Querido Papai Noel Preto, tudo bem? Talvez você não se lembre de minha cartinha. Afinal, são tantas cartas; tantos pedidos! Aqui, é Antônia. No ano passado, minha cartinha não foi escolhida. E neste ano, eu decidi tentar a sorte novamente!
Papai Noel Preto, eu fui protagonista na minha escola. Mamãe chorou de alegria! Ela disse que eu fiz uma excelente performance. Mas, também, foram dias e dias estudando o texto da peça de teatro. Eu me esforcei muito, sabe? Além de mamãe, vó Clotilde foi também foi me ver. Ela quem fez meu figurino em paetê dourado; papai, como sempre, mandou um áudio se desculpando. Ele disse que estava muito atarefado no trabalho com as vendas de final de ano. Na verdade, eu não contava que ele fosse. Professora Vera disse que eu tenho jeito de atriz! Eu até acho legal essa profissão.
Neste ano, Papai Noel Preto, aprendemos histórias e culturas da população Africana, Afro-brasileira e Indígena. Estou aqui lembrando da aula que tivemos sobre cientistas e intelectuais negros e negras; eu achei tão linda a parte que a professora ensinou sobre mulheres negras que fizeram ciência na história do Brasil. Deixa eu ver se lembro de alguma…
Hum! Maria Beatriz Nascimento[1] (1942-1995), naturalizada em Aracaju, no Sergipe, lutou ao lado de pesquisadores e pesquisadoras nos movimentos sociais negros, além de se debruçar sobre formação de quilombos no Brasil e em denúncias de combate ao racismo; Conceição Evaristo[2] (1946), uma letróloga, autora de diversos livros como “Olhos d’água” (2016) e Ponciá Vicêncio (2003), ativista em movimentos de valorização da Literatura e da Cultura Afro-brasileira, recebeu muitos prêmios e títulos; Neuza Souza Santos[3] (1951-2008), naturalizada em Salvador, na Bahia, uma importante psiquiatra, psicanalista e escritora, teve uma brilhante trajetória clínica, política e intelectual onde pôde pensar e registrar a psicanálise e as relações raciais no Brasil, além de ser autora de “Tornar-se negro” (1983) e “A psicose: um estudo lacaniano” (1991); Lélia Gonzalez[4] (1935-1994), uma autora e ativista brasileira, pioneira nas discussões sobre gênero e raça, propôs uma perspectiva latino-americana de feminismo, desempenhando papel fundamental no movimento feminino norte-americano, dentre as obras mais conhecidas “Por um feminismo afro-latino-americano” (2020), organizado por Flavia Rios e Márcia Lima que reúne entrevistas, ensaios, artigos, discursos e palestras internacionais elaborados por Lélia Gonzalez entre os anos 1975-1994.
Hum, deixa eu lembrar mais… Ah, Nilma Lino Gomes[5] (1961), naturalizada em Minas Gerais, antirracista, atuante nas áreas da Educação e Antropologia Humana, entre 2013-2014 tornou-se a primeira mulher negra a ocupar o cargo de reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira – UNILAB, autora de diversos livros como “Sem perder a raiz” (2017), “O movimento negro educador” (2020) e “Saberes e lutas do movimento negro educador” (2022); Sueli Carneiro[6] (1950)! Filósofa, escritora e ativista do movimento social negro brasileiro, nasceu em São Paulo, fundadora do Instituto da Mulher Negra – Geledés (1988), primeira organização negra feminina e independente de São Paulo, é autora de diversas obras como “Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil” (2011), “Escritos de uma vida” (2018) e “Dispositivo da racialidade” (2023);
Carolina Maria de Jesus[7] (1914-1977), naturalizada em Sacramento, nas Minas Gerais, uma escritora e compositora brasileira, catadora de papéis e matérias recicláveis nas ruas de São Paulo – única fonte de renda na época, memorialista, registrou a dura realidade de favelados em folhas de caderno que encontra no lixão e, que, mais tarde ficara conhecido como “Quarto de Despejo: o diário de uma favelada” (1960) – obra traduzida em 13 idiomas e distribuída em mais de 40 países, autora também de “Casa em alvenaria” (1961) e “Pedaços de fome” (1963); Bárbara Carine[8] (1981), “uma intelectual diferentona”, naturalizada em Salvador, na Bahia, feminista antirracista, idealizadora, sócia e consultora pedagógica da Escola Maria Felipa/Salvador-BA – primeira escola Afro-brasileira do País, é autora de livros como “Descolonizando saberes: mulheres negras na ciência” (2020), “Como ser um educador antirracista” (2023) e “Querido estudante negro” (2024).
