Por Elizângela Mendonça
Pensar uma educação antirracista, é não se limitar! Todos os sujeitos que atuam na escola, seja o professor em sala de aula, seja a merendeira, ou a o assistente escolar, essa discussão deve ser ampliada em todos os espaços da escola. É importante enquanto educador e diretor escolar, refletir sobre o papel da gestão em educação das relações étnico-raciais e quais são suas contribuições na promoção da igualdade. É notório que atualmente um dos grandes desafios dos educadores, perpassa a urgência por formação em letramento racial, para efetiva participação na desconstrução do racismo, preconceito e discriminação, pois a necessidade de se desfazer os equívocos que corromperam as culturas de origem africana, afro-brasileiras e indígenas, apontam para a realidade cruel que ainda perpassam nossa sociedade.
É necessário que se popularize entre os educadores e, principalmente gestores, o entendimento de que sua atuação, contribui de maneira decisiva, na reeducação das relações entre negros, indígenas e brancos, ou seja, relações étnico-raciais e que para tanto, é urgente a ampliação de aquisição de práticas educacionais que possibilitem um conhecimento com bases conceituais capazes de proporcionar ao educador uma percepção do meio e dos sistemas sociais, políticos e econômicos repletos de racismo estrutural1. É crucial disseminar a compreensão de que o racismo é um problema que promove a exclusão social e gera desigualdades no cenário educacional. Isso enfatiza a necessidade de os profissionais da educação discutirem e se aprofundarem na aplicabilidade da Lei 10.639/20032.
A atuação de professores e de uma gestão com formação em educação das relações étnico-raciais vai além da abordagem das manifestações diretas do racismo no ambiente escolar, como insultos e difamações. E apesar de positivas, as medidas que promovem a melhoria do clima escolar e a extinção de conflitos com base em discriminações étnico-raciais não bastam para a construção de uma educação efetivamente inclusiva e justa.
Para se ofertar na escola uma educação antirracista, implica necessariamente na revisão do currículo, garantindo sua diversidade, bem como a composição de formação reflexiva e crítica voltadas para processos de ensino-aprendizagem, que abranjam as culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas. Construir uma educação antirracista implica encaminhar os conflitos interpessoais, mas sobretudo reconhecer e valorizar as identidades e histórias de todos os sujeitos no ambiente escolar.
É preciso compreender que, quando a escola não aborda a história e a cultura dos sujeitos e povos não brancos a partir de sua própria perspectiva, o racismo é tratado como uma questão individualizada e pessoal, confundindo-o com bullying, não o enxergam como um sistema que se retroalimenta e se reinventa, vale ressaltar as características estruturais, institucionais e sistêmicas do racismo, que são base da sociedade estruturada na discriminação e que privilegia pessoas brancas em detrimento das não brancas.
Portanto é urgente que sejam implementados programas diversificados de formação continuada e letramento racial, visando à melhoria do desempenho no exercício da função ou cargo de diretores de escola com o objetivo entre outros de colaborar para que todo o sistema de ensino e as instituições educacionais cumpram as determinações legais com vistas a enfrentar todas as formas de preconceito, racismo e discriminação garantindo o direito de aprender e a equidade educacional a fim de promover uma sociedade mais justa e solidária.
Como bem salientou Frantz Fanon3, os descendentes dos mercadores de escravizados, dos senhores de ontem, não têm, hoje, de assumir culpa pelas desumanidades provocadas por seus antepassados. No entanto, têm eles a responsabilidade moral e política de combater o racismo, as discriminações e, juntamente com os que vêm sendo mantidos à margem, os negros e indígenas, construir relações raciais e sociais sadias, em que todos cresçam e se realizem enquanto seres humanos e cidadãos. Não fossem por estas razões, eles a teriam de assumir, pelo fato de usufruírem o muito que o trabalho dos escravizados possibilitou ao país.
Combater o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade social e racial, empreender reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da escola. As formas de discriminação de qualquer natureza não têm o seu nascedouro na escola, porém o racismo, as desigualdades e discriminações correntes na sociedade perpassam por ali. Para que as instituições de ensino desempenhem a contento o papel de educar, é necessário que se constituam em espaço democrático de produção e divulgação de conhecimentos e de posturas que visam a uma sociedade justa.
A escola tem papel importante para eliminação das discriminações e para emancipação dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis para consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários. Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar.
Têm que desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados vividos pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas.
A Lei 10.639/20032, o Parecer CNE/CP 003/20044 e a resolução CNE/CP 01/20045 são instrumentos legais que orientam ampla e claramente as instituições educacionais quanto a suas atribuições. No entanto, considerando que sua adoção ainda não se universalizou nos sistemas de ensino, há o entendimento de que é necessário fortalecer e institucionalizar essas orientações.
O Parecer CNE/CP nº 003/20045, aprovada em 19 de maio de 2004, expressa em seu texto que as políticas de ações afirmativas, no campo educacional, buscam garantir o direito de negros e negras e de todos os cidadãos brasileiros ao acesso em todos os níveis e modalidades de ensino, em ambiente escolar com infraestrutura adequada, professores e profissionais da educação qualificados para as demandas da sociedade brasileira, e em especial capacitados para identificar e superar as manifestações de preconceitos, racismos e discriminações, produzindo na escola uma nova relação entre os diferentes grupos étnico-raciais, que propicie efetiva mudança comportamental na busca de uma sociedade democrática e plural.
Os desafios são muitos: o tempo escasso para discutir com os professores durante a jornada de trabalho, já que muitos deles trabalham em mais de uma escola, dificultando sua participação nas reuniões coletivas com o grupo ou, em alguns casos, a rede ainda não dispõe de horários de estudo coletivo dentro da jornada de trabalho; a falta de apropriação do material por parte dos professores, que nem sempre conseguem tempo fora da sala de aula para fazer essa leitura, o descrédito de alguns deles nesse projeto, por não se sentirem parte do processo, por causa da maneira com que a rede organiza essas discussões, ou por falta de disponibilidade do próprio professor para participar, até mesmo quando isso pode ser feito de maneira on-line .
Ainda assim, faz-se urgente e necessária a importância da inclusão da temática africana e suas matrizes nas instituições escolares se pode perceber que o trajeto da busca pela igualdade não é curto e com certeza ainda não se findou, e tal forma pretende-se que a pessoa que assume a gestão de uma escola tenha em suas mãos diversas normatizações já há tempos existentes. Dessa forma não se pode negar que haja, ao menos, o mínimo de conhecimento da necessidade da implementação da Lei 10.639/2003 e todas as ações que vêm em consonância a ela.
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[1] ALMEIDA, Silvio Almeida. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2019.
[2] BRASIL. Lei 10.639/2003. Brasília: Senado Federal, 2003.
[3] FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Ed. UFBA, 2008.
[4] BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer do Conselho Nacional de
Educação – Câmara Plena (CNE/CP) nº 3, de 10 de março de 2004.
[5] BRASIL. (*) CNE/CP Resolução 1/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 22 de junho de 2004, Seção 1, p. 11. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, 2004.
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Professora Elizângela Mendonça, graduada em Pedagogia, Especialista em Gestão e Educação para as Relações Étnico-Raciais, servidora pública efetiva do Estado e da Prefeitura, atualmente a disposição do Estado exercendo o mandato de diretora da Escola Ruy Azevedo. Membro da Coordenação de Ensino do Neabi/Ufac, espaço que atua como formadora em ERER.