Às mulheres que inspiram, fortalecem e transformam o mundo! Toda mulher é um universo de possibilidades, poesia em movimento, força em cada passo e graciosidade em cada gesto. Sinônimo de resiliência, sabedoria e superação, Maria Zenaide, de 66 anos, é parteira, cantora, compositora, professora, agente social e, acima de tudo, mulher. Ela nunca desistiu dos sonhos e sempre acreditou na superação e na mudança. Contribuiu para o nascimento de centenas de pessoas, e encantou não apenas os brasileiros, mas também o público internacional com músicas e composições autorais.

Zenaide, nasceu no dia 7 de maio de 1957, atualmente residente em Rio Branco, Acre, compartilhou conosco a emocionante jornada de vida, marcada por desafios e superações.
Originária do Seringal-Bela Vista, no Alto-Tarauacá, acima de Vila Jordão, em uma localidade conhecida como Chapéu de Sol, Maria Zenaide é filha de Aderaldo Rodrigo de Carvalho e Maria Adélia de Sousa Fontelli. Cresceu em uma família de baixa renda, enfrentou uma infância permeada por dificuldades após a separação dos pais, que deixou a mãe com dez filhos.
Em meio a escassez, a família encontrava o sustento através de métodos simples, como a pesca com anzol para capturar peixes pequenos e o cultivo de mandioca. Durante esse período de privações, passaram por uma fase de extrema dificuldade que perdurou por dez meses. A volta do pai trouxe certo alívio, mas a situação só se estabilizou quando se mudaram para uma colocação próxima ao Rio Ruá, denominada Santo do Monte, pertencente ao Tarauacá.
A parteira permaneceu nesse local até os 14 anos, desempenhou um papel ativo nas atividades diárias da família, como cortar seringa, roçar, plantar milho, arroz, feijão, e mandioca. Uma infância marcada pelo trabalho árduo e pela superação constante.
Aos 14 anos, embarcou em uma nova etapa ao mudar-se para Tarauacá, residindo com a tia Lozenira, irmã da mãe. Foi nesse período que teve a oportunidade de aprender a ler, escrever e assinar o próprio nome, o que abriu portas para o conhecimento e possibilitou uma trajetória diferente.
Aos 15 e 16 anos, ela explica que tomou a decisão de iniciar os estudos de maneira mais séria. Ao retornar à casa da mãe, encontrou um ambiente mais propício para dedicar-se aos estudos, pois, na residência da tia Lozenira, ela se sentia sobrecarregada com responsabilidades desproporcionais. As duas filhas moças de Tia Lozenira pouco contribuíam, e Maria Zenaide era chamada de “pobretona”, para destacar a diferença social entre elas.
“Com a idade de 15, 16 anos, eu comecei a estudar mesmo de verdade. Eu voltei para a casa da minha mãe e aí comecei a estudar, porque lá na casa da Tia Lozenira era assim, eu era escrava. Ela tinha duas filhas moças, mas elas não faziam nada, tudo era eu que fazia. Me chamavam de pobretona, que eu era pobre, não tinha nada. E elas eram ricas, né”, diz.

Ela esclarece que decidiu fugir e buscar refúgio na casa do pai. A oportunidade surgiu quando o tio ia para o Jordão, e ela pegou a passagem escondida, e enfrentou três horas de viagem em condições adversas. Ao chegar ao Jordão, o pai a recebeu e, ao longo do tempo, ela construiu uma vida ao lado de Dejalmo, o parceiro e cônjuge. Apesar das dificuldades enfrentadas por ambos, encontraram apoio mútuo e construíram uma vida sólida juntos.
“Foi passando, e eu me casei com esse homem que hoje eu estou com ele, que é o Dejalmo, o meu parceiro, o meu cônjuge, ele é uma pessoa que sempre está ao meu lado, me dando força, me ajudando. Estou casada com ele há 52 anos”, enfatiza.
Ao longo dos anos, ela se dedicou ao aprendizado, realizou cursos como agente de saúde comunitário, agente de saúde para trabalhar com medicamentos e auxiliar de enfermagem e conquistou o segundo grau nessa área. Além disso, tornou-se professora, o que possibilitou contribuir com a alfabetização de 60 pessoas, entre crianças e adultos, em uma localidade chamada Machadinho, onde residia.

Dava aulas e recebia borracha como forma de pagamento, Maria Zenaide encontrou maneiras criativas de sustentar a família. O marido seringueiro, contribuía para essa renda na produção da borracha. Com esforço conjunto, conseguiram transformar as vidas e, eventualmente, abriram portas para novas oportunidades.
Como nasceu a Zenaide Parteira
A reviravolta na vida da professora veio com a decisão de buscar conhecimento fora do Acre. Durante quase um ano, Maria Zenaide esteve em Pernambuco, onde participava de cursos de terapia e parteira. Combinava saberes científicos e populares, ela desenvolveu uma abordagem única para a prática, no qual enxergava a importância de entender a vida e as dificuldades enfrentadas.

