero sempre o respeito, nunca o medo. Eis o que desejo.