Sabe, Papai Noel Preto, eu também aprendi na escola que tuturubá, biribá e ingá, além de rimarem, são frutos deliciosos encontrados na região Norte do Brasil; que o boto nem sempre é cor de rosa; tucunaré, pacu, piau e traíra são peixes de água doce. Ah, a professora, também, ensinou que África é um continente considerado o berço da humanidade e da civilização, e que lá viveram reis e rainhas há muito tempo! Eu acho que quero ser escritora, Papai Noel Preto. É isso: es-cri-to-ra! Então, eu já sei qual presente gostaria que você trouxesse: “Meu crespo é de rainha” da bell hooks e, como na minha casa não tem chaminé, você pode deixar esse presente de final de ano no pé da minha cama. Está bem?! Feliz Natal, Papai Noel Preto! Desejo-lhe saúde, uma mesa farta com toronjas, tarumãs e doce de mamão!
Um abraço, Antônia!
RIBEIRO, Djamila. Cartas para minha avó. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
NASCIMENTO, Elisa Larkin. Introdução às civilizações africanas. In: (Org.) NASCIMENTO, Elisa Larkin. Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, 1996.
Quilombola de Pedras Negras, no Vale do Guaporé-RO. Doutoranda em Letras: Linguagem e Identidade (PPGLI/Ufac). Mestrado em História e Estudos Culturais (Unir, 2019). Licenciatura em Letras e suas respectivas Literaturas (Unir, 2016). Licenciatura em História (Faveni, 2022). Membra no Grupo de Estudo e Pesquisas Interdisciplinares Afro e Amazônicos (Gepiaa). Membra no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Acre (Neabi/Ufac). Membra no Grupo de Estudos e Pesquisas Culturalidades e Historicidades Africanas e da Diáspora Negra (Chade). Membra na Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic). Membra na Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) (ABPN).
[1] Mais informações sobre Maria Beatriz Nascimento disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/beatriz-nascimento-uma-intelectual-que-todo-mundo-precisa-reconhecer/ Acesso: 14 nov. 2024.
[2] Saiba mais sobre Conceição Evaristo em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/188-conceicao-evaristo Acesso: 14 nov. 2024.
[3] Mais informações sobre Neuza Souza Santos em: https://www.blogs.unicamp.br/mulheresnafilosofia/filosofas/neusa-santos-souza/ Acesso: 14 nov. 2024.
[4] Saiba mais sobre Lélia Gonzalez em: https://brasil.elpais.com/cultura/2020-10-25/lelia-gonzalez-onipresente.html Acesso em: 14 nov. 2024.
[5] Saiba mais sobre Nilma Lino Gomes em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/368-nilma-lino-gomes Acesso em: 14 nov. 2024.
[6] Saiba mais sobre Sueli Carneiro em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/ensaistas/1426-sueli-carneiro Acesso: 14 nov. 2024.
[7] Saiba mais sobre Carolina Maria de Jesus em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/58-carolina-maria-de-jesus Acesso em: 14 nov. 2024.
[8] Saiba mais sobre Bárbara Carine em: https://abpnrevista.org.br/site/article/download/1025/999/2754 Acesso em: 14 nov. 2024.