A cada mês uma mulher é morta simplesmente por ser mulher, segundo dados do Centro de Atendimento à Vítima
Nicoly Moreira para Agazeta.net
Foto: Marlene Bergamo – Folhapress
Maria, Joana, Rosa, Julia, Laura, mas poderia ser eu ou você. A cada 6h30 uma mulher é assassinada no país. No Acre, os números alarmantes não são diferentes do padrão brasileiro, a cada mês uma mulher é morta simplesmente por ser mulher, segundo dados do Centro de Atendimento à Vítima (CAV) do Ministério Público do Estado do Acre (MPAC).
O termo correto para esses assassinatos é feminicídio, palavra que permeia as manchetes dos jornais e define um crime de alta complexidade. Analisar as especificidades desse tipo de violência é refletir também sobre vidas. Mais do que números em um índice, cada mulher parte das estatísticas indica um ciclo de abuso que poderia ser evitado.
É preciso então estabelecer políticas preventivas e redutivas para que esses casos sejam reduzidos e até eliminados. A atuação do governo e das mais diversas instituições precisa ser efetiva para isso. Assim, acompanhamentos desde a instituição do processo até a assistência psicossocial das vítimas de violência, como os realizados pelo MPAC, são chances de recomeço e oportunidades para acolher evitando futuros feminicídios.
“O acolhimento é feito, por meio de uma equipe multidisciplinar, e o acompanhamento ocorre no ciclo completo da persecução penal, garantindo que essas vítimas tenham seus direitos fundamentais resguardados, que tenham o direito à informação correta, de serem ouvidas adequada e respeitosamente na investigação e no processo. Além disso, busca-se garantir às vítimas e seus familiares a assistência à saúde e o acesso aos serviços e benefícios sociais, bem como que sejam ressarcidas pelos danos materiais, físicos, morais e emocionais sofridos”, destaca a Coordenadora Geral do Centro de Atendimento à Vítima do MPAC, Patrícia Rêgo.
Escutar para acolher
Em meio ao isolamento social em decorrência da pandemia da covid-19, as recomendações principais são evitar aglomerações e permanecer em casa o máximo possível, entretanto lar para as mulheres do estado não é sinônimo de segurança. Afinal, 68% dos casos de feminicídio ocorreram justamente nas casas das vítimas. “Esses crimes ocorreram, em regra, na casa, como instrumento doméstico (faca), e no horário de descanso (noite e madrugada). O lar que deveria ser um local de descanso, sossego e afeto, é, portanto, um local de dor, sofrimento e morte”, ressalta Patrícia Rêgo.
Diante desses dados, mesmo em meio à crise sanitária, o MPAC não parou de atuar, protegendo, analisando e investigando os casos e seus índices. Durante o mês de setembro de 2021, no 1º Encontro de Procuradores-Gerais de Justiça e Corregedores do Ministério Público da Região Norte, foi oficialmente instalada a Ouvidoria das Mulheres no Ministério Público do Estado do Acre.
O canal especializado em receber denúncias de violência doméstica e familiar ilumina o problema que por diversas vezes não é simples de resolver e, assim, possibilita a implementação de medidas como o programa de educação de gênero e diversidade que será realizado em 2022, em parceria com a Prefeitura de Rio Branco.
Feminicídio em números
É difícil solucionar um problema antigo. Além do machismo estrutural imposto na sociedade, há ainda a demora em solucionar os casos. ”Em 90% dos casos, testemunhas indicaram que o companheiro já havia praticado algum tipo de violência. Em alguns inquéritos há registro de violências constantes antes do crime. Verificamos mulheres com medidas protetivas e outras que já haviam solicitado ajuda a familiar ou amiga para sair do ciclo de violência. Em alguns casos, a vítima já havia pedido a separação e o motivo acaba sendo “porque o companheiro não aceitava o fim do relacionamento”, afirmou a procuradora.
Relacionamentos estes que na maior parte dos casos envolviam famílias inteiras. A maior parte, cerca de 21 das 37 mulheres assassinadas, eram mães que deixaram 46 órfãos e órfãs, a maioria crianças com idade de 0 a 12 anos. Como diminuir a dor do luto dos filhos e evitar novas mortes?
Visando garantir o pleno acompanhamento e transparência do processo, desde a data da ocorrência do fato, a instauração da denúncia e conclusão com informações sobre a sentença e pena dos acusados, surge, também em setembro de 2021, o Feminicidômetro. A ferramenta busca, assim, restaurar ao menos um pouco a integridade das vítimas e suas famílias.
“O amor não mata”
É importante ressaltar que ações são realizadas o ano inteiro em busca da prevenção e a redução dos casos. Afinal, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), no mundo, a cada 10 minutos um homem mata uma mulher que é ou foi sua companheira. O destaque durante o ano de 2021 é também a campanha “O amor não mata”.
Segundo a procuradora Patrícia Rêgo, o objetivo é esclarecer os riscos de um relacionamento abusivo e indicar os canais em que a vítima pode procurar ajuda para romper esse ciclo de violência, evitando, então, que essa mulher seja a próxima vítima.
Há esperança
Não é fácil quebrar o ciclo, mas também não é simples continuar nele. Superar o obstáculo do medo, denunciar e buscar ajuda é romper preconceitos, às vezes até pessoais, e ir contra as estáticas. É decidir por si mesma.
Ao sair de relacionamentos abusivos é importante ter uma rede de apoio e reestruturar sua vida, como reforça Rêgo, ”para minimizar ou elidir outros efeitos traumáticos, impedindo-as que retomem a condução de sua própria vida, suas atividades laborais e comunitárias.”
O MPAC ao contar com uma equipe especializada para atender as vítimas com diversos profissionais, desde psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e advogados, na instituição ou em visita domiciliar busca reintegrar essas mulheres dando-lhes uma reparação efetiva dos danos sofridos.
Se você é vítima ou conhece alguém que sofre qualquer tipo de violência, busque ajuda. Basta buscar na loja virtual do celular por “CAV” ou “Ministério Público do Acre”. Também é possível ligar ou mandar mensagem pelo WhatsApp (68) 99993-4701 ou pelo e-mail: cav@mpac.com.br.