A luta pela vida e por políticas públicas que visam o reconhecimento e bem estar social das mulheres, não é uma grande novidade para a nossa sociedade atual. Desde os períodos que remontam a uma história pré-colonial e colonial, observa-se a resistência de mulheres em suas diversas localidades. Tratando-se da história de mulheres negras, africanas, e latino-americanas essa veemência pelo existir está presente em todos os períodos da história até atualmente.
Na América a movimentação de mulheres negras surge ao passo que o sistema escravista, e com ele o racismo em suas variadas dimensões, tenta legitimar a suposta subalternação de pessoas negras escravizadas. Com o avançar dos séculos e as pressões políticos-econômicas, os países americanos deixaram de utilizar do sistema escravocrata, e a partir disto, com a ascensão do movimento negro em todos os países, buscou-se que os Estados instituissem e aplicassem ações reparativas reconhecendo a incansavel luta por liberdade. Com isso, grupos sociais negros se organizaram ao longo dos anos, inclusive grupos de mulheres negras, pensando a luta contra o racismo e contra o machismo.
Considerando essa realidade, a professora e ativista Lélia Gonzalez destaca em seus escritos que a participação de mulheres negras está mais ligada à base social popular da sociedade, pois é nela que elas se encontram e sobrevivem às crises vividas e combinadas pela discriminação racial e patriarcal.
Ocasionalmente, na década de 1970, no Brasil, é que se percebe uma maior consolidação do Feminismo Negro no Brasil. No entanto, a formação de comunidade e grupos para construção de uma resistência mais materializada data desde o período do Brasil Colônia. Quilombos foram formados com o intuito de proteger negros e negras escravizados, bem como aqueles que fugiam da escravização nas fazendas e grandes casas. E muitos foram formados em quase toda a extensão territorial do Brasil. No entanto, apenas as figuras masculinas ganharam foco ou foram lembradas mais popularmente nos primeiros anos de formalização de ações afirmativas no Brasil, mais precisamente no início da década de 2000. Para além de Zumbi dos Palmares, Dandara e Luiza Mahim, tivemos outras grandes figuras imponentes na resistência quilombola.
Na busca insistente pela representatividade negra, a década de 1990, período importante para a discussão internacional da questão racial em esferas antes ignoradas, é marcada pela ocorrência de eventos realizados pelos coletivos de mulheres negras em diversos países da América do Sul. A exemplo disto, no ano de 1992 realizou-se o 1°Encontro Internacional de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas, sob organização e reivindicação dos Movimentos Feministas Negros da América Central.
Com a participação de mais de 32 países representados por ativistas de movimentos negros, o encontro ocorreu em Santo Domingo na República Domicana. Buscou-se discutir direitos para mulheres negras e propôs-se a criação da Rede de Mulheres Latino-Americanas. No mesmo ano, a Organização das Nações Unidas (ONU), junto a rede criada, determinou o dia 25 de Julho, como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. Dia, este, celebrado todos os anos na maioria dos países latino-americanos.
Em todos os anos, desde a criação do dia, os Movimentos Negros se reunem para a discussão sobre o bem viver de mulheres negras e suas comunidades, como a afirmação de seus direitos políticos e econômicos.
No Brasil, a data que remete a representatividade e luta da mulher negra na sociedade será institucionalizada somente no ano de 2014, por meio da Lei N° 12.987/2014. O Dia Nacional de Tereza de benguela e da Mulher Negra, emana de toda a luta do Movimento Negro Feminista brasileiro por reconhecimento pelas personalidades negras que contribuiram para a resistência negra no período colonial e consequentemente até os dias atuais. Tereza de Benguela foi uma líder quilombola, do quilombo de Quariterê, localizado mais precisamente na atual região onde encontra-se o Estado do Mato Grosso, nas proximidades das margens do Rio Guaporé.
Dentre os seus feitos, a mais presente em documentos e jornais da época, é a sua inteligente maneira de liderança do quilombo entre os anos de 1750 e 1770. Acredita-se que Tereza instituiu um parlamento com conselhos e conselheiros, ao qual eram responsáveis por casas e atividades específicas. E a sua forma de governar durou em torno de 20 anos, até os diversos ataques trágicos sofridos ao quilombo, ocasionando a morte e captura de diversos quilombolas e indígenas, que também faziam parte da comunidade.
O Quilombo de Quariterê não resistiu às inúmeras invasões sofridas, e findou-se entre os anos de 1790, com a fuga de alguns poucos guerreiros quilombolas. Segundo as considerações de documentos expedidos pela Fundação Palmares.
A história ainda é uma das áreas científicas responsáveis em buscar mais detalhadamente as evidências que comprovam a participação e construção de cargos de lideranças quilombolas no território brasileiro. A necessidade de aplicação da história e cultura afro-brasileira em escolas de educação básica demonstrou que para além do entendimento do que tenha ocorrido com a população negra, é de extrema importância para a formação escolar e identitária que crianças e adolescentes conheçam grandes exemplos de personalidades que fazem parte da história ancestral do nosso país.
Tereza de Benguela ainda é um dos grandes nomes de liderança da resistência quilombola do período colonial do Brasil, o seu nome ecoa em todos os ares quando falamos de força, inteligência e bravura. Conhecer a sua história é saber que, além das atrocidades vividas durante a escravização, a população negra africana e brasileira resistiu até seus últimos dias. Rememorar sua história é conectar-se com a ancestralidade negra e positivar a existência de pessoas negras.
E você?! Gostou de saber mais um pouco sobre a resistência de Mulheres Negras?
_____
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro latino americano. Brasil: Zahar, 2020.
LACERDA, Thays de Campos. Tereza de Benguela: identidade e representatividade negra. Revista de Estudos Acadêmicos de Letras, v. 12, n. 02, p. 89-96, 2019.
Ellen Cristina Setubal Brito – Bacharelanda em História pela Universidade Federal do Acre (Ufac). Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Acre (Neabi/Ufac).