Por: Maycon David de Souza Pereira
O ano de 2025 está em seu 8º mês e já tem se tornado histórico para a população negra no que se refere aos protagonismos de mulheres negras nas produções audiovisuais mais acessíveis e populares da sociedade brasileira, as novelas. A maior emissora da América Latina, e a segunda maior do mundo, neste ano inaugurou um fato novo, as protagonistas das novelas de maiores destaques, incluindo a do horário nobre (21h), são mulheres negras.
As atrizes Duda Santos, Clara Moneke, Bella Campos e a veterana Taís Araújo foram as escolhidas para este feito, atualmente protagonizando folhetins que destacam a relevância do papel das mulheres negras, para as artes, para o debate acerca da representatividade desses corpos na tela da TV de milhares de brasileiros, acabando com a ideia equivocada de que só poderiam atuar em papéis secundários, ou como vimos por muito tempo, como personagens subalternizados. Além delas, Belize Pombal e Edvana Carvalho também integram núcleos centrais das tramas, representando com força o matriarcado negro e mostrando-se essenciais para o desenvolvimento das histórias.
As novelas no Brasil possuem grande impacto na sociedade, pois além de trazer entretenimento, provocam discussões de grande relevância que levam o público a pensar e debater sobre determinados assuntos. Não é de hoje que esse tipo de produção tem efeitos no debate público, elas moldam valores, comportamentos e visões de mundo. Têm força para educar, informar, influenciar e até transformar a sociedade, mas também carregam a responsabilidade de não reforçar preconceitos ou desigualdades.
Essa sempre foi uma pauta do movimento negro. O intelectual brasileiro Abdias Nascimento, desde meados da década de 1940, com o Teatro Experimental do Negro, já desmascarava o sistema de hipocrisia racial existente no país, uma sociedade em que a maioria da população é negra, mas que não se via representada nas artes, nem em papéis de destaque, nem em narrativas que espelhassem sua humanidade.
É por isso que o momento atual não pode ser lido apenas como fruto da “evolução natural” da televisão. Trata-se de uma conquista que resulta de décadas de luta, de vozes que insistiram em dizer que a ausência de protagonistas negras não era mero acaso, mas reflexo de um racismo estrutural que escolhia quem podia ser herói, quem podia amar e ser amado, quem tinha direito ao final feliz. Ao ver atrizes negras protagonizando as histórias mais assistidas do país, o que se inaugura é uma mudança simbólica poderosa, meninas negras podem se reconhecer nessas telas e imaginar futuros em que elas também sejam centrais, e não apenas coadjuvantes.
É uma obviedade que ainda há muito a avançar. Essa representatividade precisa ser acompanhada por narrativas que não limitem essas mulheres aos estereótipos da dor, da violência ou da sensualidade. O desafio é permitir que elas vivam, nas tramas, a mesma pluralidade que vivem fora delas: mães, profissionais, sonhadoras, líderes, mulheres comuns. É somente assim que o impacto da representatividade se tornará duradouro, rompendo com a lógica de vitrine passageira e construindo um novo imaginário social.
Se as novelas podem ser lidas como um espelho da sociedade, 2025 nos mostra um reflexo que há muito tempo era esperado: o da mulher negra não mais à margem, mas no centro da história. Cabe a nós, enquanto público, cobrar que esse reflexo não seja apenas um lampejo isolado, mas o início de uma transformação contínua na forma como o Brasil se vê e se reconhece.
Maycon David de Souza Pereira
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Especialista em Educação das Relações Étnico-Raciais e História e Cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena pela Universidade Federal do Acre (Ufac). Graduado em Fisioterapia pela Faculdade Barão do Rio Branco (FAB). Discente de Licenciatura em História na Ufac. Coordenador de Publicações no Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Ufac (Neabi/Ufac). Editor Gerente da Revista em Favor de Igualdade Racial (Refir)