Desde que veio à lume, o caso ocupa o topo da lista dos assuntos mais comentados, tanto na grande imprensa quanto nas redes sociais: as joias de Jair e Michele Bolsonaro. Bem. A falar a verdade, as joias não são propriamente deles. Mas, por ora, a fim de que melhor nos entendamos, coloquemos as coisas nesses termos mesmo.
Com as investigações ainda em curso, impõe-se dizer que o caso não é de todo conhecido. Entretanto, pelo pouco que foi aclarado até aqui, já é possível perceber que se trata de problema complexo, com muitos aspectos e desdobramentos. E, quanto mais se sabe, mais ganham vulto as implicações que negativamente vão pesando contra Bolsonaro.
Sem margem a dúvidas, já é sabido que a comitiva de Bento Albuquerque (ex- Ministro de Minas e Energia do último governo) pretendia entrar com a joias ilegalmente no país. Por tudo o que disse e desdisse, ficou patente que Albuquerque e sua comitiva bem sabiam da ilegalidade do ato. Não fosse assim, não teriam preparado – de um modo temerariamente amador – pacotes diferentes para as joias, com o claro intuito de burlar a fiscalização.
De igual modo, é seguro afirmar que eles sabiam que, se era para incorporar as joias ao patrimônio da União, deveriam fazer declaração e seguir devidamente os protocolos.
Quando o caso se tornou público, Bolsonaro afirmou que não havia pedido nem recebido nada. Diante dos fatos que, teimosamente, apareceram, seus defensores forjaram outra versão, supostamente mais crível. Afirmaram que ele pretendia deixar as joias para a União. Porém, quando ficou claro que Bolsonaro sabia das joias e até havia declarado como patrimônio seu (privado) o pacote que passou ilegalmente pela fiscalização, passaram a dizer que não havia nada de errado nisso.
As provas documentais, somadas a vídeos e áudios, fundamentam a certeza de que Bolsonaro pretendia fazer com as joias que ficaram retidas o mesmo que fizera com as que lhe chegaram às mãos. Ou seja, pretendia declará-las como patrimônio privado seu e, assim, se apropriar de uma riqueza que, pela lei, deveria ficar com o Estado brasileiro. Com efeito, desde que se guarde o bom senso, por qualquer ângulo que se olhe o caso, a desonestidade é cristalina e o(s) crime(s), mais que comprovado(s).
Entre outras coisas, o fato de tratar o Estado como extensão ou “ampliação de seu círculo familiar” permite que qualifiquemos Bolsonaro (e, com ele, seu clã) como um “homem cordial”, para fazer referência ao célebre conceito de Sérgio Buarque de Holanda. Para Holanda, sujeitos desse calibre (cordiais) têm dificuldade de “compreender” a “distinção fundamental entre os domínios do privado e do público”.
Para eles, “a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais”, isto é, direitos privados, seus.
Por certo, o caso das joias é assustador, quer pelo valor envolvido (pode chegar até vinte milhões de reais), quer pelos meios empregados ou, ainda, pelo cinismo com que o clã Bolsonaro vem se manifestando a respeito. Todavia, bem olhadas as coisas, não traz novidade.
Quem não lembra que Michele Bolsonaro mandou pegar as moedas do espelho d’água do Palácio do Planalto, deixando que morressem as carpas que ali estavam? Quem não lembra que, ao deixar a residência onde estavam morando, a família presidencial levou toda a comida que estava na dispensa? Quem não lembra dos casos das rachadinhas que envolveram Bolsonaro e seus filhos Flávio e Carlos? Quem não
lembra das dezenas de imóveis comprados (totalmente ou em parte) com dinheiro vivo, uma prática muito usada por aqueles que não querem deixar rastros? Por último, mas igualmente emblemático do fenômeno aqui analisado: quem não lembra que Bolsonaro pretendia “dar” a Embaixada brasileira nos EUA a seu filho Eduardo, sujeito reconhecidamente sem competência para tal?
Nesta ocasião última, Bolsonaro afirmou que pretendia, sim, dar um “filé mignon” a seu filho. Honestamente, se o filé fosse dele, comprado com o dinheiro dele e todo o problema que daí resultasse recaísse unicamente sobre seus ombros, não havia nada a objetar. O problema é que não era nada disso. Bolsonaro estava mais uma vez tentando fazer o que sempre fez em sua vida pública: apropriar-se do bens do povo brasileiro como se fossem seus, para benefício seu e de seu clã.
Certa feita, Max Weber afirmara que há duas maneiras de fazer política, cada uma delas caracterizando um tipo de político: o que “vive para a política” e o que “vive da política”. O primeiro, sério, faz da política “o fim de sua vida”, fazendo dela uma causa. Já o segundo, que vê na política apenas uma permanente fonte rendas, vive da política, um parasita e nada mais. De nossa parte, não há a menor dúvida de que assim é
Bolsonaro e seu clã.