O momento exige uma reflexão daquilo que somos enquanto povo e daquilo que forjamos pelas nossas decisões
Na última semana, a sequência de informações escandalosas do noticiário político/policial do Acre exige mais do que indignação, indiferença ou a postura dos críticos de plantão com o clássico “isso não é novidade”. O momento exige uma reflexão daquilo que somos enquanto povo e daquilo que forjamos pelas nossas decisões.
E as decisões têm sido cada vez mais contraditórias. O Acre tem demonstrado uma capacidade extraordinária de se automutilar. E o faz por escolha. Em um Estado em que 46,9% das pessoas vivem com menos de US$ 5,5 diários, ou 16,5% das pessoas driblam a morte usando menos de US$ 1,9 por dia, há parlamentares federais que defendem a extinção da Justiça do Trabalho.
O desgastado argumento de que o ministério é uma exclusividade brasileira é vociferado por uma camarilha. Esses cortesãos expõem o lombo do povo ao chicote de sobrenomes pomposos, sintetizados em um Orleans e Bragança, por exemplo. Há parlamentares do Acre que simpatizam com a ideia. O último a ser notícia por esta simpatia foi o deputado federal Ulysses Araújo (União Brasil/AC).
E o pior é que parte da população, em uma espécie de servidão voluntária, aceita bovinamente o argumento de que com menos fiscalização ou com menos encargos trabalhistas os patrões terão condições de abrir mais postos de trabalho.
Outro foco
Por meio de uma decisão popular, escolheu-se um prefeito que foi destaque nacional por não esconder o apoio à ditadura. O fato aconteceu em novembro do ano passado, mas deve ser sempre lembrando pelos perigos que expõe. Bocalom, o prefeito de Rio Branco ainda saudoso do “milagre brasileiro”, foi o mesmo que bateu boca com merendeiras na semana passada.
_ Prefeito, o contrato é de seis horas. Não é de oito!
_ Não interessa. Se é (sic) seis horas, vai trabalhar seis horas, filha. Dentro das seis horas, vai fazer o que for preciso. Se preciso for colocar mais gente, vai (sic) colocar. Agora, não é fazendo esse tipo de movimento que vai resolver.
“Esse tipo de movimento”, dito pelo prefeito, foi um protesto de merendeiras que exigem reajuste salarial, ao menos o mesmo tanto anunciado aos professores, de 15%, em função do Piso Nacional. O que as merendeiras tiveram como resposta foi que haverá aumento de mais uma refeição aos alunos.
A forma como Bocalom conduz o processo é tão equivocada que é provável que ele contrate mais merendeiras, ofereça algum tipo de bonificação e ainda saia desgastado. Foi assim com os médicos e assim será com outras categorias. Essa forma de trabalhar está na essência de Bocalom. É próprio dele.
Outra imagem
Sobre escolhas do povo e consequências, a Operação Ptolomeu veio para trincar a imagem no espelho. Aquilo que foi registrado pela Polícia Federal representa o povo do Acre? Aquilo somos nós?
A relação dos assessores mais próximos do governador Gladson Cameli com empresários é um vômito; é um escárnio. Pelo que foi exposto, eles falavam e transgrediam as regras como se não houvesse leis; como se não houvesse gente e instituições dispostas a preservá-las. E a postura era tal que o suposto esquema criminoso não parou, mesmo após a execução ostensiva da operação policial.
A lógica de que “no Acre, o governo escolhe quem enriquece e quem empobrece” parece ter encontrado a turma perfeita. Há episódios diversos. Desde os já manjados pagamentos rotineiros de boletos, por meio de depósitos fracionados (“smurfing”), até cobrança de propina por parte de secretário de Estado em obra de reforma do prédio de secretaria.
Há acertos de propinas de 12%; ou de 20%, no caso do reequilíbrio orçamentário das obras; ou transferência de dinheiro de uma empresa do primo do governador, que repassa para outra empresa que compra apartamento luxuoso para Gladson em São Paulo.
Nas tabelas de custos das obras, há uso de codinomes: “Gastos Administrativos”, “Joaquim pescador”, “Júlio engenheiro”. Cada um com valores garantidos a cada medição. Há um caso surreal de um suposto pagamento de propina para custear os gastos advocatícios para defesa do governador junto às acusações da própria Operação Ptolomeu.
São três relatos que, em alguma medida, demonstram que estamos diante de um jogo de espelhos. Dependendo do tipo, temos uma imagem ampliada ou mais difusa; temos um ponto focal mais restrito ou um ângulo mais abrangente. O que não se vê é alguém disposto a apresentar um espelho “de trevés”, uma imagem em diagonal, talvez até meio sem forma, mas que o povo pudesse se ver com outra luz.