Apoiando-se na Lei 11.645 de 20081 que alterou a Lei 10.639 de 20032 em seu artigo 26 “A” – não nos esquecendo que essas leis alteram a Lei 9394 de 19963, que trata das diretrizes e bases da educação nacional –, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de História e cultura afro-brasileira e indígena na Educação Básica, vemos na literatura uma forma de combater o racismo e outras formas de preconceito, pois é nos anos iniciais da vida escolar que a criança começa a interagir com pessoas diferentes para além dos seus familiares.
Como bem afirma o indígena, Doutor em Antropologia Gersem Baniwa3 a escola deve ser um lugar “plural, diverso, transitório e dinâmico”. A partir de uma literatura indígena, buscamos contribuir na/para a formação crítica, social e cultural das crianças e jovens em fase escolar. Mostramos assim, outra visão, uma nova vivência através das letras. Como dito pela indígena Potiguara, Doutora Graça Graúna4 “ao escrever dou conta da ancestralidade, do meu caminho de volta, do meu lugar de mundo”. É nessa perspectiva que vemos a obra de Daniel Munduruku.
A obra “Contos Indígenas Brasileiros” é de autoria do indígena do Povo Munduruku, Doutor em Educação, Daniel Munduruku. Em 2005 o escritor nos presenteou com essa rica obra literária, com ênfase nas culturas indígenas e conta com ilustrações do artista gráfico Rogério Borges.
Esse livro é um grande aliado para a promoção de igualdade racial para o enfrentamento de preconceitos no ambiente escolar e para o fortalecimento da luta antirracista, pois traz em suas páginas personagens vivos de uma realidade que pouco conhecemos, cheia de mistérios, espíritos, respeito a ancestralidade, relação harmoniosa com natureza, onde os sujeitos aprendem, são repreendidos, cantam, dançam e vivem.
Essa obra possui 64 páginas com ilustrações que retratam a ideia central dos mitos. Para mostrar a riqueza dos povos tradicionais, o autor traz oito contos de diferentes povos, sendo eles: Munduruku Guarani, Nambikuara, Karajás, Terena kaingang, Tukano e Taulipang. Algo muito interessante o Munduruku traz em seus textos, são os sujeitos quem repassam essas histórias: OS ANCIÕES, OS MAIS VELHOS, OS AVÓS! São esses os responsáveis por manter viva a história, as memórias que conectam passado, presente e futuro, passando para as gerações futuras os ensinamentos que tem guiados esses povos até a atualidade.
No início de cada conto, Daniel traz abaixo do título um mapa do Brasil, mostrando os estados em que esses povos estão localizados, bem como sua língua, sua família, seu tronco linguístico e a sua população, e ao final de cada narrativa ele disponibilizou um glossário com as palavras indígenas e seus significados para facilitar a compreensão do texto.
As histórias vão de norte a sul do país. Os mitos retratam situações diversas e mostram essa relação com os espíritos, deuses, animais e entre eles mesmos. É o que podemos ver em: Do mundo do centro da Terra ao mundo de cima, história contada entre Povo Munduruku sobre a criação do Mundo; O roubo do fogo, é um mito do Povo Guarani de como eles aprenderam a acender o fogo; A pele da mulher velha é um conto do Povo Nambikuara sobre como a cobra ganhou o dom de mudar de pele; Por que o sol anda tão devagar? É um mito do Povo Karajá que narra como eles conseguiram o sol, a lua e as estrelas. Em A origem do fumo o Povo Terena contam sobre a origem do tabaco; Depois do dilúvio é um conto do Povo Kaingang dos tempos da criação do mundo. O Povo Tukano nos presentei com A proeza do caçador contra o curupira que relata sobre a esperteza de um caçador para não ser comido pelo curupira, o protetor das matas e dos animais. Para fechar o livro, Daniel traz o mito A onça valentona e o raio poderoso, do Povo Taulipang, que explica o motivo da onça ter tanto medo de raios.
O livro pode ser utilizado em contações de histórias, encenações dos mitos, após aulas expositivas e dialogadas sobre os contos e os povos indígenas. O professor pode trabalhar a história por trás desses mitos, a relação do indígena com os espíritos, animais, mostrando uma cosmovisão diferente da do não-indígena, além da geografia das regiões onde essas comunidades se encontram, podendo trabalha-la juntamente com a questão da língua desses povos e as tradições.
Apresentar e trazer a obra “Contos Indígenas Brasileiros” como potência e ferramenta de enaltecimento da identidade cultural brasileira e sugerir formas de uso foi o modo que encontramos para contribuir com a promoção de igualdade racial nas escolas e espaços educativos, valorizando as culturas indígenas. Daniel Munduruku fala a partir de suas vivências, ouvindo as histórias de seus mais velhos e trouxe para o mundo das letras um pouco da sua cultura oral e de seus parentes.
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[1] BRASIL. Lei 10.639/2003. Brasília: Senado Federal, 2003.
[2] BRASIL. Lei 11.645/2008. Brasília: Senado Federal, 2008.
[3] BRASIL. Lei 9394/1996. Brasília. Senado Federal, 1996.
[3] BANIWA, Gersem. Educação escolar indígena no Brasil: avanços, limites e novas perspectivas. 36ª Reunião Nacional da ANPEd – 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goiânia-GO.
[4] GRAÚNA, Graça. Escrevivência indígena. Art’palavra, 28 de setembro de 2017.
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Mestrando em Letras: Linguagem e Identidade, pela Universidade Federal do Acre (PPGLI/Ufac). Especialista em Educação Especial Inclusiva, pela Faculdade de Educação Superior Euclides da Cunha (Inec). Licenciado em História (Ufac). Membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Acre (Neabi/Ufac).