No Dia Internacional da Mulher, não há como falar de conquistas sem lembrar das cicatrizes. Não há como celebrar avanços sem reconhecer que, para muitas, viver ainda é um ato de resistência. Ser mulher no Brasil é carregar nos ombros o peso da vulnerabilidade, da insegurança e do medo. É andar pelas ruas com passos apressados, desconfiar de um estranho que se aproxima, apertar as chaves entre os dedos como uma arma improvisada. É saber que, a qualquer momento, pode ser a próxima.
Em 2023, o Brasil registrou 1.467 feminicídios, o maior número desde que o crime foi tipificado em 2015, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Embora tenha havido uma redução de 5,1% nos casos em 2024, a realidade segue cruel: uma mulher continua sendo assassinada a cada seis horas apenas por ser mulher.
No Acre, o cenário não é diferente. Entre 2018 e 2024, foram registrados 77 feminicídios consumados e 111 tentativas, segundo dados do Ministério Público do Estado. Em 2024, oito mulheres foram assassinadas, uma redução de 20% em relação a 2023. Mas a diminuição numérica não significa segurança. A cada novo crime, fica evidente que a luta contra a violência de gênero está longe de acabar.
O primeiro feminicídio julgado na capital acreana
E foi em Rio Branco que um desses crimes marcou a história. No dia 29 de fevereiro de 2016, Keyla Viviane dos Santos, de 32 anos, foi brutalmente assassinada a facadas pelo ex-marido, Adjunior Sena, em frente a uma loja de confecções no bairro Estação Experimental. O crime ocorreu em plena luz do dia, diante de testemunhas, e escancarou a tragédia da violência doméstica.
O caso de Keyla foi o primeiro feminicídio julgado em Rio Branco após a sanção da Lei do Feminicídio, em 2015. Adjunior foi condenado a 27 anos e seis meses de prisão, um marco na justiça acreana. Como resposta à brutalidade do crime, o governo sancionou, ainda em 2016, a Lei Keyla Viviane dos Santos, com o objetivo de fortalecer políticas públicas voltadas ao combate da violência contra a mulher.
Para Matheus Carvalho, sobrinho da vítima, a dor da perda segue viva, mesmo após anos do crime brutal. “O tempo não cura, a dor é permanente. A gente aprende a viver com ela. Eu lembro da minha tia todos os dias”, desabafa.
Ele também ressalta que muitas mulheres permanecem em relacionamentos abusivos sem conseguir sair, seja por dependência financeira, emocional ou pelo medo das represálias. Por isso é de extrema importância que medidas concretas sejam feitas para garantir a efetividade das leis com intuito de proteger as mulheres.
“Minha tia sabia de todas as traições, mas não conseguia sair. Quando finalmente conseguiu, ele começou a persegui-la. No dia do assassinato, passou a madrugada inteira perturbando minha tia”, relembra. Keyla tentou se libertar, mas não teve tempo.
Graziely Lima: outro sonho interrompido
Nove anos depois do feminicídio de Keyla, mais um crime brutal ocorreu em Rio Branco. Em janeiro de 2025, a estudante de Farmácia Graziely Lima de Oliveira, de apenas 19 anos, foi assassinada pelo ex-namorado. O motivo? Ele não aceitava o término do relacionamento.
Filha de um sargento da Polícia Militar falecido em 2024, Graziely era descrita por amigos e familiares como uma jovem sonhadora, tranquila e reservada. “Ela não dava problema nenhum, tinha muitos sonhos. Mas confidenciou a amigas que ‘não dava mais para continuar com Pedro’”, relembra o primo da vítima, Wesleyn Silva.
Assim como Keyla, Graziely tentou se afastar, tentou seguir em frente. Mas sua liberdade foi interrompida por um ciclo de violência que insiste em se repetir.

A violência persiste, mas a luta também
O feminicídio é a face mais extrema da violência contra a mulher, mas não a única. Antes da morte, há anos de ameaças, agressões físicas e psicológicas. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública também revelou que, só em 2023, foram registrados 66.024 estupros e 245.713 casos de lesão corporal dolosa contra mulheres no país.
A socióloga Gleiciane Pismel reforça que o combate à violência de gênero vai muito além do endurecimento de penas.
“Para avançar nessa agenda, precisamos de anos de investimentos em educação. É necessário mudar a forma como a sociedade vê o papel da mulher”, explica.
A luta contra o feminicídio exige mais do que indignação momentânea. É preciso fortalecer políticas públicas, ampliar as redes de proteção e, acima de tudo, transformar a mentalidade social que ainda normaliza a violência contra a mulher.
Que histórias como as de Keyla e Graziely não sejam apenas lembradas como tragédias, mas como marcos na busca por um futuro onde nenhuma mulher precise temer pela vida ao decidir ser livre.