Com menos de um milhão de habitantes, o Acre está entre os estados brasileiros com as maiores taxas proporcionais de feminicídio, frequentemente ocupando os primeiros lugares desse ranking nacional. Em uma realidade que parece um ciclo contínuo, os casos de feminicídios e tentativas ocorrem em sequência, como se um acontecimento trágico desencadeasse outros.
Para entender as causas desse fenômeno, conversamos com a psicóloga Madge Porto, pesquisadora e professora da Universidade Federal do Acre (Ufac), e com Maria Eliana, mãe de Paula Gomes, vítima recente de um desses crimes brutais. Madge Porto, especialista em comportamento e pesquisadora na área da violência de gênero, aponta que a violência contra a mulher é um fenômeno endêmico e enraizado na sociedade.
“O feminicídio é o grau mais elevado de uma violência que se inicia com agressões menores, muitas vezes naturalizadas ou invisíveis. Quando permitimos que pequenas violências passem despercebidas, estamos construindo o caminho para crimes mais graves”, afirma.
A especialista ressalta a necessidade de encarar o problema de frente, uma vez que “a violência não pode ser a resposta para conflitos”.
Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública reforçam a urgência de mudanças. Em 2023, o Brasil registrou um recorde de feminicídios e tentativas de feminicídio, e o Acre, proporcionalmente, se destacou com números alarmantes.
“É preciso que isso seja visto como prioridade por todos: governo estadual, municipal, legisladores, universidades e pela própria sociedade civil. Precisamos nos unir para resolver essa questão, pois não podemos aceitar que mulheres, filhas, mães e irmãs vivam sob a ameaça constante de violência e morte”, afirma Madge Porto.
O caso de Paula Gomes da Costa, assistente odontológica de 33 anos, morta pelo ex-marido Jairton Silveira Bezerra, 45, gerou grande comoção. O crime ocorreu na frente da filha do casal, de apenas seis anos, e trouxe à tona a recorrência de casos semelhantes. Paula havia feito uma denúncia contra o ex-companheiro e possuía uma medida protetiva. No entanto, a violência se concretizou, e a morte revela a vulnerabilidade das mulheres, mesmo quando buscam proteção.
Em um áudio gravado antes da morte, Paula relatava à mãe uma das agressões sofridas. “Oi mãe, eu tô bem, mãe, só que ele veio me bater ontem, quebrou meu telefone, mas estou bem, nós estamos em casa”, desabafou a vítima.
Após cometer o crime, Jairton fugiu e permaneceu foragido por quase dez dias, antes de se entregar à polícia. Agora, Dona Maria Eliana, mãe de Paula, luta por justiça para a filha. “Eu só peço justiça. Ele tirou a vida dela na frente da nossa neta e do próprio pai, que ainda foi empurrado por ele e se machucou. Minha filha tinha um futuro pela frente, e ele destruiu isso”, disse ela.
Maria Eliana ainda relata o impacto emocional na neta de seis anos, que presenciou a morte da mãe. “Ela foi levada para a casa da tia logo após o crime, mas a dor e o trauma que ficaram são imensuráveis”, desabafa. Para Madge Porto, a violência de gênero está profundamente ligada a normas culturais que mantêm a mulher em posição de subordinação e tornam difícil para muitas delas saírem de relacionamentos abusivos.
“O Acre tem uma cultura patriarcal forte, que legitima comportamentos violentos e de controle”, aponta. Ela defende a criação de políticas públicas e a implementação de discussões sociais que abordem o problema de maneira sistêmica, visando desconstruir essas normas.
Para além do endurecimento das leis, Porto afirma que é preciso investir em prevenção, especialmente por meio da educação. “As novas gerações devem crescer em um ambiente onde o respeito e a igualdade são a base das relações. Só assim poderemos construir uma sociedade onde casos como o de Paula sejam evitados.”
Emocionada, Maria Eliana desabafa sobre a dor que sente com a perda da filha. “A saudade é muita, e só me resta me agarrar à minha neta. Minha filha era linda e tinha sonhos, mas ele não deixou ela viver. Agora eu só peço justiça, por ela e por todas as mulheres que estão em perigo.”
Matéria produzida pelo repórter Marilson Maia para a TV Gazeta.