Zenaide, esclareceu que se tornou parteira influenciada pela tradição da mãe, uma parteira experiente, com isso, abraçou a arte de partejar. Com mais de 320 partos realizados ao longo da vida, ela destaca a importância dessa profissão e o papel fundamental que desempenhou, especialmente durante a pandemia, quando realizou 20 partos em Rio Branco.
“Eu comecei a partejar, porque a minha mãe era parteira fina. Já tenho 320 partos e só no tempo da pandemia, eu fiz 20 partos aqui em Rio Branco. Minha mãe fazia parto, eu acompanhava ela e daí eu comecei a partejar e hoje é uma das melhores profissões para mim. E os desafios da vida sempre vêm, mas sempre as bondades vêm também”, comenta.
Com apenas dez anos, ela deu início à jornada como parteira, realizou o primeiro parto por uma necessidade urgente. Naquela época, a mãe e tia estavam grávidas, ambas prestes a dar à luz quase simultaneamente. Com apenas uma parteira disponível, que era a tia, e a presença de homens no ambiente, Maria Zenaide, uma das poucas mulheres presentes, assumiu um papel crucial na assistência aos nascimentos.
O contexto da época envolvia a discrição em torno dos partos, e Maria Zenaide, apesar das normas sociais, era curiosa e ávida por aprender. A experiência de observar e auxiliar nos partos não convencionais foi vital para o crescimento profissional.
Com o tempo, ela explica que acumulou uma notável marca de 320 partos, sendo a maior parte deles realizada nas comunidades rurais de Marechal Thaumaturgo, incluindo regiões como Baixo Taumaturgo, Alto Taumaturgo, Igarapé, Machadinho, Riozinho, Manteiga, Dourado, Téjo, Machadinho e Juruá e chegou até as cabeceiras do Bajé. Em Marechal Thaumaturgo, onde 66 parteiras estão cadastradas, Maria Zenaide se destacou devido ao treinamento em Pernambuco e à sua experiência como parteira fina.

Ela enfatizou que duas situações excepcionais marcaram a carreira, quando foi solicitada para realizar partos em São Paulo. Mulheres a buscaram pessoalmente no Acre para contar com a experiência dela.
Zenaide reflete sobre a carreira com uma gratidão palpável e um profundo senso de realização. Nas próprias palavras, ela compartilha a alegria que sente ao assistir o nascimento de cada criança, e descreve o momento como o desabrochar de uma flor. A paixão pela arte de partejar é evidente, e destaca como é lindo trazer novas vidas ao mundo.

Novas descobertas
Além das habilidades como parteira, Maria Zenaide também é uma compositora talentosa e criou músicas especiais para cada nascimento. A parteira explicou que uma dessas canções foi dedicada a Moara, nascida em 2019. Ela canta a letra com carinho, e lembra a data do nascimento e esperança por meio da música.

“Eu amo fazer parto, porque eu acho muito lindo, quando nascem as crianças, eu faço a música para o nascimento delas. Eu fiz uma música para uma criança que nasceu em 2019, o nome dela é Moara”, comenta.
Ela enfatiza que se apresentou em locais renomados como o Sesc em Rio Branco, Brasileia, Cajarão e Museu dos Povos Acrianos. O talento também a levou a palcos em outros estados, incluindo São Paulo, onde ela realizou shows no Sesc local e na Escola de Música, além de apresentações ao ar livre, como no Lago do Amor.
“Aqui em Rio Branco, eu canto no Sesc, já em Brasileia, me apresento no Cajarão. Tem mais outros lugares que eu não estou lembrada agora. Até em uma bar que tem próximo da Gameleira. Fiz show na Escola de Música, como também na Fundação Garibaldi, ar livre, no Lago do Amor”, diz

A internacionalização da carreira musical aconteceu em 2018, quando Maria Zenaide e a equipe embarcaram para a Espanha, e realizaram cinco shows em diferentes cidades durante os vinte e dois dias que passaram no país. O retorno ao Brasil incluiu apresentações e palestras em São Paulo e Campinas, onde compartilhou a experiência como parteira e discutiu temas relacionados ao parto, nascimento, placenta, ovário e útero com parteiras locais.
“Em 2018, a gente foi para Espanha, passamos 22 dias, realizamos cinco shows também. Voltamos para São Paulo, fomos pra Campinas, no interior. Fiz duas apresentações, uma palestra com as parteiras de lá, sobre o parto, o nascimento, placenta, ovário, o útero e dentre outros assuntos”, comenta Zenaide

