“Mas quando foi que a gente se perdeu, hein? Nós crescemos tudo junto” é uma dúvida que costura toda narrativa
“Noites Alienígenas” não é apenas uma crônica do nosso momento. A produção acriana da Saci Filmes, com direção assinada por Sérgio de Carvalho, revela o instante de crises de toda ordem, em vidas tatuadas pela desesperança. Rio Branco, local da trama, é um detalhe. Não seria exagero dizer que os cacos de vidas, teimadas por Alê, Rivelino, Sandra, Paulo, Beatriz, estão em todo lugar. Por alguns instantes, o Acre é o mundo.
Estão em “Noites Alienígenas” todos os elementos do nosso tempo: o tráfico e comercialização de drogas; a solidão, o câncer das facções se espalhando entre jovens quase sem perspectivas, a dependência química. “Mãe! Eu tô fudido, mãe! A senhora sabe o que vai acontecer comigo, né?”, pergunta o dependente químico Paulo, personagem do ator Adonilo Reis, em uma atuação densa e surpreendente.
O transe das igrejas protestantes entranhadas nas periferias também faz parte da cena. O Cristo decorado em versículos de ocasião integra a rotina excludente. Mas o intrigante é que quando a mãe de Paulo, de ascendência indígena, se vê desesperada com a possibilidade de ver o filho morto pelas facções, é aos xamãs a quem ela recorre. E é atendida.
Há, no entanto, um fio de esperança. E ele está representado na figura de Sandra (Gleice Damasceno). Está na fala dela, em um diálogo às margens do Rio Acre com a amiga Kika (Kika Sena), a dúvida que oferece sentido a tudo o que se propõe o filme. “Mas quando foi que a gente se perdeu, hein? Nós crescemos tudo junto”, busca Sandra.
Pensar em estudar Medicina na Bolívia, participar de clash (disputas de rap), grafitar são exemplos de buscas de expressão indenitária. São caçadas por perspectivas, formas de se posicionar em um mundo que insiste em não oferecer afeto como uma relação humana por excelência.
Não é recomendável assistir a “Noites Alienígenas” exigindo cenas de corpos decapitados ou imitações baratas da crônica policialesca. Não é filme também para quem está acostumado a vídeo clips nervosos com sirenes e perseguição policial. As tomadas são intimistas, lentas. Dialoga mais com o clássico cinema europeu e menos com o frenesi norte-americano.
O tratamento de áudio é um destaque. A fissura de Paulo a caminho da casa da mãe, ouvindo os latidos de cachorros e barulhos do cotidiano como elementos de perseguição em consequência do uso de drogas é um ponto a se ressaltar. Naquele momento, o áudio espelha e grita o que compõe a alma da personagem.
Por fim, tem-se o jogo dramático entre Rivelino (Gabriel Knoxx), Beatriz (Joana Gatis) e Alê (Chico Diaz). A orientação de Alê, logo no início do filme, para o jovem “Riva” cria uma referência de alguém que busca escapar dos padrões.
“Tu tem que entender, cara, que dentro desse mundo tem outros mundos. E dentro desses outros mundos tem outros mundos. Pra mim, otário é aquele que fica num mundo só”, ensina Alê. No filme, a todo o instante, as personagens demonstram estar nesse movimento sugerido pelo experiente traficante. Elas só não sabem direito aonde ir.
Beatriz é a mãe solitária, linda e também com o seu punhado de buscas a trilhar. Como a mulher que apresentou as portas do Inferno ao poeta, Beatriz ofereceu um mundo com poucos encantos ao filho “Riva”.
Os conselhos da mãe não ouvidos por Rivelino os levaram à abdução final. O que conta a favor do jovem é que esse instante fatal lhe chega por uma decisão de natureza ética em que ele não teve tempo para vacilos.
A indignação da mãe Beatriz pelo destino do filho foi embalada por uma música que ganha cor de drama às margens do Rio Acre. “Porto Solidão”, de Jessé, preenche a agonia de vidas que buscam travessias sem um rumo preciso. Uma espécie de terceira margem em que todos estão no mesmo barco sem ter onde aportar.