Arte: Geovanna Moraes de Almeida
Essa pergunta gera certa estranheza e olhares desconfiados, tendo em vista que, são pessoas brancas que protagonizam predominantemente cenas de violência, pautadas no racismo, contra, sobretudo, as pessoas negras. Mas afinal, os brancos podem atuar na luta contra o racismo? Antes de respondermos o questionamento realizado, é necessário entendermos alguns conceitos.
O primeiro conceito é pautado no questionamento a seguir: “o que é Branquitude?” Sobre isso, vários(as) estudiosos(as) já discutiram a respeito e as suas conclusões são por, quase, unanimidade que, Branquitude se refere à identidade racial dos brancos, sendo também um lugar no qual esse sujeito retratado possui vantagens econômicas, sociais e culturais.
Na sociedade brasileira, como a conhecemos hoje, a branquitude surge juntamente com o processo de colonização, personificada na figura do colonizador europeu que utiliza de prerrogativas inerentes as estruturas sociais escravocratas, além de inferiorizar os não-brancos (lê-se indivíduos negros e indígenas). Dessa maneira, é correto afirmar que os brancos sempre se colocaram no topo da hierarquia de poder, à medida que se consideram superiores aos demais membros da sociedade.
Diante disso, partindo da premissa da branquitude como lugar de poder, infelizmente, ainda no século XXI, os brancos continuam sendo detentores dos privilégios que sua cor lhes oferece, estando eles de acordo ou não, fato esse inegável devido a existência do racismo nas estruturas sociais do Brasil.
Assim, tal perspectiva fica mais nítida ao olharmos para o quadro de funcionários das empresas, que em sua grande maioria, é composto por brancos, sendo deles, inclusive, os postos de gerência e correlatos. Outro fator analisado é que a tramitação de processos contra crimes classificados como Colarinho-Branco, ou seja, aqueles em que a criminalidade envolve pessoas vinculadas à elite política, social e econômica, composta majoritariamente por brancos, é mais branda e injusta, tendo apenas 0,79% dos réus de fato julgados e condenados, de acordo com dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2012, a medida
que o aprisionamento de pessoas negras segue subindo rapidamente, fazendo com que esses alcancem o número de 64% do contingente populacional carcerário, conforme levantamento de dados do Ministério da Justiça.
Nessa perspectiva, é correto afirmar que o racismo existe e relega aos brancos vantagens sobre os negros. Dessa forma, como estes sujeitos podem contribuir na luta antirracista, já que são eles os beneficiados dentro desse sistema injusto? Para isso, Lourenço Cardoso, importante estudioso brasileiro da área, afirma que existem duas categorias de branquitude: branquitude acrítica e crítica. A medida que a branquitude acrítica se refere ao branco que não se constrange em ser racista, a título de exemplo o grupo Ku Klux Klan, a branquitude crítica diz respeito aos sujeitos brancos que, tendo consciência da existência do racismo, o condenam e se colocam à disposição de o combaterem. Essa branquitude crítica se aplica perfeitamente ao casal Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, um casal de artistas, brancos, que recentemente se envolveram em um episódio no qual defendem veementemente seus filhos negros que estavam sendo atingidos por ofensas
racistas.
Destarte, após toda essa análise, é possível responder a pergunta inicial, e a resposta é: sim, brancos podem atuar na luta contra o racismo, na condição de aliados através do desenvolvimento sério e compromissado de uma Branquitude Crítica. Aliás, não só podem, como devem, afinal, o silêncio em relação a essa pauta é visto como conivência.
Depreende-se, portanto, que para desenvolver a criticidade dentro da identidade racial branca, faz-se necessário passar por dois passos: o primeiro passo consiste em reconhecer que o racismo existe e entender-se como sujeito privilegiado dentro desse sistema; o segundo passo é buscar conhecer mais sobre as relações étnico-raciais, estudá-las com afinco para compreender o contexto sociocultural no qual está inserido, para assim romper com pensamentos ultrapassados e preconceituosos.
Ainda nesse viés, a partir do conhecimento adquirido na busca pelas questões anteriormente citadas, é possível passar a usar referências negras, tanto nas artes e cultura, quanto na ciência, buscando consumir conteúdos de pessoas negras e difundi-lo. Além disso, é importante mencionar que uma postura fundamental na luta contra o racismo é a mudança de vocabulário, retirando palavras e expressões de cunho racistas, como é o exemplo de “criado-mudo”, “escravo”, “ovelha negra”, “denegrir” e outros termos advindos de uma perspectiva alicerçada no preconceito racial.
Por fim, outra medida que também é necessária ser efetivada, se refere ao recrutamento de pessoas negras para o quadro de funcionários de empresas, gerando emprego para essa população. Em conclusão, o racismo é algo que impede a soberania da democracia. Ele não é um “problema do negro”, mas sim do coletivo e onde quer que exista, não é possível falar de justiça em sua forma plena. Por isso, é importante que todos os indivíduos de uma sociedade se engajem na luta antirracista, inclusive os brancos, para que, através disso, alcancemos de fato o respeito, justiça e direito à pluralidade.
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[1] BENTO, Maria Aparecida da Silva. O pacto da branquitude. Companhia das Letras, 2022.
[2] CARDOSO, Lourenço. Branquitude acrítica e crítica: A supremacia racial e o branco anti-racista. La Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud [online]. 2010, vol.8, n.1,pp.607-630. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S1692715X2010000100028&script=s
ci_abstract&tlng=pt. Acesso em 15 Abr. 2022
[3] Departamento Penitenciário Nacional – Ministério da Justiça, Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres – Junho 2014. Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/estudotraca-perfil-da-populacao-penitenciaria-
feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf. Acesso em: 14 set. 2022
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Geovanna Moraes de Almeida: Licenciada em História pela Universidade Federal do Acre e membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Ufac e pela a Flávia Rodrigues Lima da Rocha: Doutora em Educação pelo PPGE/UFPR. Professora assistente da Ufac lotada no curso de História, coordenadora do Neabi/Ufac.