A violência nos municípios brasileiros atingiu patamares semelhantes a um estado de guerra civil, atualmente afetando além das capitais, outras centenas de cidades de grande e médio porte espalhadas nas mais diversas áreas geográficas do país.
No ano de 2019, uma pesquisa apresentada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) denominada de “Ranking da Violência no Brasil”, demonstrou que 299 cidades brasileiras, com mais de cem mil habitantes, são responsáveis por 59,3% das mortes no país. Deste total, 240 delas estão com os índices de violência fora do controle.
A Segurança Pública está permanentemente em visibilidade. Trata-se de uma das principais necessidades essenciais para o cidadão, devendo ser priorizada pelo poder público com ações mais eficazes na defesa da coletividade. O enfoque de que a segurança é essencial remonta a Revolução Francesa de 1789, evento histórico no qual foi considerada um dos quatro direitos fundamentais do indivíduo.
Constitucionalmente, assegura-se a Segurança Pública como “dever de todos e responsabilidade do Estado”, por essa razão, ainda é dominante a percepção, principalmente no senso comum, de que os únicos responsáveis em prover a sociedade com ações de enfrentamento à criminalidade são os governos federal e estadual e, consequentemente, as corporações policiais dessas esferas.
Além das normas previstas no artigo 144, a Constituição Federal de 1988 também semeou um alargamento conceitual e institucional que inclui questões sociais e direitos humanos na esfera da segurança.
Essa visão ampliada, sistêmica e contemporânea de Segurança Pública demonstra que a preservação da ordem deve incorporar outros atores governamentais além das polícias, incluindo a participação cooperativa da sociedade e das agências públicas e civis. A execução de ações práticas com a parceria do poder público e sociedade incentivam políticas intersetoriais focalizadas na prevenção da violência como alternativas ao ineficaz sistema reativo (focado exclusivamente na atuação repressiva dos órgãos policiais e de justiça criminal).
Essa conjuntura influenciou o Governo Federal a priorizar políticas voltadas ao planejamento e financiamento de diretrizes direcionadas à prevenção e políticas sociais. Ainda em 1997 foi criada a Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP. Em 200 foi instituído o primeiro Plano Nacional de Segurança Pública e, um ano após, o Fundo Nacional de Segurança Pública – FNSP (Lei 10.201/2001). Anos depois nasceu a abordagem do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – PRONASCI (Lei 11.530/07) e, mais recentemente, a instalação do Sistema Único de Segurança Pública – SUSP (Lei 13.675/18).
Nesse contexto surgem três indagações. O modelo federativo brasileiro permite que o município seja protagonista de políticas efetivas de prevenção e controle da violência? Qual o papel dos municípios brasileiros na transformação da segurança pública? Quais os instrumentos que o município dispõe para tratar da Segurança Pública? Essas são algumas das perguntas que circundam o debate sobre o papel do município na segurança pública.
Em uma análise formal a Constituição Federal não situou os municípios na área de competência concorrente do art. 24, todavia lhe outorgou no art. 30 – II, a competência para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. Assim, cabe aos municípios a gestão, entre outros serviços públicos de interesse local, da Educação, Saúde, políticas de desenvolvimento e ordenamento do espaço urbano, que deve se concebida de forma integrada possibilitando o aprimoramento das funções sociais e o bem estar de seus habitantes.
Com a criação do Sistema Único de Segurança Pública – SUSP e da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) – pela lei nº 13.675/18, acabou o impasse sobre a questão da competência no âmbito federativo, pois os municípios passaram a integrar legalmente os entes responsáveis por promover a segurança pública, atuando de maneira cooperativa, sistêmica e harmônica com os estados e a União.
Portanto, apesar do pacto federativo brasileiro não determinar atribuições específicas e diretas dos municípios na segurança pública (com exceção à proteção dos seus bens e serviços, conforme o art. 144 § 8º), existe uma lógica de repartição de responsabilidades pela manutenção da ordem pública, o que respalda as atribuições e funções dos municípios, alocando-os como protagonistas na preservação da ordem pública e controle da violência.
Em relação ao papel dos municípios na transformação da segurança, ou especificamente, suas atribuições, podemos delimitá-lo entre estratégias preventivas que proporcionem a adoção de ações sociais e urbanas focadas nas áreas, grupos e dinâmicas de maior incidência da violência, preservação da ordem urbana, fiscalização de posturas municipais, atividade das guardas civis municipais em consonância ao modelo do policiamento comunitário e da resolução de problemas, além da imposição de restrições administrativas a direitos e liberdades.
É importante considerar que os municípios são os entes governamentais mais próximos da realidade das comunidades que sofrem com a violência. Consequentemente eles mantêm uma posição privilegiada para diagnosticar a vulnerabilidade dos cidadãos e espaços urbanos, elaborar estratégias de intervenção, executar planos de ações, monitorar e avaliar toda a criminalidade local.
Por fim, enumeramos como as principais ferramentas a serem utilizadas pelos municípios como cogestores na segurança pública: I- Criação de uma unidade gestora da política de segurança municipal; II- Constituição ou aperfeiçoamento da guarda civil municipal; III- Conselhos Comunitários de Segurança; IV- Desenvolvimento dos espaços urbanos (iluminação pública, revitalização de áreas degradadas, parques e praças); V- Projetos de prevenção ao uso de drogas, aliciamentos de adolescentes e jovens para as organizações criminosas; VI – Mediação de crises e conflitos urbanos comunitários; VII- Projetos de inserção social de indivíduos moradores nos “bolsões de pobreza”; VIII- Plano municipal de Segurança Pública; IX – Regulamentação de um Fundo Municipal de Segurança Pública; X – Instalação de um Centro Municipal Integrado de Comando e Controle.
Esclarecidas as indagações, entende-se que no contexto atual as ações municipais na esfera da Segurança Pública passam por uma fase de transição. São perceptíveis omissões dos gestores públicos, via de regra, imputando as responsabilidades para o governo estadual ou federal ou mesmo alegando a falta de recursos públicos.
Acreditamos que falta senso de compromisso e vontade dos gestores em todos os níveis governamentais, em especial dos municípios, para implementar uma política concreta de Segurança Pública. Sem medidas permanentes na prevenção da violência, estruturadas através de políticas sociais e urbanas, não conseguiremos diminuir os indícios de violência e atingir melhores condições para a paz social.