Imagem: SINTRAJUFE, 2023
O direito dos povos indígenas em suas terras está garantido na Constituição Federal de 1988 no art.231. Os direitos indígenas são direitos originários, ou seja, eles antecedem a formação do estado. Porém, está sendo alvo de contestação com a tese do marco temporal PL 490, tese esta, que é de autoria do deputado Homero Pereira, que foi líder da bancada rural e presidente da Frente Parlamentar Agropecuária – FPA. Ou seja, o marco temporal, ameaça os territórios e não dá direito a suas terras. Os territórios começam a ser ameaçados por um grupo específico, que tem apenas interesses individuais.
Historicamente os povos originários sempre tiveram seus direitos negados, começa com as caravelas, em seguida com invasões, garimpo ilegal, madeireiros, caçadores, e ainda querem impor uma lei que garanta juridicamente a invasão aos territórios.
Será que ainda não foi o suficiente o que vem acontecendo com as populações indígenas desde os primeiros contatos? Até quando essa população tem que estar à mercê do que os “outros” acham o que é melhor ou não?
Os povos indígenas reivindicam a demarcação dos seus territórios, pois a garantia da demarcação garante a vida, a continuidade de futuras gerações, a continuidade da história do povo, garante a sobrevivência do meio ambiente, da mãe terra.
O que garante o Marco Temporal?
O marco temporal é uma tese jurídica que vai contra o direito dos povos indígenas e que afeta diretamente os processos de demarcação de terras indígenas. O Projeto de Lei 490 foi aprovado na câmara dos deputados, por 283 votos a favor, 155 contra e uma abstenção e chegou ao senado, onde vai tramitar com novo número PL.2.903/2023.
A tese destaca que apenas teriam direito sobre suas terras aqueles que já as ocupavam no marco do dia 5 de outubro de 1988, em caso de disputa por terra, seria necessária uma comprovação na justiça de que havia uma disputa em curso no momento da promulgação da constituição. Ou seja, um grupo que historicamente ocupa um território, mas que não estava nele na data exata estabelecida, pode ficar sem o direito à demarcação.
Vale ressaltar que, no fim dos anos 1980, os povos indígenas ainda eram tutelados pela FUNAI e não podiam por iniciativa própria entrar com uma ação contra invasão de suas terras, e muitos povos por estarem em recente contato, ainda não sabiam falar português, quanto mais se defender de uma ação judicial.
A tese nega que os povos indígenas passaram por um momento de expulsão de suas terras na época da ditadura e que ainda vem sofrendo ataques contra seus direitos como é o exemplo do povo Munduruku em Roraima que constantemente são atacados pelos garimpeiros, e com isso aumenta mais a ainda a violência contra esses corpos territórios.
O que diz o caso?
O debate é defendido pela bancada ruralista e agricultores que defendem que o marco temporal “acabaria a violência no campo”, trará desenvolvimento econômico no país, e ainda afirma que é “muita terra pra pouco índio”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa o caso que discute a reintegração de posse solicitada pelo instituto do meio ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e os indígenas do povo Xokleng por uma terra que faz parte da terra indígena Ibirama-Laklãno.
O marco temporal entrou em maior debate no caso de disputa do governo de Santa Catarina com o povo Xokleng, na qual um dos ministros do STF deliberou que este caso serviria de base para a decisão do marco temporal. Vale salientar, que a referida etnia, assim como outros povos indígenas do Brasil sofreram grande extermínio que se prolonga desde o período colonial. Infelizmente o exemplo desse extermínio contínuo foi o caso dos Yanomami em Roraima.
Assim, o povo Xokleng teve que se deslocar de suas terras para que fugissem das repressões, e mesmo se deslocando foram vítimas de epidemias trazidas pelo colonizador.
Na imagem, bugreiros posam com mulheres e crianças do povo Xokleng capturadas após ataque ao acampamento, o que prova um contato forçado que afetou os modos de vida deste povo, e isso afetou diretamente o local onde residiam, o que fez com que deixassem suas terras por questão de sobrevivência, muitos só conseguiram retornar às suas terras após 1988.

