Na imagem temos Professora Almerinda Cunha, Pai Irineu Serra e a ministra Marina Silva, pessoas negras que tiveram sua histórica marcada pela luta nos movimentos culturais, políticos e sociais negro acreano. Esta imagem é utilizada na divulgação do IV Congresso de Pesquisadoras/es Negras/os da Região Norte (IV Copene Norte), que será sediado no estado do Acre, na Universidade Federal do Acre (Ufac). Fonte: Neabi/Ufac
Por muito tempo permeou no imaginário coletivo da sociedade acreana que no estado do Acre não existia a presença de pessoas negras, pensamento este que está intrinsecamente ligado a ideia que se formou em torno do mito da democracia racial, assim, iniciando um processo de apagamento dessa população, mantendo-a marginalizada de sua dita história, lhes impondo um lugar de não-existência ou a não participação na formação dessa sociedade. Para isto, foi alegado, equivocadamente, que todos nesse território eram mestiços e, portanto, viviam em “pé” de igualdade, igualdade esta inexistente quando se observa os descritores de desigualdades, lugar em que esta população ocupam os maiores rankings.
É nesse contexto que se tornou necessário a organização dessas pessoas em coletivos/movimentos, e digamos que movimento aqui não é apenas no sentido figurado e/ou uma mera interlocução, e sim no sentido literal da coisa. Inicialmente essas pessoas iniciaram o processo de demarcar sua presença na sociedade acreana. A pesquisadora e professora da Universidade Federal do Acre (Ufac) Flávia Rodrigues Lima da Rocha (2011), por meio de seus estudo e pesquisas constata a falta da presença negra ou a não inclusão dessa população na historiografia acreana existentes, o que leva a uma invisibilização das contribuições dessa população para a formação dessa sociedade, alegando ainda essa exclusão e/ou marginalização da população negra reproduzem as ideias de inferioridade racial, que então é naturalizada no meio da sociedade acreana
O também professor da Ufac Jorge Fernandes (2012), em seu livro intitulado “Negros na Amazônia Acreana”, aponta que a origem das pessoas negras no Acre aconteceu nos primórdios da ocupação de terras acreanas, constatando inclusive que parte das pessoas negras acreanas aculturaram-se em sentido cultural, social e religioso. Porém, existe um percentual significativo de pessoas negras que optaram por viver seu pertencimento de negritude, continuando com os costumes, tradições e religiões de matrizes africanas. Apontando ainda que o preconceito racial, social, econômico e religioso é latente no estado como nas demais Unidades Federativas do Estado brasileiro, em se tratando de um país que tem em suas raízes mais profundas o racismo como fundador das relações sociais, econômica e jurídicas.
Nesse sentido, ainda que as hostilidades lhes privem dos mais primários direitos sociais, mesmo assim, travam, com ardor, uma luta, não uma luta bélica, mas de fortalecimento de suas raízes culturais, com movimentos rítmicos e alegres nos congais, nas rodas de capoeira, nas rodas de samba e de pagode, não esquecendo e não se abstendo de suas negritudes, bem como de suas culturas ancestrais, utilizando-se destes meios para denunciar e combater as mazelas do racismo.
Para além disso, a historiadora e pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Ufac (Neabi/Ufac) Kaliny Custódio do Carmo (2021), em seu trabalho monográfico que disserta sobre o Movimento Negro no estado do Acre, ressalta que uma das principais pautas desse movimento é assegurar a cidadania para a população negra, a fim de garantir acesso a saúde e educação de qualidade, além dos direitos básicos assegurados pela Constituição Federal do 1988. Dessa forma, o Movimento Negro Acreano e seus integrantes ao longo de sua história no estado do Acre contribuíram no alcance de muitas conquistas para a população negra, como os órgãos legais: a Secretaria de Estado de Assistência Social, dos Direitos Humanos e de Política para as Mulheres (SEASDHM), o Fórum Permanente de Educação Étnico-Racial do Acre (FPEER/AC), o Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial (COMPIR) e o Conselho Estadual de Promoção de Igualdade Racial (COEPIR).
Sendo assim, o Movimento Negro Acreano sempre esteve atento às discussões acerca do racismo, suas manifestações e de vida da população negra no estado, sobretudo nos espaços educacionais, a fim de reivindicar seus direitos e seu lugar na história e na sociedade acreana. Assim, corroborando com o que diz a Professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Nilma Lino Gomes (2017), esse movimento é um Movimento Negro Educador, pois sempre esteve buscando formas educar a si e a outros, construindo mecanismos e meios de integrar-se a sociedade e não se manter as margens, papel social ao qual lhes foram relegados.
Por fim, é importante destacar que no estado do Acre, não muito diferente dos demais estados que compõem a sociedade brasileira, o Movimento Negro Educador necessita primeiramente demarcar espaço e existência, é necessário um movimento de construção de uma história de existência da população negra na sociedade acreana, na qual essas/es sujeitas/os eram apagadas/os e/ou invisibilizados de sua história oficial, em detrimento das raízes fincadas no mito da democracia racial. Também não muito distante da realidade das demais Unidades Federativas, a partir do momento que integrantes do Movimento Negro adentram aos espaços de construção de saberes, esses se debruçam em estudar, bem como criar meios e mecanismos de combate ao racismo de forma institucionalizada. Utilizando-se dos dispositivos políticos-jurídicos legais o Movimento Negro Educador inicia uma jornada de combate as mazelas impostas pelo racismo à sociedade acreana. É nítido que através da presença dos sujeitos negros no Acre foi possível realizar articulações em prol da causa negra no Estado (PEREIRA, 2023).
Referências:
CARMO, Kaliny Custódio do. Movimento Negro no Estado do Acre: entre desafios, avanços e resistências. Monografia (Graduação). Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Curso de Bacharelado em História. Universidade Federal do Acre. Rio Branco, 87f., 2021.
FERNANDES, Jorge. Negros na Amazônia Acreana. Rio Branco: Edufac, 2012.
GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro Educador: saberes construídos nas lutas emancipatórias. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
PEREIRA, Maycon David de Souza. O Movimento Negro Educador e a Formação Continuada de Professoras/es da Educação Básica no Estado do Acre: multiplicados somos mais fortes. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Três Lagoas, p. 109. 2023.
ROCHA, Flávia Rodrigues Lima. Inaudíveis e Invisíveis: representações de negros na historiografia acreana. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e Identidades. Universidade Federal do Acre. Rio Branco, p. 90. 2011.
Sobre o autor
Maycon David de Souza Pereira é Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Graduado em Fisioterapia pela Faculdade Barão do Rio Branco (FAB). Acadêmico de Licenciatura em História na Universidade Federal do Acre (Ufac). Coordenador de Ensino e Publicações do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Acre (Neabi/Ufac). Editor Gerente da Revista Em Favor de Igualdade Racial (Refir).