Como muitos de vocês, ao acessar as redes sociais na manhã do dia 16 de dezembro, me deparei com a notícia dos mandados de busca e apreensão no gabinete e na casa do governador.
Nas palavras do Jornal Nacional, o governador do Acre, Gladson Cameli, “é alvo de operação da Polícia Federal sobre desvio de R$800 milhões em recursos públicos”. Segundo o portal de notícias G1, além de Gladson, no Acre também são alvos da investigação o seu primo, a sua chefe de gabinete e o seu chefe de segurança. Um empreiteiro já foi preso.
A notícia me fez lembrar dos imbróglios que envolveram o Sistema de Interceptação de Sinais – o famigerado GUARDIÃO.
Operado pela Secretaria de Estado da Justiça e Segurança Pública do Acre, a função do Guardião é, sobretudo, possibilitar o famoso “grampo telefônico”. Ou seja, permitir que as autoridades realizem a escuta e o monitoramento de alvos em investigações.
Durante o governo Tião Viana, foi levantada e investigada a suspeita de que o Guardião estaria sendo utilizado ilegalmente para praticar “espionagem eletrônica” contra adversários políticos. À época, blogueiros e jornalistas que não se alinhavam com o governo petista compraram a narrativa. Nada se provou.
Tecnicamente, no Brasil o grampo convencional – como o possibilitado pelo GUARDIÃO -, depende de autorização judicial para funcionar.
Neste caso, após um juiz autorizar a interceptação telefônica de um suspeito, cópias dos áudios passam a ser automaticamente desviadas às autoridades pela operadora telefônica. E da mesma forma que se inicia, a interceptação é encerrada: basta determinação do Judiciário.
Como o sistema de telefonia fixa e móvel é arcaico, outras formas de grampos telefônicos são, sim, possíveis. Mas nada práticas, pois frequentemente exigem proximidade física com o aparelho alvo da escuta – no caso de celulares -, ou mesmo manipulação direta das conexões do sistema de telefonia, para telefones fixos.
O fato é que hoje a vida dos criminosos é muito mais fácil.
Graças às tecnologias criptográficas, é impossível a interceptação telefônica de ligações de WhatsApp e de outros aplicativos de comunicação que implementam criptografia forte – como iMessage, FaceTime e Signal.
“Criptografia funciona”, disse Edward Snowden, ex-analista de inteligência e responsável pelo vazamento de documentos confidenciais da NSA – a agência de segurança nacional norte-americana – em 2013.
Não importa se você é um hacker, um espião ou mesmo a força policial de um governo com gordo orçamento: criptografia é matemática. E é por isso que, quando corretamente implementada – como no caso dos aplicativos que citei -, é impossível quebrá-la.
“Criptografar” é ofuscar informação. Na prática, significa que numa tentativa de grampear uma ligação dessas, a autoridade não conseguirá ouvir nada além de ruído.
E a palavra já corre por todos os cantos do governo. Se você trabalha no setor público, talvez já tenha ouvido falar de um ou outro político ou servidor que só conversa por ligação de WhatsApp – e foge de um telefone fixo ou ligação de celular como o diabo foge da cruz.
Bem, conhecimento é técnico e público. E, dizem, salva. O trabalho da justiça já foi mais fácil. Felizmente, mesmo com os avanços da tecnologia, aquela máxima investigativa ainda parece funcionar: follow the money! (“siga o dinheiro”).
E salve-se quem puder.
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Em tempo: note-se que me refiro às ligações de áudio e vídeo realizadas por esses aplicativos. Elas são efêmeras – tão logo você desliga, seu conteúdo se perde. O que não quer dizer, é claro, que SE alguém tiver acesso prévio ao seu celular, não poderá instalar um app que interfira em seu aparelho, contornando a criptografia.
Mas isso é assunto para outro texto.
Gustavo Cardial é especialista em Computação Forense, mestrando em Ciência da Computação e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre (Ifac)