Nesse sentido, caso aprovada a tese, as terras indígenas demarcadas após 1988 vão sofrer reintegração de posse, assim os indígenas precisam sair de suas terras caso não consigam provar que suas terras foram demarcadas até a constituição de 1988. A tese define uma questão de tempo, o que seria uma “máquina de roer história” segundo Marcus Subaru, assessor político da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB.
Nesse caso, se aprovado, muitos outros territórios poderiam ser reivindicados por interesse particulares de ruralistas e agricultores que querem tomar o pouco de terras que os indígenas que por muitos anos resistiram, ainda tem.
A retirada dos povos indígenas de suas terras, além de ferir a constituição federal de 1988, não se trata apenas de uma questão territorial, e sim econômica, tendo em vista que favorecerá o agronegócio e o garimpo ilegal, além de ser uma questão de sobrevivência da cultura dos povos indígenas.
Andamento votação no STF
O julgamento foi adiado por sete vezes, a última votação em 2022 e retomou em 7 de junho de 2023 com 2 votos contra, e o ministro Nunes Marques votou a favor do marco, porém o ministro André Mendonça pediu vista que é mais tempo para análise, suspendendo novamente a votação.
O que representa o Marco Temporal
A proposta representa um retrocesso pois abre mais espaço para garimpo ilegal, invasão de terras e impactos ambientais.
Segundo Marcus Sabaru, o marco temporal nega que esses milênios todos os povos indígenas estiveram presentes cuidando da biodiversidade.
O marco temporal tira o indígena da história e o reposiciona, reverte o tempo, apaga a memória e muda a história, nega as práticas de sobrevivência, nega a vida.
Uma terra indígena não é substituível por outra área, porque é um lugar sagrado, que tem história, onde se cultiva um modo de ser de cada povo.
A terra é fundamental para a existência da vida e da cultura e tradições dos povos. Se a terra se perder afeta diretamente os modos de vida, pois é da terra, do lugar que se tira o alimento, o sustento, onde está a memória ancestral e toda espiritualidade. A terra significa a manutenção das tradições.
Os povos indígenas são filhos dessa terra, são originários deste lugar e têm o direito de estar em seus territórios demarcados pois a terra é nossa mãe.
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[1] ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL. Não ao marco temporal. Disponível em: https://apiboficial.org/marco-temporal. Acesso: 25 jun. 2023.
[2] BBC NEWS BRASIL. Xokleng: povo indígena quase dizimado protagoniza caso histórico no STF, 25 ago. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57656687 . Acesso: 25 jun. 2023.
[3] BRASIL. Projeto de Lei n. s/n, de 2007. Altera a Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=444088. Acesso: 25 jun. 2023.
[4] GLOBO RURAL ON-LINE. Morre o ex-deputado Homero Pereira. Disponível em: https://globorural.globo.com/Revista/Common/0,,ERT344153-18078,00.html. Acesso: 25 jun. 2023.
[5] SENADONOTICIAS. Projeto do marco temporal das terras indígenas chega ao Senado. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/06/01/projeto-do-marco-temporal-das-terras-indigenas-chega-ao-senado. Acesso: 25 jun. 2023.
[6] SINTRAJUF. DIREITOS INDÍGENAS – Protestos de indígenas se espalharam pelo país em dia de análise do marco temporal no STF; julgamento é suspenso por pedido de vista, 9 jun. 2023. Disponível em: https://sintrajufe.org.br/protestos-de-indigenas-se-espalharam-pelo-pais-em-dia-de-analise-do-marco-temporal-no-stf-julgamento-e-suspenso-por-pedido-de-vista/. Acesso: 25 jun. 2023.
Por Liliane Puyanawa – Bacharela em História, pela Universidade Federal do Acre (Ufac). Pesquisadora no Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígenas da Universidade Federal do Acre (Neabi/Ufac).