Professor é semeador. Mas semeador de uma espécie muito peculiar. Ou, para dizer de um modo talvez arrogante, sui generis.
Os outros semeadores – aqueles de abençoadas mãos que produzem alimentos – procuram satisfazer as necessidades dos indivíduos matando sua fome. Estes visam, sobretudo, aos corpos.
De seu lado, o professor é do tipo que semeia não o alimento, e sim a fome. Sem descuidar dos corpos, visamos sobretudo às almas. Ai de nós se, tendo tomado assento no banquete que servimos, nossos alunos ficassem satisfeitos de uma vez por todas; e, barriga cheia e sonolentos, saíssem por aí arrotando respostas para tudo que é pergunta.
Com efeito, nosso ideal é o aluno que, mesmo sentindo o sabor do saber, fica insatisfeito. Desse modo, busca mais alimentos, em outras mesas, com outros sabores, aromas, cores e substâncias. Ao fim e ao cabo, nosso ideal mais completo é o aluno que, tornando-se versado na arte da gastronomia do conhecimento, paladar treinado, consiga preparar seu próprio alimento e, generosamente, o partilha com os que dele necessitam.
Não é desarrazoado dizer, por ouro lado, que o professor é filantropo. Mas, em razão do capital específico que distribui, com vistas a fazer o bem, é filantropo de uma espécie muito peculiar. Ou, mais uma vez, para dizer de um modo talvez arrogante, sui generis.
O fundamento da riqueza do professor é o conhecimento de que dispõe, capital (cultural/intelectual) acumulado ao longo de toda uma vida, numa labuta diária, entre leituras de livros e do mundo; labuta estafante, no mais das vezes, que tende a invadir e ocupar todas as esferas de sua vida. O professor de matemática vê números em tudo; o de geografia vê geografia em tudo; o de história, do mesmo jeito, assim como o físico, o sociólogo, o filósofo, o biólogo etc.
Assim sendo, quem conseguirá estabelecer de uma vez por todas, com clareza meridiana, a fronteira entre o tempo de trabalho (do profissional) e o de descanso/lazer (do homem/mulher)?
Em contraste com os outros filantropos, o professor pode distribuir toda sua riqueza de conhecimento sem que fique um centavo mais pobre. Em verdade, forçoso é dizer que pobre poderia ficar se não a distribuísse, pois, no caso, o ato de distribuir é concomitantemente ato de produção.
Outro contraste: diferentemente dos outros filantropos, o professor não pode deduzir, de seu imposto de renda, a riqueza distribuída.
Numa matemática toda particular, a riqueza que distribui soma-se com a de seus alunos, multiplica-se a perder de vista. De fato, não há subtração nesta equação. E dessa divisão resulta inelutavelmente soma e multiplicação, fazendo-se, simultaneamente, tesouros particulares e coletivos sem conta.
Em maior ou menor medida, além de parte de nosso tesouro, depositamos em nossos alunos também um pouco de nossa alma, ajudando a formar a alma deles. No fato do afeto, em certo sentido, fundimo-nos com eles. A partir daí, mesmo que nunca mais nos vejamos, seguiremos neles.
O tempo torna a coisa um pouco mais complexa, mas não menos gratificante. Às vezes, numa das muitas voltas que o mundo dá, em uma de suas muitas esquinas, encontramos ex-alunos. É bom vê-los bem. Nem sempre lembramos seus nomes, suas feições, tão mudados os faz a força do tempo.
Seja como for, comove ouvir suas realizações. Sinto como se fossem também minhas – o mesmo pode ser dito de suas dores e fracassos.
Em face dos que não foram bem, penso que devo melhorar. Em face dos que seguiram adiante, exitosos, penso: não consegui mudar o mundo de todas as pessoas, mas, quando nada, ajudei a mudar o mundo de uma. E folgo em saber que o mundo está melhor por isso.
Saber que apontamos caminhos, que encorajamos a seguir adiante e a subir degraus, mostra que a luta vale a pena.