Por Johklesy Farias
Recentemente, dia 10 de outubro, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei o qual proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O PL em questão, de número 580, do ano de 2007, cuja autoria é do deputado Clodovil Hernandes (PTC-SP), originalmente almejava (contrário ao PL aprovado recentemente) regularizar o casamento entre pessoas LGBTQIA+.
No entanto, a Comissão rejeitou este projeto de lei de mais de 10 anos (!!!) nesta terça, mantendo apenas em pauta um projeto apensado a este de autoria do ex-deputado Capitão Assumção (PSB-CE), que propõe alterar o art. 1.521 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 do Código Civil, acerca do contrato civil de união homoafetiva, proibindo-a e indo de encontro a decisão do STF no ano de 2011, na qual houve a legitimação desse tipo de relação. A esperança está em duas comissões as quais ainda discutirão o PL: a Comissão de Constituição e Justiça e a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial.
Diante desta situação lamentável, é adequado trazer à tona uma cerimônia interessante a qual existia em certas igrejas cristãs e que, pasmem, se assemelha ao casamento homoafetivo! A cerimônia em questão se chama adelfopoiese.
Esta cerimônia consistia na união entre dois homens em um relacionamento reconhecido pelas igrejas cristãs como uma união entre irmãos. Sua origem pode ser rastreada até o Império Bizantino (também conhecido como Império Romano do Oriente), onde continha-se manuscritos datados dos séculos IX ao XV descrevendo o ritual da adelfopoiese. Os principais elementos da liturgia deste rito consistiam em:
- Os irmãos eram colocados, na igreja, em frente ao púlpito, no qual estava a cruz e as escrituras. O mais velho dos dois é colocado à direita, enquanto o mais novo é colocado à esquerda;
- Realizavam-se orações e litanias (orações) as quais pediam que os dois fossem unidos em amor e também lembrados como exemplos de amizade na história da Igreja;
- Eles eram amarrados com um cinto, colocando as mãos nos evangelhos e cada um recebia uma vela acesa;
- Eram lidos os versos da Primeira Carta aos Coríntios 12:27 a 13: 8 (discurso de São Paulo sobre o amor) e do Evangelho de João 17: 18-26 (o discurso de Jesus Cristo sobre a unidade);
- Leem-se mais orações e litanias;
- Era lido o Pai Nosso;
- Os irmãos participavam dos presentes pré-santificados de um cálice comum;
- Eles eram conduzidos ao redor do púlpito enquanto ficavam de mãos dadas, e o seguinte tropário (uma espécie de hino) era cantado: “Senhor, olha do céu e vê”;
- Para finalizar, eles trocavam beijos e cantavam: “Oh, quão bom, quão doce viver todos os irmãos juntos!” (Salmos 133:1).

No entanto, é importante se destacar que esta cerimônia pelo qual o “casal” passava não tinha como objetivo sacralizar relações amorosas entre pessoas do mesmo sexo, mas sim sedimentar uma relação de fraternidade entre irmãos em um sentido estritamente espiritual.
Patrick Viscuso, professor de Direito Canônico na Casa de Estudos de Antioquia e na Escola Pastoral da Diocese de Chicago e América Central, canonista ortodoxo e sacerdote da Arquidiocese Ortodoxa Grega da América, explica que o ritual da adelfopoiese, no contexto da igreja bizantina tardia, se diferenciava do casamento bizantino devido, entre outros fatores, pelo primeiro ser um processo menos burocrático se comparado ao segundo: enquanto os casamentos bizantinos eram perpassados por uma série de rituais, unindo tanto os cônjuges quanto às suas famílias, a adelfopoiese se resumia em um rito cujo efeito afetava principalmente os seus participantes, unindo-os em um relacionamento que aproximava-se mais da adoção e da relação espiritual associada ao Batismo do que ao matrimônio, inclusive não implicando qualquer dimensão sexual.

Ainda assim, é importante se dizer que, por mais que não possua um aspecto sexual, o rito da adelfopoiese ainda assim pode ter sido utilizado no passado por homens homossexuais cristãos como uma forma de se unirem perante a Igrejas Ortodoxa. Afinal, a união entre dois homens não implica necessariamente no relacionamento carnal: homossexuais podem se amarem sem um contato íntimo.
Atualmente, existem apenas algumas poucas igrejas cristãs que fazem a cerimônia religiosa para o casamento homossexual. Essas igrejas, no entanto, não são do ramo católico ortodoxo, mas sim do ramo protestante, mais especificamente pentecostal, o que chega a ser surpreendente e um tanto paradoxal, já que a principal força política responsável pelo avanço do PL 5167 – que proíbe que as relações entre pessoas do mesmo sexo se igualem ao casamento ou a entidade familiar –, foram justamente políticos de denominações protestantes do cristianismo, comumente denominados evangélicos.
As igrejas que atualmente celebram o casamento homossexual propriamente dito são: a Igreja Contemporânea, a Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM) e a Comunidade Cristã Nova Esperança.
Em suma, pode se inferir que mesmo as igrejas cristãs que, no caso do Brasil, são representadas politicamente através, principalmente, dos assim chamados evangélicos, estão longe de abominarem de forma absoluta e unânime a união de pessoas do mesmo sexo se partirmos de um ponto de vista histórico; e, vale-se destacar, as denominações que faziam esse tipo de união – como o catolicismo ortodoxo – tinham suas regras para o estabelecimento da união de caráter religioso e fraterno que era a adelfopoiese, e isso ainda é realidade nas igrejas pentecostais que fazem o casamento homossexual, até porque, o casamento é uma instituição sagrada de acordo com a Bíblia. O conhecimento sobre a cerimônia da adelfopoiese serve para mostrar que até no âmbito religioso cristão pode haver a união de pessoas do mesmo sexo, mesmo não sendo de forma carnal, sendo amparadas por uma tradição a qual atravessou séculos nas Igrejas Cristãs mais antigas.
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Johklesy Farias é bacharelando em História pela Universidade Federal do Acre (UFAC) e bolsista pela ação de extensão intitulada Seleção de Bolsistas para Apoio nos Espaços da Dacic. Link do Lattes: http://lattes.cnpq.br/0304650515423691