Em 2016, ela participou do Encontro Internacional de Parteiras na Bahia, acompanhada da banda, “Alexandre e os meninos”. Esse evento singular proporcionou a Zenaida a oportunidade de se apresentar ao lado de outras talentosas cantoras, não apenas da terra natal, mas também de Salvador. A pluralidade de vozes e estilos enriqueceu ainda mais a experiência, e consolidou a presença como artista internacional.
A vida de Zenaide como cantora, no entanto, não é apenas sobre palcos ilustres e viagens emocionantes. Ela destaca a falta de valorização cultural no Acre, onde os ganhos financeiros em apresentações são modestos. Mesmo com desafios econômicos, Zenaide encontra alegria e realização em ser uma cantora, pois para ela, a música é vida e diálogo.
“Me sinto feliz em ser cantora, porque o estado em que eu moro não dá valor à cultura. A gente vai fazer um show aqui e ganha bem pouquinho. Fiz um show em Rio Branco, para ganhar R$ 200,00 e repartir com a banda. Um show estrondando, cantando 12 músicas, com músicas de minha autoria”, afirma a cantora.
A música autoral sobre a “Mulher Empoderada” não apenas reflete as convicções, mas também recebeu uma recepção calorosa, e marcou momentos significativos na jornada dela. Zenaide destaca a importância do empoderamento e ressalta que, com a ajuda de amigos e amigas, ela é capaz de realizar qualquer objetivo.

Além de cantar músicas que já fazem parte da trajetória, Zenaide destaca o talento como compositora. Desde a infância, ela entoava canções em festas ao lado do pai, mas foi em 2017 que ela descobriu o potencial como compositora, e hoje tem 728 músicas autorais.
“Desde pequena eu cantava com meu pai nas festas, só que a composição não era minha, era outros, mas depois descobri que eu ia ser uma cantora mesmo. Comecei a fazer minhas músicas, a primeira que eu fiz, ainda hoje me lembro, é muito bonita, fala sobre amor a distância. Tenho 728 músicas”, diz ela.
A descoberta do talento como compositora foi facilitada por Alexandre Ancel, que reconheceu a autenticidade e riqueza nas letras de Zenaida. A partir desse momento, a paixão pela música se transformou em uma jornada autoral que ressoa com os corações daqueles que têm o privilégio de ouvi-la.
Desafios e ações comunitárias
Ao compartilhar a experiência mais desafiadora, Maria Zenaide relembra o momento em que teve que assistir ao parto de uma jovem de apenas 11 anos. Ela, que também atuava como auxiliar de enfermagem na época, descreve o parto como um dos mais difíceis da vida. O bebê nasceu com seis quilos e seiscentas gramas, quase sete quilos, um peso notável para um parto tão delicado. Ela destaca o apoio crucial de uma enfermeira durante esse episódio intenso.

“O momento mais difícil que eu tive na minha vida, na arte de partejar, foi assistir uma criança grávida. Ela tinha 11 anos e 9 meses, ia fazer 12 anos. Veio ter o filho na unidade de saúde lá de Taumaturgo, mas eu trabalhava como auxiliar de enfermagem, mas nessa época o médico não estava na unidade”, destaca.
Apesar das dificuldades, Maria Zenaide enfatiza que todos os 320 partos foram bem-sucedidos, exceto esse em que a intervenção divina foi essencial. A formação inclui experiência como auxiliar de enfermagem, com atuação na saúde e como agente de saúde, onde desempenhou um papel vital em comunidades na zona rural de Marechal Thaumaturgo.

Na região do Machadinho, às margens dos rios Bajé, Tejo, Riozinho e Machadinho, Maria Zenaide trabalhava, com oferecimento de cuidados desde curativos até a administração de medicamentos para malária. Em meio a uma epidemia de malária, ela era uma presença reconfortante, e ajudou na recuperação de muitas pessoas.
66 anos de Zenaide
A vida de Maria Zenaide é uma jornada única que une a paixão pela saúde e música. Os shows não só encantam o público, mas também inspiram comunidades e promovem a importância do conhecimento sobre a saúde da mulher.

Aos 66 anos, Zenaida transborda vitalidade e inspiração e revela que a verdadeira realização está enraizada em na conexão com a vida, o universo e, principalmente, a natureza. Para ela, a natureza é uma fonte inesgotável de melodias e conhecimentos, o que proporcionou um aprendizado constante sobre medicamentos naturais e maravilhas que cercam nosso mundo.

“Me sinto muito realizada abaixo de Deus”, diz Zenaide, ao atribuir a felicidade à presença divina na vida. A filosofia de semear o bem e colher bons frutos é evidente nas relações interpessoais, onde a amizade é cultivada como uma planta preciosa. Com amigas de diversas partes do país, elas se aproximam de Zenaide em momentos especiais, como Natal, Dia da Mulher e Dia da Parteira para aproveitar os momentos de alegria e as canções dela.

Reportagem feita com produção da jornalista Gisele Almeida